Os casos confirmados do novo coronavírus continuam a aumentar na China, ao mesmo tempo que o número de infetados fora do país se vai multiplicando. Na província de Hubein, onde fica Wuhan, epicentro da epidemia, os dados mais recentes divulgados pelas autoridades chinesas, neste sábado, falam em 13.742 casos confirmados. Mas os cientistas acreditam que o número real poderá ser bem maior e que pode mesmo continuar a crescer, sobretudo se não forem tomadas as medidas necessárias.
Dois estudos divulgados esta semana ajudam a perceber melhor a dimensão da epidemia em Wuhan. Um deles, realizado por especialistas da Faculdade de Medicina da Universidade de Hong Kong, faz uma estimativa do número real de infetados na zona da cidade e alerta para a necessidade de preparar “planos e intervenções de mitigação” para serem aplicados “rapidamente” e de forma global de forma a conter o vírus. O outro estudo, de um grupo de investigadores de vários institutos de Wuhan, olhou para os primeiros 99 doentes que deram entrada nos hospitais da localidade e traçou o perfil dos infetados, ao mesmo tempo esclarecendo o tratamento aplicado e a taxa provável de sobrevivência.
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Eis algumas perguntas às quais os dois trabalhos de investigação permitem responder:
Que pessoas é que foram infetadas com coronavírus de Wuhan?
O grupo de investigadores que estudou os 99 casos de coronavírus confirmados entre 1 e 20 de janeiro de 2020 em Wuhan, concluiu que o vírus afeta mais homens do que mulheres, em particular aqueles que já sofrem de algum tipo de problema de saúde, sobretudo doenças crónicas (51%, no grupo estudado), como cardiovasculares, cerebrovasculares, do sistema endócrino, digestivo, respiratório, nervoso ou têm tumores malignos. A média de idade dos doentes dos pacientes de 55,5 anos. Os homens mais velhos são as vítimas mais prováveis, segundo os dados recolhidos.
Das 99 pessoas infetadas em Wuhan, 49 tinham “um historial de exposição ao mercado de peixe de Huanan”, apontaram os investigadores no estudo, divulgado esta semana. Destes, “47 tinham um longo historial” — eram pescadores ou gerentes no mercado — e dois trabalham no mercado há pouco tempo como vendedores.
Quais são os primeiros sintomas mais recorrentes?
A grande maioria dos mesmos 99 doentes apresentava febre (83%) ou tosse (82%) e mais do que um sintoma (90%). Estes são os primeiros sintomas mais recorrentes, embora uma percentagem significativa (31%) dos indivíduos infetados com coronavírus que deram entrada no hospital entre 1 e 20 de janeiro sofresse também de falta de ar. Cerca de 10% dos doentes sentiam ainda dores musculares (11%), confusão (9%) e dores de cabeça (9%). Outros sintomas menos habituais do coronavírus incluíam dores de garganta, rinorreia (excesso de muco nasal), dores no peito, diarreia e náuseas e vómitos.
Exames de imagem (raio-x e TAC) permitiram perceber que a maioria dos doentes tinha desenvolvido pneumonia bilateral (75%), uma infeção grave que afeta os dois pulmões e que provoca dificuldades respiratórias. Uma pequena percentagem (17%) tinha síndrome do desconforto respiratório agudo, um tipo de insuficiência respiratória.
Que tratamento pode ser administrado? E durante quanto tempo?
A maioria dos pacientes (71%) recebeu antibiótico, e 45% foram tratados com uma terapia combinada. “Os antibióticos que foram geralmente usados trataram patologias comuns e algumas patologias atípicas; quando ocorreram infeções bacterianas secundárias, a medicação foi administrada de acordo com o tipo de cultura bacteriológica e a sensibilidade à medicação”, referiram no estudo os especialistas de vários centros de investigação em Wuhan, especificando que “os antibióticos usados foram cefalosporina, quinolona, carbapenema, tigeciclina contra [a bactéria] Staphylococcus aureus resistente à meticilina, linezolida e drogas antifúngicas.”
A duração do tratamento foi de três a 17 dias, numa média de cinco dias.
