Em Freixo de Espada à Cinta, no distrito de Bragança, houve uma secção onde dos 26 militantes do caderno eleitoral, 25 votaram em Rui Rio — um não foi votar, Rio ganhou com 100% aquela secção. O que não foi votar, como o próprio confessou ao Observador, foi Paulo Oliveira que foi perentório: “Não estava em Freixo. Não votei“. Isto implica que as restantes 25 pessoas teriam de se deslocar à sede e colocar o voto na urna, o que não terá acontecido. O Observador detetou dois casos de pessoas que não saíram de casa e nem sequer deram indicações expressas para votar em Rui Rio, em quem foram contabilizados os votos. A candidatura de Luís Montenegro não tinha nenhum delegado naquela secção, logo não pôde verificar se os votos foram presenciais.
Questionado pelo Observador, Júlio Alves, um dos miltantes, explicou que não foi à sede devido a problemas de saúde, que enfrenta por causa de um AVC. “Tenho andado doente, então dei ordem ao Ricardo [Madeira] para pôr o risquinho onde ele quisesse. Sou PSD e não me importa quem é ou deixa de ser presidente”, explica o militante nº42.886. Passados alguns minutos, o Observador contactou uma outra militante: Laura Redondo, nº76.091, que estava exatamente a mesma situação.
Laura, que é mulher de Júlio, confirmou: “Não fomos à sede, não. Ele anda doente. Pedimos ao Ricardo para votar porque lhe custa muito a sair de casa”. E acrescentou: “O Ricardo disse que tratava e parece que este sábado [dia 18] é outra vez para fazer isso“. Foram dois votos que não foram expressos de acordo com o regulamento.
Ivo Quintas Palmeirão, o presidente da secção do PSD de Freixo de Espada à Cinta, disse ao Observador que “ninguém falou com ele” e remeteu os esclarecimentos para quem as pessoas disseram a quem confiaram o voto. “Eu fui votar normalmente, não faço ideia do que me está a dizer, nem estive na mesa sequer“, explicou o líder do PSD/Freixo de Espada à Cinta.
Já Ricardo Madeira, tesoureiro do PSD/Freixo de Espada à Cinta, que tinha sido apontado como o responsável por carregar os votos, nega estas irregularidades: “Já houve pessoas que me telefonaram [a dizer que um jornalista lhes tinha ligado]. Tenho ideia que as pessoas foram lá votar, porque é assim: eu sou mandatário do Rui Rio, agora é natural que estejam a descarregar alguma coisa a dizer que fui eu que os mandei lá. Eu apenas fiz campanha pelo Rui Rio, porque sou aqui o mandatário concelhio”.
Ricardo Madeira garante que “foram 25 votos que teve o dr. Rui Rio e foram essas as pessoas que foram lá votar”. Confrontado com o facto de três militantes terem dito o contrário (o que significa que pelo menos dois votaram à margem dos regulamentos, sem ir à sede), revelou: “Não pode. Enquanto lá estive presenciei que votaram, pelo menos umas 20 pessoas vi eu lá entrar. Não estive lá a tarde toda como deve compreender, mas enquanto lá estive, vi”. E explica: “Há gente aqui idosa, pode estar a fazer confusão com outra coisa. Como lhe disse, não estive lá a tarde toda, vi votar bastantes enquanto lá estive.”
O Observador contactou outros oito militantes da secção que confirmaram ter-se deslocado à sede. Um deles, Rui Estácio, disse que esteve lá “70% do tempo”, que o “filho militante também lá esteve” e que a única situação de que tem conhecimento é que Paulo Oliveira não votou porque “tinha ido para Coimbra nesse dia.”
De acordo com os dados disponibilizados pela secretaria-geral do PSD, Rui Rio teve 100% dos votos em Freixo de Espada a Cinta, num total de 25 votos. O secretário-geral adjunto, Hugo Carneiro, e o secretário-geral, José Silvano, têm defendido os atuais regulamentos como sendo à prova de ‘cacique’, mas neste caso não terá funcionado. José Silvano é, aliás, o dirigente atual do partido com maior ligação ao distrito de Bragança, círculo por onde foi sempre eleito até ser secretário-geral de Rui Rio.
A candidatura de Luís Montenegro não tinha nenhum delegado no local, logo não pôde verificar esta situação. Não fez queixa e, por isso, o Conselho de Jurisdição Nacional desconhece o caso de Freixo de Espada à Cinta. Noutros casos, como Alter do Chão (queixa de candidatura de Montenegro) e Amadora (queixa de candidatura de Rio) bastou haver problema com alguns votos para a jurisdição anular todos os votos.
