Aos 45 anos, Guilherme Peixoto é um homem de dois ofícios. Um padre DJ, mas só porque a vocação para o sacerdócio é anterior ao gosto pela mesa de mistura. Durante os dias de isolamento, fez do Facebook e do Instagram janelas para o mundo. As noites de sexta-feira e as tardes de domingo são sagradas — em direito, o padre dá música à quarentena alheia, guiado pelo tech e pelo deep house, e as visualizações são aos milhares.
Esta terça-feira, viu a própria história chegar à imprensa internacional. Nada que interfira na rotina do pároco da Póvoa de Varzim que, por estes dias, orienta discos e fiéis a partir de casa.
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“Comecei a ver alguns diretos de outros DJs, nunca tinha feito nenhum”, começa por explicar o padre ao Observador. Noutra frente, a da sensibilização para as normas de segurança e do aconselhamento pastoral, tentou dirigir-se aos fiéis — grupo que não vai além das 5.000 pessoas, se somadas as paróquias de Amorim e de Laúndos — através de comunicados escritos. “Não os liam até ao fim, então comecei a fazer os vídeos, que sempre têm um toque de humor à mistura”, completa.
Refere-se à saga “Sozinho em Casa”, onde o tom humorístico e o discurso informativo são transversais aos sete episódios publicados até agora. O último soma já mais de 28 mil visualizações, o que prova que a fama do DJ Padre Guilherme há muito já galgou as fronteiras do concelho. “Não estava à espera de ver tanta gente a ver os vídeos e a reagir. Agora no próximo tenho de falar sobre o 112. As pessoas têm alguma coisa e só se lembram de ligar para a linha da Covid-19, mas o 112 continua a existir”, adianta.
Para este padre, não foram só as missas à distância ou os funerais sem abraços que alteraram o curso dos dias. Guilherme Peixoto tinha uma agenda artística fora do contexto paroquial, nos últimos tempos gerida por um agente, já a logística assim o exigiu. De um momento para o outro, a atual crise de saúde pública fez com que fosse tudo cancelado.
A relação do padre com a música já vem dos tempos do seminário — não falando do gosto pelo convívio que esse, segundo o próprio, já é anterior. “Sempre quis ser padre, mas os ambientes de bares, copos com amigos e discotecas nunca foram estranhos para mim. No seminário, além do grupo de cantares, tinha uma banda de rock com outros seminaristas. Durou até ao último ano”, recorda o sacerdote, que atualmente, além das duas paróquias, é também capelão militar em quatro quartéis.
Natural de Guimarães, foi à chegada à Póvoa de Varzim que se descobriu como DJ. Com um grupo de voluntários, abriu o Ar de Rock Laúndos, um bar cujo principal objetivo começou por ser angariar fundos para pagar as dívidas da paróquia. “Nessa altura, passava música nos intervalos do karaoke. Comprei um programa para começar a misturar, depois uma mesa de mistura, depois um controlador melhor e já lá vão 14 anos. Hoje, tenho um topo de gama da Pioneer”, conta. Conclusão: as dívidas foram saldadas, a Igreja Matriz de Laúndos acabou por ser restaurada e agora a paróquia tem em vista uma nova sede para o agrupamento de escuteiros, tudo graças ao sucesso do bar.
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“No início foi difícil. Há sempre pessoas que se escandalizam com um padre a passar música”, admite. “Nunca deixei de ser quem era por ser padre”, continua. Para Guilherme Peixoto, música (seja ela qual for) e igreja nunca foram incompatíveis. Diz que, ao longo dos anos, sempre contou com o apoio do Bispo de Braga — “às vezes, na brincadeira, diz que tenho de ter juízo”. No ano passado, durante uma visita ao Vaticano, levou os headphones ao Papa, para que o próprio Francisco lhos abençoasse.
Talvez tenha sido essa a unção decisiva na carreira deste padre DJ, mesmo que agora, em vez dos pequenos e médios palcos, esteja limitado às quatro paredes da própria casa. É de lá que tenciona continuar com o ministério, o católico e o outro, sempre com as prioridades bem medidas. Esta semana, por exemplo, não vai haver música. É semana santa.