Investigadores da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC) desenvolveram, pela primeira vez, floculantes naturais a partir de resíduos da madeira de eucalipto para tratamento de águas residuais, foi esta segunda-feira anunciado.
“A floculação é uma etapa essencial no tratamento tradicional de efluentes, muito utilizada nas estações de tratamento de águas residuais (ETAR)” de origem doméstica ou industrial, mas continua a ser promovida por floculantes de origem fóssil (petrolóifera) – “os mais comuns à base de poliacrilamidas” –, afirma a Universidade de Coimbra (UC), numa nota enviada esta segunda-feira à agência Lusa.
A coagulação consiste na “agregação de pequenas partículas, formando flocos (aglomerados de partículas) que permitem depois a remoção de contaminantes”.
Além de não serem biodegradáveis, os floculantes tradicionais “apresentam várias desvantagens, tornando premente a procura de abordagens ecológicas para o desenvolvimento de novos floculantes existentes na natureza, sobretudo com base em subprodutos naturais”.
Considerando a quantidade de resíduos de eucalipto que é produzida, em resultado da atividade da indústria da pasta do papel em Portugal, a equipa de investigadores, liderada por Graça Rasteiro, do Departamento de Engenharia Química da FCTUC, decidiu apostar neste subproduto.
A investigação foi realizada no âmbito do projeto europeu ECOFLOC, na tipologia de doutoramento em ambiente empresarial europeu (Marie Curie – People), e envolveu também a Universidade de Leeds (Reino Unido) e uma empresa suíça especializada em reciclagem e tratamento de águas residuais.
“A partir da transformação de materiais extraídos dos resíduos de eucalipto, os investigadores desenvolveram um conjunto de “eco-floculantes” de base celulósica com diferentes características que se ajustassem a diferentes aplicações”, explica a UC.
“A nossa abordagem ‘ecofriendly’ consistiu em purificar e modificar estes resíduos lenhocelulósicos para produzir polieletrólitos (polímeros com carga) de base natural que promovessem a floculação”, relata Graça Rasteiro.
Foi um processo complexo, desde logo porque a celulose não é solúvel, o que é um grande obstáculo, porque os polieletrólitos têm de ser solúveis para atuarem como floculantes. Portanto, tivemos de efetuar extrações da matéria-prima inicial que otimizámos para serem o mais brandas possível e várias modificações para que o produto final fosse solúvel”, acrescenta, citada pela UC, a investigadora.
Superado este primeiro desafio, a equipa, que teve também como investigador José Gamelas, do Centro de Investigação em Engenharia dos Processos Químicos e dos Produtos da Floresta (CIEPQPF), desenvolveu uma gama alargada de floculantes naturais, biodegradáveis, apropriados para diferentes aplicações para além do tratamento de efluentes (o foco do projeto), como, por exemplo, na indústria de cosmética ou alimentar.
Os produtos obtidos foram extensivamente caracterizados quanto à sua composição química, estrutura e morfologia.
De seguida, os “eco-floculantes” foram testados com sucesso, primeiro em efluentes modelo e posteriormente em efluentes reais fornecidos por uma indústria têxtil (Rosários 4) de Mira de Aire”, e “tal como pretendido, permitiram aumentar a remoção de cor e da turbidez”.
“Comparando com o uso de poliacrilamidas comerciais, os desempenhos obtidos usando os floculantes de base natural foram tão bons ou melhores que os tradicionais. Além disso, conseguimos diminuir até 80% a carência química de oxigénio dos efluentes”, descreve Graça Rasteiro. Este resultado “representa um grande avanço em relação aos floculantes tradicionais (de origem fóssil)”, destaca.
“Realizámos também testes em efluentes oleosos, provenientes de lagares de azeite, e os primeiros resultados são promissores. De salientar que ambos os efluentes (corantes e oleosos) são muito difíceis de tratar”, sublinha ainda a coordenadora do projeto.
A carência química de oxigénio é um parâmetro que permite avaliar se o efluente tratado reúne as condições necessárias para ser reutilizado ou escoado para meios aquáticos.
Perante os bons resultados obtidos com os resíduos da madeira do eucalipto, os investigadores decidiram estender a investigação a madeira de espécies invasoras, designadamente a madeira de acácia-mimosa, no âmbito de um outro projeto, intitulado MATIS.
Os floculantes desenvolvidos estão agora a ser testados.
Apesar de ainda não ter realizado um estudo económico, a docente e investigadora da FCTUC acredita que os resultados deste projeto “podem ter impactos muito positivos, já que é uma abordagem ecológica não só para tratamento de efluentes, como também para aplicação em diferentes setores de atividade”.
“Estes floculantes baseados em celulose mostraram ser alternativas muito promissoras aos tradicionais agentes de base petrolífera”. Se a indústria assim desejar, os “eco-floculantes” poderão entrar no mercado num período relativamente curto depois de passarem por testes à escala piloto.