O presidente da China, Xi Jinping, reconheceu a gravidade do surto de coronavírus que surgiu na cidade chinesa de Wuhan pelo menos duas semanas antes da sua primeira intervenção pública sobre o assunto, de acordo com um discurso interno divulgado este fim de semana pela imprensa estatal chinesa.

Muito criticado pela resposta tardia ao surto — e sobretudo por ter tentado controlar o discurso sobre a infeção nas primeiras semanas —, o Governo chinês está agora a tentar controlar a narrativa em seu favor ao divulgar a intervenção de Xi numa reunião do órgão máximo do Partido Comunista Chinês que ocorreu a 3 de fevereiro.

O governo chinês pretende assim rejeitar a ideia de que Xi apenas se envolveu no combate ao surto de coronavírus no final de janeiro, altura em que falou pela primeira vez sobre o assunto. Porém, ao mesmo tempo, reconhece que o Presidente chinês já sabia da gravidade do surto numa altura em que, na cidade de Wuhan, as autoridades ainda desvalorizavam a infeção.

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De acordo com uma tradução do The New York Times, no discurso proferido perante os membros do comité central do Partido Comunista, Xi Jinping disse ter “emitido ordens relativamente aos esforços para evitar e controlar” o surto no dia 7 de janeiro de 2020, numa outra reunião do comité central do partido.

Porém, o relato oficial dessa reunião de 7 de janeiro, divulgado na altura pela agência estatal chinesa, não inclui nenhuma referência a discussões sobre a epidemia.

Até aqui, a primeira intervenção conhecida de Xi Jinping sobre o surto de coronavírus era datada de 20 de janeiro, dia em que foram publicadas instruções assinadas pelo próprio presidente sobre como o surto devia ser controlado. A primeira intervenção do presidente chinês aconteceu já depois do início da quarentena da cidade Wuhan, decretada a 23 de janeiro.

O facto de Xi Jinping apenas se ter pronunciado no final de janeiro, mais de um mês depois do início do surto, tem sido alvo de críticas por parte da comunidade internacional — sobretudo depois da divulgação de informações sobre o silenciamento a que foi sujeito um médico do hospital de Wuhan que tentou alertar as autoridades, ainda no início de dezembro, para a gravidade do surto. O médico viria a morrer, vítima da infeção pelo coronavírus.

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O discurso proferido a 3 de fevereiro por Xi Jinping parece contrariar esta tese. O Presidente da China terá dito que monitorizou “a cada momento” a evolução da epidemia “emitindo ordens e instruções constantemente”, lê-se na transcrição do referido discurso.

Mais do que tranquilizar a comunidade internacional sobre os esforços do governo chinês para combater e controlar o surto, a divulgação do discurso de Xi Jinping está a deixar dúvidas sobre a quantidade de informação sobre o coronavírus que a liderança do país tem e não partilhou — e quando começou, efetivamente, a agir.

O surto de coronavírus já matou 1.670 pessoas, incluindo cinco pessoas fora da China continental — em França, Taiwan, Japão, Filipinas e Hong Kong. Perto de 70 mil pessoas já foram infetadas com o vírus em mais de duas dezenas de países.