O local escolhido para dar início às comemorações do centenário do partido estava, como seria de esperar, carregado de simbolismo. Em outubro de 1974, o PCP fazia no pavilhão dos Desportos — agora pavilhão Carlos Lopes —, aquele que era o seu primeiro congresso após o 25 de abril. Volta menos de 46 anos depois para evocar a história do partido e recordar algumas das suas figuras mais importantes, de Bento Gonçalves ao muito ovacionado e sempre presente Álvaro Cunhal.

Com o pavilhão iluminado em tons de vermelho — e as laterais do palco com rasgos de verde — os milhares de militantes foram chegando às imediações do Parque Eduardo VII, em Lisboa, em autocarros ou boleias organizadas prontos para participar na abertura das comemorações do partido. À entrada, ignorando os recados das autoridades de saúde, cumprimentavam-se efusivamente, sem deixar os beijinhos ou os apertos de mão para épocas de não contenção. Mais tarde, seria Jerónimo de Sousa a justificar alguma da tosse que lhe ocupou o tempo de discurso: “É uma mera tosse,  não se preocupem”. Esta noite não havia tempo a dedicar ao coronavírus, pelo menos entre os comunistas, militantes de um partido “que não se deixou nem deixa intimidar”, no contexto político claro está.

“Um partido que aqui continua de pé, determinado, confiante e combativo a olhar e a caminhar para a frente, consciente dos perigos e dos tempos difíceis que se apresentam, mas não perdendo de vista a linha do horizonte”, dizia Jerónimo de Sousa durante a intervenção.

E numa altura em que o partido já prepara as Teses para o Congresso de novembro, Jerónimo continua a tentar recuperar eventuais danos deixados pela “geringonça” da anterior legislatura. Chama para o PCP as “conquistas alcançadas” durante esse acordo de governação e não se inibe de criticar o Partido Socialista.

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“Com o nosso importante e decisivo contributo foi possível, nos últimos quatro anos, travar o rumo de desastre nacional que vinha sendo imposto, defendendo, repondo e conquistando direitos que foram a verdadeira base do crescimento económico, da criação de emprego e aumentar as receitas fiscais e da Segurança Social”, afirmou o secretário-geral do PCP, que ainda deixou um recado sobre o tema da sua sucessão: não quer os militantes em “lutas fratricidas para decidir quem é o chefe”.

Estamos a falar da concretização da ampla democracia no funcionamento do Partido, em que todos os seus militantes são chamados, não a escolherem uma trincheira em lutas fratricidas para decidir quem é o chefe, mas a dar a sua opinião e o seu contributo para a definição da orientação do Partido para os próximos anos”, disse.

A nova configuração partidária na Assembleia da República também não escapou ao discurso do secretário-geral do PCP, sobre a entrada dos novos partidos para as bancadas da direita. Jerónimo de Sousa afirma que, no que diz respeito aos direitos do trabalho e dos trabalhadores, o PS tem uma “assumida convergência nos seus eixos essenciais com o PSD, o CDS e agora também com os peões de brega do Chega e do Iniciativa Liberal”. E enquanto se ouvem assobios e apupos na sala aos partidos que fizeram a sua estreia parlamentar este ano, Jerónimo responde com a estratégia: “Camaradas, como eles são, não vale a pena assobiar nem gritar, é desmascarar”.

Sobre a atualidade, o secretário-geral dos comunistas não desperdiçou mais uma oportunidade para marcar a oposição do partido ao aeroporto do Montijo: “O Governo cede por inteiro aos interesses da multinacional Vinci, insistindo na Base Aérea do Montijo e a manutenção da Portela em detrimento de uma solução de futuro, no Campo de Tiro de Alcochete”. Jerónimo responde a António Costa, que tem acusado os partidos de serem “forças de bloqueio ao progresso”, com o “generalizado consenso que o Campo de Tiro de Alcochete tinha e que foi quebrado com a privatização da ANA”.

Da vida interna do partido algumas novidades também por ocasião do centésimo aniversário: o PCP irá lançar um “um amplo programa de reforço do partido no plano de direção, dos quadros, da formação política e ideológica e dos princípios do seu funcionamento orgânico, da estruturação e da organização, do recrutamento de novos militantes, da difusão da imprensa partidária, dos meios de propaganda e comunicação e do aprofundamento da sua ligação às massas”; lançar “uma campanha nacional de fundos” e aumentar as “quotizações e o seu pagamento regular”; criar “100 novas células e responsabilizar 100 novos quadros nessas tarefas”.

Quanto aos grandes momentos e eventos ao longo dos dois anos de comemoração do centenário do partido, o PCP tem agendado um comício no Campo Pequeno a 6 de março de 2021, dia em que passam exatamente 100 anos desde a fundação do partido. Prevê também editar um livro, produzir um documentário — que será apresentado na festa do Avante! já este ano — e comemorar ainda o 70º aniversário do julgamento de Álvaro Cunhal e o 60.º aniversário da fuga de Caxias. O Congresso deste ano, que se realiza em novembro, já servirá para assinalar os 100 anos do Partido Comunista Português.