É uma espécie de “tradição”. As reuniões da bancada parlamentar do PSD costumam realizar-se às quintas-feiras de 15 em 15 dias, mas desde que, a 6 de novembro, Rui Rio foi eleito líder parlamentar em regime de transição, ainda só houve duas reuniões de deputados, e uma delas foi logo no dia a seguir à eleição. Para esta quinta-feira, mais de um mês depois de o líder do partido ter acumulado funções como líder parlamentar, estava marcada mais uma reunião da bancada: os deputados receberam a convocatória há “pelo menos duas semanas”, mas, ao contrário do que diz a “tradição”, foi dada ordem para não convocar os jornalistas por “não haver conteúdo noticioso”, segundo informou a assessoria de Rio. Entre a falta de reuniões da bancada e o facto de Rui Rio se fazer sempre representar pelo vice-presidente Adão Silva nas reuniões da conferência de líderes, a discrição de Rio-líder-parlamentar já se começa a notar.

Esta terça-feira, por exemplo, Mário Centeno e Duarte Cordeiro apresentavam aos partidos com assento parlamentar as linhas gerais da proposta do Governo do Orçamento do Estado para 2020 e Rui Rio não fez parte da delegação do PSD. Quem lá esteve foi Afonso Oliveira, vice presidente da bancada parlamentar responsável pela área das Finanças e Economia, Clara Marques Mendes, vice-presidente da bancada que tutela a área da Segurança Social, e Álvaro Almeida, vice-coordenador do PSD na comissão de Orçamento e Finanças, que aqui substitui o coordenador Duarte Pacheco, que não pode comparecer por motivos de agenda. Nos outros partidos, as delegações foram todas compostas pelo líder parlamentar e por mais dois deputados responsáveis pela área das Finanças, como é o caso do Bloco de Esquerda que se fez representar por Pedro Filipe Soares, Jorge Costa e Mariana Mortágua, ou o caso do PCP, cuja delegação foi composta pelo líder parlamentar João Oliveira e pelo deputado Duarte Alves, coordenador do partido na comissão de Orçamento e Finanças.

Já quanto a reuniões da conferência de líderes, onde os líderes parlamentares e representantes da direção dos vários grupos parlamentares reúnem com o presidente da Assembleia da República para, entre outras coisas, agendar trabalhos parlamentares, Rui Rio ainda não foi a nenhuma — tem-se feito sempre representar pelos ‘vices’ Adão Silva ou Clara Marques Mendes. No entanto, “há sincronia perfeita com o líder do partido”, garante Adão Silva ao Observador. Mesmo dentro da bancada, há quem critique a “indisponibilidade” do líder do partido para acumular funções. Questionada sobre este assunto, a assessoria de comunicação de Rui Rio rejeitou que estivesse a haver menos contacto do líder com os deputados do que no passado e remeteu para as declarações de Adão Silva ao Observador.

Ora, nessas declarações, Adão Silva explica que além da reunião da bancada que houve logo no dia 7 de novembro, um dia depois da eleição de Rio como líder parlamentar, houve mais uma reunião da direção parlamentar alargada (com coordenadores) e só não houve mais reuniões com os deputados porque Rui Rio esteve fora do país a exercer funções na qualidade de presidente do PSD. Por norma, as reuniões da bancada realizam-se quinzenalmente às quintas-feiras (no PS as reuniões também são à quinta, mas são semanais), mas no dia 21 de novembro, data em que haveria reunião, Rui Rio estava em Zagreb a representar o PSD no congresso do Partido Popular Europeu. Quinze dias depois, dia 5 de dezembro, também não houve reunião, mas devido a fatores externos: houve jornadas parlamentares do PCP a decorrer entre quinta e sexta-feira, pelo que não houve trabalhos parlamentares. Esta quinta-feira, dia 12, houve de facto reunião, mas apesar de os deputados terem recebido a convocatória “há pelo menos duas semanas”, foi dito aos jornalistas que não haveria reunião. À saída da sala do Senado, a assessoria de Rio justificou que os jornalistas não foram convocados porque “não há conteúdo noticioso”.

