O Conselho Superior da Magistratura (CSM) e a Ordem dos Advogados (AO) deram parecer desfavorável ao projeto de lei do Chega que pretende “aumentar consideravelmente as penas de prisão” para os condenados por incêndio florestal.
O projeto apresentado pelo deputado único, André Ventura, foi entregue na Assembleia da República em 7 de janeiro e dois dias depois baixou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que pediu, em fevereiro, pareceres ao Conselho Superior do Ministério Público, à Ordem dos Advogados e ao Conselho Superior da Magistratura.
Apesar de o primeiro ainda não estar disponível, os outros dois já podem ser consultados no site do parlamento.
O projeto de lei do Chega prevê uma alteração do Código Penal “agravando as molduras penais aplicáveis” e “consagrando a possibilidade de substituição da indemnização a pagar ao Estado” e outros lesados por “trabalho comunitário em prol da reflorestação da área ardida e/ou da reconstrução do património destruído”.
O parecer do CSM defende que o artigo que prevê como punição “trabalhar sem quaisquer contrapartidas para a reflorestação da área ardida” corresponde a “uma verdadeira pena de trabalhos forçados”.
Na ótica daquele órgão, é “dogmaticamente incorreta a criação de uma pena acessória que mais não visa do que regular um dos efeitos da condenação, que o legislador quis afastar de forma expressa do âmbito do direito penal” ao prever “que a indemnização por perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”.
Por isso, defende, “deve ser ponderado o afastamento da possibilidade de criação de pena acessória“.
As molduras penais propostas pelo Chega, continua o CSM, “não respeitam o princípio da proporcionalidade e bem assim a hierarquia de valores definida no elenco dos direitos, liberdades e garantias, por contraposição aos direitos económicos, sociais e culturais regulados na Constituição da República Portuguesa”.
“A exposição de motivos é insuficiente para justificar o agravamento proposto das molduras penais”, argumenta o CSM.
No que toca à fixação de uma pena de dois a cinco anos de prisão para “quem dificultar a extinção” de um incêndios, o CSM critica que a “fixação do limite mínimo da moldura penal mais próximo do limite máximo” reduz “o espaço de determinação concreta da pena por parte do aplicador”.
Também o parecer da Ordem dos Advogados salienta que o diploma apresentado por André Ventura “merece várias objeções”, bem como “o parecer desfavorável” desta entidade.
Na ótica da OA, este agravamento proposto pelo deputado não se justifica, uma vez que o Código Penal “foi objeto de alterações recentes” e porque “não se vislumbra qualquer razão político-criminal que justifique” essa medida.
Não é por se agravar os limites mínimos e máximos das molduras penais da forma que se pretende, e que se entender ser deveras desproporcional, que tal vai influir no maior ou menor número de ocorrências de incêndios florestais”, argumenta a ordem.
A Ordem dos Advogados defende ainda que a aplicação da sanção de trabalho a favor da comunidade “ofende os mais elementares princípios gerais de aplicação das penas, com respaldo constitucional, designadamente o princípio segundo o qual a aplicação de uma pena não poderá envolver em caso algum e como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos”.
Com esta iniciativa legislativa, o parlamentar propõe uma alteração ao “artigo 274.º do Código Penal, aumentando para um mínimo de 10 anos e um máximo de 20 anos a pena de prisão” aplicável àqueles revelem “especial perversidade ou indiferença perante os bens jurídicos ameaçados”.
Este projeto de lei “defende ainda a possibilidade de trabalho obrigatório em caso de impossibilidade de o sujeito condenado” pagar as indemnizações determinadas judicialmente, ou seja, “trabalhar sem quaisquer contrapartidas para a reflorestação da área ardida e/ou reconstrução do património destruído”.
No projeto de lei, o parlamentar do Chega defende, igualmente, a punição, “com uma pena de prisão de dois a dez anos” para quem impedir o combate aos incêndios, e entre “os dois e os cinco anos de prisão” para quem o dificultar.
No final de fevereiro, o Chega viu um projeto de lei ser rejeitado para discussão em plenário por ter sido considerado inconstitucional, nomeadamente o diploma que prevista a introdução da castração química como pena para a abusadores sexuais.