Excluindo as secções com menos de 1o votantes, só houve dois casos em que um candidato teve 100% dos votos nas centenas de secções espalhadas pelo país: Freixo de Espada a Cinta (em que Rio teve 25 votos em 25 votantes) e Chamusca (em que Rio teve 32 votos em 32 votantes). A candidatura de Luís Montenegro também manifesta estranheza com a votação da Chamusca e está agora empenhada em conquistar votos naquela secção, onde também não tinha nenhum delegado.
Militantes de Seia ainda não receberam referências
Outro dos problemas registados nas diretas foi em Seia, em que 40 militantes se queixaram de não poder votar. O Conselho de Jurisdição decidiu que a sede nacional deveria ter enviado referências de multibanco para militantes em condições de votar. Alguns militantes daquela secção, como noticiou a agência Lusa no domingo, queixam-se de ter recebido as referências só no próprio dia da eleição e a maioria diz que nem sequer recebeu a referência.
Na altura, o militante José Figueiredo admitiu à Lusa fazer queixa ao Ministério Público: “Se não me enviarem [os elementos necessários] para poder votar na segunda volta, meto o PSD no Ministério Público e, depois, eles [os dirigentes nacionais] que se entendam, porque [o PSD] me negou o direito de militante de poder escolher o líder.” A militante Micaela Aguiar também admitia a possibilidade de recorrer ao tribunal caso seja “necessário”, por considerar o caso “inadmissível”.
Militantes do PSD de Seia impedidos de votar nas diretas admitem recorrer a tribunal
Há assim cerca 40 militantes que acreditam estar em condições de votar, mas, sabe o Observador, só 15 receberam a referência para o poderem fazer (na sexta-feira antes da votação). Desses 15, só conseguiram votar os que pagaram as quotas até às 11h00 da manhã, pois havia necessidade de fazer adendas aos cadernos eleitorais. Os que pagaram depois das 11h00, só podem votar agora na segunda volta.
Quanto aos restantes militantes (serão cerca de 25), ainda não tinham esta quinta-feira referências para poderem pagar as quotas. O Observador apurou que a secretaria-geral entende que a jurisdição só solicitou o envio das referências para os militantes em que nas cartas registadas (a comprovar que estão em condições de receber a referência e pagar quotas) se consegue ver claramente o carimbo dos correios. Isto porque nos casos em questão, a data do carimbo é diferente do registo nos CTT (acessível online, onde é possível verificar quando a carta foi enviada), Ou seja: a secretaria-geral estará ainda a apurar se a carta foi enviada dentro do prazo e só se tiver essa confirmação dos CTT é que envia a referência multibanco.
No último sábado, Rio ganhou naquela secção com 72 votos contra 60.
Alter do Chão e Amadora ficaram sem votos
A Jurisdição não teve contemplações: onde houve queixas, os votos não foram reconhecidos. Na totalidade, e não apenas os votos em que havia dúvidas. Um dos casos aconteceu na secção de Alter do Chão, no distrito de Portalegre, como o Observador noticiou na noite eleitoral. Diogo Cúmano, diretor de campanha de Montenegro naquele distrito, acusou o presidente da secção de Alter do Chão e apoiante de Rui Rio, Luís Cané, de ter introduzido na urna “três votos que lhe foram confiados por telefone”. De acordo com o diretor de campanha de Luís Montenegro, quando o seu delegado chegou ao local de voto, às 14h11, foi informado por Luís Cané e por um vereador do PSD local que já tinham votado oito pessoas, três delas por telefone e protestou.
Depois do protesto, acusou a candidatura de Montenegro na queixa enviada para a jurisdição, Luís Cané pegou na urna e pôs precocemente, logo ao início da tarde, fim à eleição. Não houve secção de voto aberta até às 20h00 e a Jurisdição anulou os votos.
Luís Cané responderia no domingo com uma publicação no Facebook que o próprio dizia ser “direcionada para os militantes e simpatizantes do PSD”. O presidente da secção de Alter do Chão admitia que fez os votos por telefone, pois havia apenas “10 militantes em condições de votar” e nem ele nem o outro elemento da mesa pretendiam estar “na assembleia de voto até às 20 horas”. Cinco votaram presencialmente, garante Cané, e outros três foi o próprio presidente da secção a colocar a cruz nos boletins e a introduzi-los na urna. O responsável diz que contou de “boa fé” aos apoiantes de Luís Montenegro o que tinha feito e que estes “estranharam que já tivessem votado oito pessoas” vinte minutos depois da abertura da urna e fizeram queixa à Jurisdição. Os votos foram todos anulados.
