António Costa está há cem dias em funções como primeiro-ministro num segundo mandato governativo e vê-se nesse papel durante mais uns bons anos, quem sabe outra legislatura, a terceira. Em entrevista ao Jornal de Notícias, o socialista não vê necessidade de discutir a sucessão no PS sequer em 2022, penúltimo ano deste mandato. Quanto aos quatro anos que tem pela frente, adia questões mais problemáticas (como a alta velocidade ou a regionalização) e refugia-se no mantra socialista sobre a justiça para contornar as questões mais atuais (Luanda Leaks).

Sobre a investigação à empresária angola, o primeiro-ministro espera que “as vicissitudes judiciais que atingem a engenheira Isabel dos Santos não tenham impacto na atividade económica das empresas de que é titular. Se as participações estão arrestadas haverá um administrador judicial que exerça os direitos próprios da titular”, argumentou para afastar a perceção de risco que o processo judicial possa fazer descer sobre empresas relevantes no tecido económico nacional. A empresária já anunciou a sua saída, por exemplo, da Efacec. Costa não nega terem existido contactos com Angola sobre o caso, esses contactos são “correntes e permanentes”, diz.

E questionado sobre a transposição da diretiva sobre a proteção de denunciantes para a legislação nacional, com referência direta ao caso de Rui Pinto, o pirata informático responsável pelas fugas de informação de casos como o dos e-mails do Benfica, ou este que envolve a filha do antigo presidente de Angola, António Costa diz que a legislação portuguesa “já tem várias medidas. Já valoriza significativamente a colaboração com a justiça, mesmo por parte de quem cometeu algum crime”.

O socialista disse também que “está constituído um grupo de trabalho, que tem um número de medidas significativa sem estudo, nomeadamente a que foi mal traduzida como delação premiada quando na verdade o que se trata é de valorizar a colaboração com a justiça, resolvendo alguns problemas técnicos e, em março ou abril, serão apresentadas conclusões”. Quanto ao hacker português que está detido, “a justiça dirá se Rui Pinto é um herói ou um criminoso”. O “à justiça o que é da justiça” a valer para este caso e para outro ainda.

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O caso Tancos e a preferência do juiz Carlos Alexandre em ouvir o primeiro-ministro presencialmente, Costa esclarece que está a ser ouvido como testemunha do ex-ministro Azeredo Lopes e não como arguido ou testemunha de acusação. E que tudo o que havia a esclarecer ficou devidamente esclarecido na comissão parlamentar” sobre o caso, disse quando questionado sobre as cem perguntas que já recebeu do juiz

Mandar candidatos à sucessão para dentro

As próximas legislativas — se não houver percalços que antecipem o calendário eleitoral — são em 2023 e António Costa deixa claro, ainda no início do seu segundo mandato, que ainda quer chegar a essa corrida. Na entrevista, o líder do PS manda para dentro eventuais interessados em ocupar o seu lugar no partido: “Não vejo nenhuma razão para a sucessão no PS começar a ser debatida em 2022”.

Questionado sobre se voltará a ser candidato a secretário-geral do PS ou se em 2022 o partido deve pensar na sucessão, Costa responde sem cerimónias para quem possa estar à espreita. “Estou de boa saúde pessoal e política” — no congresso de 2017 avisou que ainda não tinha “metido os papéis para a reforma”. Em 2015 levou a votos um “Compromisso para a década” e é nesse trilho que se mantém, ao dizer que apenas não se vê nas funções que hoje ocupa em 2030. Antes disso, não fala em afastar-se. “Se me pergunta se antevejo manter-me nestas funções em 2030, creio que será bastante improvável”, deixa ficar na entrevista. Isto imediatamente antes de dizer que essas “discussões são manifestamente prematuras”. Mas o seu calendário mental está traçado.

Sobre possíveis sucessores, garante que a sua “única preocupação” é deixar preparados quadros que possam assumir a liderança. “Depois depende deles próprios, da sua vontade, da sua capacidade de terem ou não a ‘estrelinha‘”.

Nem esse será o tempo para avançar com essa discussão, nem o tempo atual é o momento para o PS dizer o que fará nas presidenciais de 2021: “Nem sabemos se o atual Presidente é candidato”. Diz que a socialista Ana Gomes já não é uma questão porque não quer candidatar-se — o que não aconteceu, já que a ex-eurodeputada só disse que António Costa jamais o permitiria” — e que o “sentimento é de aprovação clara do mandato do Presidente da República, há um desejo de recandidatura, e diria que há 99% de possibilidades do atual presidente, apresentando-se como candidato, vir a ser reeleito”. Já o PS, “vai pronunciar-se quando houver candidatos no terreno”.

Alta velocidade a debater para fazer só para lá de 2027

Há dois temas em que Costa pede “bom senso”. Um deles é a regionalização em que diz que ainda há um caminho a percorrer para reforçar a confiança do país nesse processo” e que não quer criar “conflitos institucionais”, quando sabe que o Presidente da República que foi, no passado, “o grande inimigo da regionalização”.

Outro tema atirado para a frente é a alta velocidade em Portugal. “A discussão deve ser feita com condições políticas adequadas” e no quadro financeiro que está a ser negociado em Bruxelas ainda não “haverá dotação financeira para este investimento”. Por isso, o primeiro-ministro atira para o próximo quadro, a partir de 2027. “Ao longo destes sete anos temos de fazer esse debate, tomar decisões, definir um traçado para que o outro quadro comunitário possa ter essa dotação”.