Os Países Baixos são o mais frontal opositor à proposta de emissão de dívida conjunta europeia para responder ao coronavírus – tendo-se, até, gerado uma disputa pública sobre isso entre António Costa e o primeiro-ministro e ministro das Finanças holandeses. Mas as autoridades do país também divergem da maior parte da Europa na forma como estão a responder à ameaça contra a saúde pública: não lançaram um lockdown rígido, tentando gerir de forma controlada a propagação do vírus e, dessa forma, procurar criar uma “imunidade de grupo” ao mesmo tempo que se tomam medidas para proteger os mais idosos e as pessoas com doenças prévias que as coloquem em maior risco. Até agora, os resultados não parecem ser muito satisfatórios.

A estratégia é comparável à que foi seguida no Reino Unido, inicialmente, mas que acabou por ser abandonada pelo executivo liderado por Boris Johnson (entretanto infetado com Covid-19), à medida que os números de mortes e infetados aceleravam. A 16 de março, num discurso ao país, o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, explicou que a melhor forma de abordar este problema seria deixar que os holandeses tivessem exposição ao vírus a um ritmo relativamente controlado – com algumas medidas de reforço da higiene, distanciamento social e proteção dos mais vulneráveis, mas recusando o fecho quase total dos espaços e serviços públicos por que optaram a maior parte dos países europeus.

A ideia é deixar que uma parte cada vez maior da população tenha contacto com o vírus, podendo ficar doente (com mais ou menos sintomas) mas, idealmente, produzindo anti-corpos que, em teoria, a deixam imune dali para a frente. Este fenómeno conhecido como “imunidade de grupo” precisa, em teoria, que entre 60% e 70% das pessoas numa dada comunidade ou país já tenham adquirido as imunidades – a partir desse nível, teoricamente, reduz-se drasticamente o risco de novas vagas repentinas de contágio. O risco dessa estratégia é que muitos milhares de pessoas adoeçam ao mesmo tempo e precisem de cuidados hospitalares que coloquem em causa a resposta que o sistema de saúde consegue dar.

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“Enquanto esperamos por uma vacina ou terapêutica eficaz, podemos abrandar a propagação do vírus ao mesmo tempo que construímos uma imunidade de grupo de forma controlada“, garantiu o primeiro-ministro no texto que leu à nação que desde o início deste ano se designa por Países Baixos, substituindo gradualmente o nome de Holanda. Rutte deixou claro que não acredita em “fecho total” das atividades porque isso não dá quaisquer garantias de que, uma vez passado o pico, os surtos não voltem a acelerar (porque, na verdade, a população não teve oportunidade para desenvolver uma resposta imunitária).

As escolas e os restaurantes acabaram, porém, por serem quase todos encerrados – embora tenha ficado claro que o governo hesitou antes de tomar essa medida. As famosas coffeeshops continuam abertas, mas só vendem as drogas leves para consumo em casa. Foi pedido às pessoas que trabalhem a partir de casa, se puderem, mas não existem regras de confinamento obrigatório: pede-se às pessoas que tenham cuidados de higiene redobrados mas ninguém as impede de passear pelos parques, de praticar desportos coletivos. Nem há limitações aos movimentos das pessoas para longe da sua área de residência, como existem em vários países, como Portugal.

As famosas coffeeshops continuam abertas mas só vendem as drogas leves para consumo em casa.

Mas, afinal, como está a funcionar a estratégia?

A estratégia holandesa para a resposta ao coronavírus tem sido afinada de forma gradual, com o governo a aceder lentamente a tomar novas medidas de contenção (como o fecho das escolas), mas a abordagem de construção de “imunidade de grupo” continua a nortear a intervenção das autoridades. E está a funcionar?

Os dados não são especialmente animadores. Segundo as informações oficiais, na sexta-feira (27 de março) havia cerca de 8.600 casos confirmados, com 546 mortes no total. Recorde-se que a população holandesa ronda as 17 milhões de pessoas, mais 70% do que em Portugal (que tinha, até este sábado, 100 mortos).

O rácio entre casos confirmados e número de mortes é de 6,3%, que compara com menos de 1% na vizinha Alemanha, que tem uma população mais envelhecida – embora tenha que se considerar que a Alemanha está a fazer testagem muito mais generalizada do que os Países Baixos, o que é determinante para a formação desse rácio (que, em Portugal, rondava na sexta-feira os 1,8%).

E nos Países Baixos, entre essas 546 vítimas mortais, 112 aconteceram nas 24 horas entre quinta-feira e sexta-feira, o que parece sinalizar uma aceleração do número de mortes. Havia, também, 761 doentes em situação crítica ou grave, com vários milhares hospitalizados, um número que continua a subir e que a dada altura pode ameaçar o sistema de saúde comparativamente bem organizado e equipado que existe na Holanda.

Ainda assim, o governo não tem dado mais sinais de poder mudar de rumo, insistindo que será capaz de gerir o pico da pandemia e regressar mais rapidamente do que os outros países à normalidade.