Na Amadora foi o local onde foram registados os primeiros problemas da noite eleitoral. O antigo presidente da concelhia do PSD/Lisboa e mandatário distrital de Rui Rio na capital, Paulo Ribeiro, denunciou à Jurisdição que o regulamento das diretas foi violado por “desde o início do ato eleitoral e até pouco depois das 15h” a Mesa ter admitido que “cidadãos votassem munidos apenas e só de cartão de militante como meio de identificação.” Na mesma queixa pode ler-se que “o delegado da candidatura de Rui Rio foi impedido de acompanhar o ato eleitoral junto à mesa de voto, por o presidente da Mesa em exercício entender, num primeiro momento, que a credencial de que este se fez acompanhar, devidamente emitida através da Plataforma Informática disponibilizada às candidaturas pela secretaria-geral, não estar autenticada, quando não se verifica qualquer disposição regulamentar que a tal obrigue”.
Depois disso, revelou Paulo Ribeiro, “foi admitida a presença do delegado na secção de voto, mas foi obrigado a ficar a uma distância tal da Mesa de voto que o impediu de fiscalizar o ato eleitoral de forma apropriada”. A queixa de Paulo Ribeiro dizia ainda que, na Amadora, estavam a “ser entregues cartões de militante à porta da secção de voto para que os cidadãos possam votar”, o que no entender do mandatário de Rio é mais uma violação dos estatutos. A Jurisdição acabou por não considerar os votos na noite eleitoral e suspendeu a publicação dos resultados. Entretanto, já foram revelados os resultados da Amadora, onde os resultados foram estes:
- Miguel Pinto Luz: 121 votos
- Luís Montenegro: 66 votos
- Rui Rio: 48 votos
Nas contas totais nacionais, com as secções e os votos entretanto reconhecidos, Luís Montenegro ficou 2409 votos atrás de Rui Rio.
Dois sorteios, dois boletins (só um é que conta)
Logo na noite eleitoral, na sede do partido, o secretário-geral adjunto Hugo Carneiro tentou contactar membros das duas candidaturas para fazer um sorteio que decidisse a ordem do boletim de voto na segunda volta. Na sede estava João Paulo Meireles, membro do Conselho Nacional de Jurisdição, que o secretário-geral adjunto solicitou que participasse como membro da candidatura de Montenegro (o diretor de campanha de Montenegro, aceitou).
Hugo Carneiro — que é apoiante de Rui Rio, mas não se envolveu na campanha por ser o responsável do processo eleitoral — não terá conseguido contactar o diretor de campanha Salvador Malheiro. Decidiram, no entanto, avançar com o sorteio, com um objetivo: acelerar o processo de impressão dos boletins. O sorteio foi então feito na presença de uma funcionária do PSD, de João Paulo Meireles e do próprio Hugo Carneiro e ditou que Luís Montenegro aparecia em primeiro lugar e Rui Rio em segundo no boletim de voto. João Paulo Meireles confirma ao Observador que foi assim que o sorteio se processou e que pensou que o boletim ia ter esta ordem.
Hugo Carneiro só terá conseguido contactar Salvador Malheiro no dia seguinte que, não duvidando da idoneidade do primeiro sorteio, exigiu que o sorteio fosse feito como foi na primeira volta e nas eleições anteriores: na presença de um membro de cada candidatura. Pedro Alves ainda questionou se o sorteio não tinha já sido feito, mas na segunda-feira deslocou-se até à sede para um segundo sorteio, com a presença de João Montenegro, pela candidatura de Rio, e de uma funcionária do partido. O resultado foi ao contrário: Rui Rio em primeiro, Luís Montenegro em segundo. A candidatura de Montenegro não terá gostado, mas na ata — à qual o Observador teve acesso — é possível constatar a assinatura de Pedro Alves, diretor de campanha de Montenegro, dando assim conta que estavam presentes um elemento do departamento jurídico, Vera Penedo, e Natércia Barreto, do secretariado. Os boletins acabaram por ser impressos de acordo com o segundo sorteio.