Um outro tipo de tratamento foi administrado por dois médicos tailandeses que, este domingo, anunciaram ter curado uma paciente com coronavírus com recurso uma mistura de medicamentos usada contra o VIH e um remédio antigripal. A doente, uma mulher de 71 anos que deu entrada num hospital a sudoeste de Banguecoque, foi transferida mais tarde com sintomas fortes para um outro estabelecimento médico na capital tailandesa.
Numa conferência de imprensa, os médicos Kriangsak Atipornvanich e Suebsai Kongsangdao, do hospital Rajavithi, indicaram que a mulher recuperou ao fim de 48 horas de ter sido iniciado o tratamento, composto por oseltamivir, um antigripal utilizado em pacientes afetados pelo síndrome respiratório do Médio Oriente (MERS), e dois medicamentos antirretrovirais usados conjuntamente contra o VIH: lopinavir e ritonavir. Estes tinham foram usados durante a crise do Síndrome Respiratório Agudo Grave (SARS), em 2003 e 2004.
Quais são as probabilidades de sobrevivência?
São mais os doentes que se salvam do que aqueles que acabam por morrer. Na informação disponibilizada no seu site, a Organização Mundial de Saúde (OMS) diz isso mesmo: “A doença raramente é fatal, e as pessoas com condições médicas anteriores (como diabetes ou doenças cardíacas) parecem ser mais vulneráveis”. Dos 99 doentes internados em Wuhan e estudados pelos investigadores da mesma localidade, 11 pioraram drasticamente num curto período de tempo, acabando por morrer por falência de órgãos.
As primeira vítimas mortais, dois homens de 61 e 69 anos, não tinham nenhuma doença crónica, mas eram fumadores. O primeiro morreu ao fim de 11 dias de internamento e o segundo ao fim de nove. Relativamente às restantes vítimas, oito tinham linfopenia (diminuição do número de linfócitos, células que desempenham importantes funções imunitárias, no sangue), sete tinham pneumonia bilateral, três tinham hipertensão e um era fumador. Cinco tinham mais de 60 anos.
Por outro lado, a 25 de janeiro, 31% dos pacientes tinham tido alta.
Quantas pessoas foram infetadas com coronavírus na área de Wuhan?
Os dados mais recentes divulgados pelas autoridades chinesas neste sábado, dia 1 de fevereiro, falam em 13.742 casos de coronavírus na província de Hubei, onde fica a cidade de Wuhan. O total será, contudo, bem superior. Segundo um estudo assinado por investigadores da Faculdade de Medicina da Universidade de Hong Kong, divulgado esta semana, desde 25 de janeiro de 2020, terão sido infetados 75.815 indivíduos na área de Wuhan, com cada doente a transmitir o vírus, em média, a 2,68 pessoas.
Várias centenas de outros indivíduos terão sido infetados a partir de Wuhan, com os investigadores a estimarem que as cidades de Chongqing, Beijing, Shangai, Guanzhou e Shenzhen “importaram” 461, 113, 98, 111 e 80 doentes, respetivamente. “Se a transmissibilidade do 2019-nCoV for semelhante em todos os lugares do país e ao longo do tempo, deduzimos que a epidemia já está a crescer exponencialmente nas maiores cidades da China com um atraso de uma a duas semanas relativamente a Wuhan”, referiram Joseph T. Wu, Kathy Leung e Gabriel M. Leung.
A situação em Wuhan pode estender-se a outras zonas da China?
Tendo em conta o mapa da doença, que já não se encontra circunscrita a Wuhan, os investigadores da Universidade de Hong Kong acreditam ser “provável” que outras grandes cidades chinesas se tornem epicentros de surtos localizados. Uma situação que se pode estender a localidades estrangeiras próximas da China, “a não ser que sejam imediatamente implementadas substanciais medidas de saúde pública”, apontam os médicos.
Mesmo com todas as precauções, “surtos independentes em grandes cidades podem tornar-se inevitáveis devido à exportação substancial de casos pré-sintomáticos e à ausência de medidas de saúde pública de grande dimensão, referem os especialistas, alertando que “planos e intervenções de mitigação devem ser preparadas para ser aplicadas rapidamente globalmente”.
[Pode ouvir aqui na íntegra a conferência de imprensa da ministra da Saúde, Marta Temido, sobre o que vai acontecer aos portugueses que chegaram da China]