Este sábado, 21 de março, 20 dias depois da primeira confirmação de casos de infeção com o novo vírus SARS-CoV-2 em Portugal, a Direção Geral de Saúde publicou orientações e diretrizes para hospitais e profissionais de saúde portugueses sobre o modo concertado como os profissionais devem lidar com a pandemia do novo coronavírus em Portugal, mediante “exposição” à Covid-19.

No documento vem uma recomendação em particular: os profissionais de saúde — médicos, enfermeiros e outros técnicos com funções distintas em unidades hospitalares — que tenham estado expostos a doentes infetados com o novo coronavírus mesmo sem máscara e outros equipamentos de proteção devem continuar a trabalhar, fazendo “vigilância passiva” e fazendo “auto monitorização” para perceber se têm sintomas.

A DGS recomenda utilização de máscara, mas…

O documento, que aparece assinado pela diretora-geral de Saúde, Graça Freitas, com a data de 21/03/2020, começa com uma breve de nota de enquadramento. Nesta nota, há muito reclamada por médicos, enfermeiros e hospitais para concertar mais firmemente procedimentos, é vincado que “os profissionais de saúde estão na linha da frente da prestação de cuidados a doentes com Covid-19”, pelo que “têm um maior risco de exposição profissional ao coronavírus SARS-CoV-2”.

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É também mencionado logo no enquadramento que “o risco de exposição profissional” ao vírus “deve ser minimizado pela adoção de todas as recomendações de prevenção e controlo de infeção”, que “a identificação precoce de sintomas nos profissionais de saúde” é decisiva e que estas linhas gerais de orientação podem ser atualizadas “a qualquer momento”, considerando “a evolução do quadro epidemiológico da Covid-19 em Portugal”.

Nos procedimentos a adotar sugeridos pela DGS aos profissionais de saúde, estão medidas preventivas como “a higiene das mãos” e “a utilização de máscara cirúrgica (ou o Equipamento de Proteção Individual adequado para a atividade clínica)”. A ausência de material de proteção individual suficiente, desde logo as máscaras faciais, tem sido uma das queixas recorrentes de profissionais de saúde. A 15 de março, alguns profissionais de saúde no terreno reclamavam já das autoridades superiores “melhores orientações” e “reforço dos equipamentos de proteção”.

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As orientações publicadas este sábado pela DGS incluem ainda a sugestão de “auto monitorização” diária por parte dos profissionais de saúde. O documento refere: “Os profissionais de saúde devem realizar auto monitorização diariamente por forma a identificar precocemente sintomas sugestivos de Covid-19“. Esta auto monitorização recomendada passa pela “medicação da temperatura timpânica e respetivo registo” e pela “confirmação da ausência de sintomas de Covid-19”.

Se durante a auto monitorização forem detetados sinais e sintomas de Covid-19, o profissional de saúde será considerado Caso Suspeito e deverá dirigir-se para a sala/área de isolamento adstrita à respetiva Unidade/Serviço do Hospital, de acordo com o Plano de Contingência Interno. Na sala/área de isolamento, é efetuada a colheita de amostra para diagnóstico laboratorial de Covid-19″, refere a nota.

Profissionais expostos a doentes e sem máscara não deixarão todos de trabalhar

A Direção Geral de Saúde elenca ainda o que o que considera “um alto risco de exposição” e “um baixo risco de exposição” no caso dos profissionais de saúde.

  • Contacto próximo de alto risco: “Um profissional de saúde é considerado contacto próximo de alto risco quando tenha exposição associada a cuidados de saúde, na qual se inclui a prestação direta desprotegida de cuidados a casos confirmados de Covid-19 (isto é, sem uso de EPI adequado à atividade assistencial respetiva) ou contacto, através das mucosas, com fluidos orgânicos de doente infetado com SARS-CoV-2 ou contacto desprotegido em ambiente laboratorial com amostras biológicas de SARS-CoV-2.
  • Contacto próximo de baixo risco: “Considera-se que o profissional de saúde é contacto próximo de baixo risco quando tenha exposição a doente com Covid-19 sem prestação de cuidados diretos e sem uso de EPI.”

Ou seja: se um profissional de saúde tiver estado exposto a um doente de Covid-19 “sem uso de Equipamento de Proteção Individual”, mas também “sem prestação de cuidados diretos” é considerado “de baixo risco” de exposição ao vírus. Neste caso, refere a DGS, o profissional de saúde deve ser alvo apenas de “vigilância passiva, durante 14 dias desde a data da última exposição”. Estes profissionais expostos a doentes infetados, mas que não tenham assegurado “prestação de cuidados diretos, não têm “restrição para o trabalho”, devendo apenas “proceder à auto monitorização com medição da temperatura corporal, duas vezes por dia, e estar atentos para o surgimento de sintomas”. Além disso, poderão vir a ter de fazer todas as suas tarefas durante 14 dias com equipamento de proteção individual, que inclui máscara facial.