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Um mês depois de Rui Rio ter sido eleito líder parlamentar do PSD com quase 90% dos votos, e com a condição de ficar no cargo apenas até ao congresso de fevereiro, a liderança parlamentar parece estar a ser repartida com Adão Silva, que é o primeiro ‘vice’. “Há articulação perfeita com o líder do partido que, não estando, é como se estivesse”, diz o deputado social-democrata ao Observador, lembrando por exemplo o caso da atribuição de tempos aos deputados únicos que marcou o arranque da legislatura, onde Rui Rio se mostrou sempre favorável mesmo não tendo estado presente nas reuniões da conferência de líderes.

Um mês depois, Rio trata de “burocracias”

Mas a verdade é que alguns deputados têm notado, em surdina, a falta das habituais reuniões parlamentares, afirmando sob anonimato que, neste último mês, a direção do grupo parlamentar apenas tem interagido com os deputados para dar conta da “agenda das intervenções”. Tem sido sempre Rui Rio a questionar o primeiro-ministro em nome da bancada do PSD em todos os debates quinzenais.

Segundo a mesma fonte, o próprio regulamento interno do grupo parlamentar sugere que haja reuniões quinzenais da bancada, mas, pelo menos neste primeiro mês, essa regra não foi cumprida. A crítica é clara: “Não se deve assumir funções quando não se tem disponibilidade para as exercer”. Mesmo que sejam funções em regime transitório.

Mesmo na reunião desta quinta-feira, ao que o Observador apurou, houve mais assuntos de “funcionamento interno”, de “burocracias” e “agendamentos até ao final do ano”, do que “questões políticas”, tendo Rui Rio feito uma intervenção inicial e passado depois a palavra para Adão Silva e ao resto da direção da bancada. Rui Rio “ouviu mais do que falou”, diz uma fonte, sublinhando que a reunião desta quinta-feira serviu mais para tratar de assuntos formais relacionados com o funcionamento do Parlamento, das comissões parlamentares e do grupo parlamentar, do que para tratar de questões políticas: sobre o Orçamento do Estado nem uma palavra. 

Ao que o Observador apurou, o tema da frequência das reuniões também foi abordado, tendo os deputados considerado que deve haver maior articulação dos deputados com os vice-presidentes e os coordenadores, que se devem reunir com mais frequência. A reunião serviu também para Rui Rio “agradecer” o trabalho feito até aqui pelos deputados, em particular os estreantes no Parlamento.

Conferência de líderes 2, Rui Rio 0

Cenário semelhante tem-se verificado nas reuniões da conferência de líderes, órgão que reúne também quinzenalmente para acertar agendamentos e decidir os mais variados temas do funcionamento parlamentar: Rui Rio ainda não compareceu a nenhuma na qualidade de líder parlamentar. No seu lugar tem ido Adão Silva e Clara Marques Mendes, ou apenas um deles. Desde o início da legislatura, houve até agora cinco reuniões da conferência de líderes — duas desde que Rio assumiu o papel de líder da bancada.

Na reunião do dia 8 de novembro, dia em que o PSD realizava um Conselho Nacional em Bragança, quem foi em representação do PSD foi a deputada Clara Marques Mendes, enquanto na reunião do dia 20, onde foi agendada a discussão da Lei da Nacionalidade que viria depois a dar origem a uma polémica no partido Livre, foi Adão Silva quem falou em nome do PSD.

Ao que o Observador apurou, todo o caso relacionado com a recusa ou admissão do projeto de lei tardio do Livre sobre a Lei da Nacionalidade, que teve a mediação direta do presidente da Assembleia da República, foi tratado entre Ferro Rodrigues e os líderes parlamentares, tendo, no caso do PSD, o contacto sido feito via Adão Silva. Foi o que aconteceu numa primeira fase, quando a secretária da Mesa da Assembleia da República, Maria da Luz Rosinha, telefonou a Adão Silva dando conta de que o PCP já se tinha oposto a que o projeto de lei fora do prazo fosse admitido, tendo depois sido o próprio gabinete de Ferro Rodrigues a voltar a contactar o mesmo vice-presidente da bancada parlamentar social-democrata para apelar a um novo consenso visto que a deputada em questão, Joacine Katar Moreira, não estaria a par dos prazos estipulados para arrastamento de projetos de lei.

Entre os socialistas, que têm uma nova líder parlamentar nesta legislatura, também não tem sido sempre Ana Catarina Mendes a estar presente nas reuniões. Em cinco conferências de líderes, Ana Catarina Mendes compareceu a duas, fazendo-se representar nas restantes pelos ‘vices’ Pedro Delgado Alves e João Paulo Correia.