O mesmo já não acontece com profissionais de saúde que tenham assegurado “prestação direta desprotegida de cuidados a casos confirmados de Covid-19” ou que tenham tido “contacto através das mucosas, com fluidos orgânicos de doente infetado com SARS-CoV-2” ou “contacto desprotegido em ambiente laboratorial com amostras biológicas de SARS-CoV-2”. Nestes casos, “devem ser ativados os procedimentos de vigilância ativa, durante 14 dias desde a data da última exposição, pela autoridade de saúde local” e os profissionais “ficam em isolamento profilático, com restrição para o trabalho”. Só se tiverem sintomas, contudo, serão “efetuados exames laboratoriais” para despiste.

O “fluxograma” da DGS: profissionais de saúde com o que a autoridade de saúde considera “baixo risco de exposição” devem apenas fazer “vigilância passiva”

A Direção Geral de Saúde recomenda ainda que se limite “ao mínimo possível” o número de profissionais de saúde “expostos a doentes com Covid-19”. Sempre que for “exequível”, segundo a autoridade de saúde, “deve-se privilegiar a afetação de equipas dedicadas à prestação de cuidados a estes doentes”, para que o núcleo de profissionais com exposição ao vírus seja menor. Esta medida, tal como a recomendação para que profissionais expostos mas que não tenham prestado diretamente cuidados a doentes de Covid-19 continuem a trabalhar, resulta também da quantidade de profissionais de saúde que serão necessários para responder à propagação da pandemia nos próximos dias e nas próximas semanas.

Sindicato dos Enfermeiros exige material de proteção “para todos os enfermeiros”

Confrontada pelo Observador sobre as orientações da Direção Geral de Saúde relativamente a profissionais de saúde que tenham estado expostos “sem Equipamento de Proteção Individual” a doentes com Covid-19, Guadalupe Simões, da Direção do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, vincou uma reclamação: “O que estamos a exigir é material de proteção para todos os enfermeiros”.

É preciso perceber o que se entende por prestação de cuidados diretos. Os enfermeiros prestam cuidados no âmbito de variadíssimas intervenções. Poderá haver casos de menor risco, mas estão sujeitos ao risco”, lembrou Guadalupe Simões.

A dirigente sindical sublinhou ainda que “no que diz respeito aos enfermeiros raramente acontece” não haver prestação de cuidados de saúde. “A não ser que estejam em lugares de chefia ou em algumas comissões”, apontou, lembrando porém que “neste momento está toda a gente mobilizada para a prestação de cuidados”.

Relativamente à recomendação da DGS para que se afetem equipas específicas de profissionais de saúde para tratar doentes com Covid-19 expondo um menor número de profissionais ao risco de infeção, e questionada sobre se isso não poderá levar à exaustão e agravamento agudo dos riscos para os profissionais “afetos” à doença, a dirigente do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses apontou: “Percebemos essa medida na medida em que estão a ser criados variadíssimos serviços de atendimento e prestação de cuidados a doentes infetados”, para garantir que se mantêm profissionais “na linha da frente” mediante infeções de médicos e enfermeiros.

Mas o que está a acontecer é: primeiro, imposição a profissionais que ficam nessas áreas [afetas à Covid-19]; depois, imposição de alargamento de horários, porque ao invés das 8 horas estão a ser impostos turnos de 12 horas”, denunciou.

Com horários mais alargados para as equipas de médicos e enfermeiros, “o risco e a possibilidade de erro é maior, não só pelo cansaço mas pela situação de maior stress que existe. Se a possibilidade de erro na prestação de cuidados aumenta, também aumenta a possibilidade de erro nas medidas de segurança que os próprios profissionais têm de ter para se salvaguardar o máximo possível e salvaguardar os outros”.

Percebendo a medida de tentar afetar equipas mais concentradas à resposta ao vírus, Guadalupe Simões alerta: “Corre o risco de fazer com que se mantenha os mesmos enfermeiros a situações de risco constante”. O que o Sindicato não quer é “profissionais doentes a trabalhar”, que se chegue “a esta situação em Portugal como se viu noutros locais”.

Para a dirigente sindical, há um problema no número de enfermeiros que podem ser contratados para responder à pandemia: “Não temos um número de enfermeiros que possam estar no desemprego, mas sabemos que se permitiu que muitos saíssem de Portugal e fossem trabalhar para outros países devido às más condições de trabalho que tinham aqui”.

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Guadalupe Simões reconhece, no entanto, que “de acordo com uma reunião que tivemos com o secretário de Estado da Saúde, as instituições têm o poder de contratar o número de enfermeiros que considerem necessários para enfrentar o que está a acontecer. O que se espera é que face à previsibilidade do aumento do número de casos, sejam contratados de imediato enfermeiros que possam fazer face a este aumento do número de pessoas infetadas. As contratações não podem ser feitas diariamente ou semanalmente, isso é má gestão, o que esperamos é que se trabalhe com previsibilidade mediante os cenários e projeções que a DGS faz. As instituições têm de ser o mais responsáveis possível”.