Agora que Boris Johnson está internado numa unidade de cuidados intensivos após os sintomas de Covid-19 terem piorado para o primeiro-ministro, todas as suas funções vão ser delegadas num homem: Dominic Raab. O ministro dos Negócios Estrangeiros e número 2 de facto do governo britânico assume agora o lugar pelo qual chegou a desafiar Boris Johnson no verão de 2019.

Em quatro pontos, este é o percurso deste homem de 46 anos conhecido por ser um defensor acérrimo do Brexit e por não se poupar a nenhuma polémica.

(TOLGA AKMEN/AFP via Getty Images)

Ministro rebelde de Theresa May e ex-rival de Boris Johnson

Dominic Raab entrou para a alta roda da política britânica em 2010, ao ser eleito pelo círculo eleitoral de Esher and Walton, mas foi só em 2017 que assumiu funções governativas, com a primeira-ministra Theresa May a chamá-lo para liderar duas secretarias de Estado: primeiro a dos Tribunais e Justiça (entre junho de 2017 e janeiro de 2018) e depois a da Habitação e Planeamento (de janeiro de 2018 a julho do mesmo ano). Dominic Raab integrou aquele governo apesar de ter estado contra a nomeação de Theresa May para suceder a David Cameron, após este se ter demitido na sequência do referendo do Brexit, em 2016.

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“Não vou fingir e dizer que ela foi a minha primeira escolha, mas também quero que o governo funcione”, disse. Era uma pequena concessão deste defensor acérrimo do Brexit que se destacava já à altura dentro e fora do Partido Conservador. Theresa May recompensou-o secretarias de Estado, mas a  recompensa maior viria a chegar em julho de 2018. Nessa altura, numa reunião na residência rural da primeira-ministra, Chequers, levantou-se uma rebelião dentro do governo: descontentes com a estratégia de Theresa May junto de Bruxelas, tanto ministro dos Negócios Estrangeiros (Boris Johnson) como o ministro para o Brexit (David Davis) apresentaram a demissão.

Obrigada a fazer concessões ao setor mais pró-Brexit para evitar ainda mais rebeliões internas, Theresa May promoveu Dominic Raab a ministro para o Brexit. Mas durou pouco. Perante o acordo obtido em Bruxelas por Theresa May, Dominic Raab demitiu-se em protesto. “Não creio que o acordo seja bom para a saúde do país a longo prazo, tanto do ponto de vista económico ou democrático”, disse. “Por isso, em consciência, não posso, enquanto ministro, aplicar este acordo.”

Não tardaria, porém, a voltar ao poder. Depois de um vários meses que marcaram um dos períodos mais conturbados da política britânica na História Moderna — em que Theresa May foi obrigada a apresentar demissão perante a oposição fora mas também dentro do Partido Conservador —, os deputados tories foram a eleições internas para determinar qual deles sucederia à primeira-ministra. Ao todo, 10 pessoas avançaram para essas eleições internas: e entre eles estava Dominic Raab. Foi um esforço sem glória: à segunda ronda de votações perdeu, ao conquistar apenas 9,6% dos votos contra cinco adversários. O vencedor acabou por ser Boris Johnson, que venceu com facilidade à quinta ronda.

Quando chegou a altura de escolher o executivo, Boris Johnson distribuiu lugares entre os maiores defensores do Brexit entre o Partido Conservador — e não se esqueceu do seu adversário Dominic Raab, confiando-lhe a pasta de ministro dos Negócios Estrangeiros e de ministro de Estado, servindo na prática como número 2 do governo britânico. Por isso mesmo, foi ele agora o escolhido para liderar o governo enquanto Boris Johnson está, por motivos de saúde, incapaz de fazê-lo.

(JOHN THYS/AFP via Getty Images)

O homem pró-Brexit que sabe o “irrita” a UE

Dominic Raab é uma das principais caras da ala do Partido Conservador que ganhou destaque nos últimos anos à boleia do movimento a favor do Brexit. À direita de Boris Johnson, durante a campanha para subir à liderança do Partido Conservador — e, na prática, chegar diretamente a primeiro-ministro, Dominic Raab procurou puxar dos seus galões de tecnocrata pró-Brexit para atacar o agora primeiro-ministro.

À altura, Dominic Raab atacou Boris Johnson dizendo: “Não vamos cumprir o Brexit só com bluff e garganta”. “Eu é que sou o candidato pró-Brexit que tem um plano, a disciplina e a concentração para nos tirar da UE em outubro”, sublinhou.

Dominic Raab ganhou protagonismo no campo pró-Brexit durante o tempo em que foi o ministro com a responsabilidade de negociar com Bruxelas — e por se ter sacrificado em desacordo com o acordo obtido por Theresa May. Nas negociações, Dominic Raab assume que adotava um estilo provocador. “É preciso perceber o que é que faz comichão à UE, tanto à organização como aos diferentes estados-membros”, disse, de acordo com o The Guardian. “Só um maluco é que não faria o seu trabalho de casa.”

A postura forte nas negociações era, de resto, uma obsessão de Dominic Raab, segundo o próprio. “Uma coisa que me deixa nervoso, ou ansioso, é não ficarmos encolhidos a um canto e tão obcecados com o risco ao ponto de passarmos a ideia de que até da nossa própria sombra temos medo”, disse. “O Reino Unido é muito melhor do que isso.”

(Peter Summers/Getty Images)

Polémico, irritou feministas (incluindo Theresa May), deficientes e a esquerda

Ao longo da sua carreira política Dominic Raab tem gerado vários anti-corpos, sobretudo à sua esquerda, como resultado de algumas posições que tem assumido em diversos temas.

Em 2011, disse que “as feministas estão agora entre o grupo dos intolerantes mais insuportáveis” e disse que tinha chegado a altura dos homens começarem a “queimar as cuecas” em sinal de protesto. “Desde o berço até à sepultura, os homens estão a perder”, disse. Dominic Raab, que à altura era deputado do Partido Conservador, foi criticado por Theresa May, então ministra da Administração Interna, que o acusou de estar a promover “uma guerra de géneros”. Em 2019, Dominic Raab defendeu as suas declarações de 2011, sublinhando que era importante ser “consistente e não ter um duplo padrão”

Em 2017, disse num debate que os utilizadores “típicos” da sopa dos pobres são pessoas que “não estão a definhar na pobreza” mas antes indivíduos com “problemas de fluxo monetário”.

Além disso, não tem hesitado em tocar naquilo que é uma espécie de vaca sagrada da política britânica: o NHS, isto é, o serviço público de saúde do Reino Unido. Ao longo da sua carreira, Dominic Raab tem defendido que o NHS deve passar de ser gratuito para todos para começar a ser pago em casos específicos. Em 2017, num debate com perguntas do público, uma ativista pelos direitos de pessoas com deficiência física apontou para a falta de dinheiro no sistema público de saúde, dizendo-lhe que “há dezenas de milhares de deficientes e de pessoas doentes a morrerem a cada ano”. Dominic Raab respondeu-lhe que “o dinheiro tem de vir de algum lado” e, reconhecendo que gostaria de colocar “ainda mais dinheiro” na saúde e educação, rematou: “A não ser que haja uma economia forte a criar rendimento, isso não passa de uma lista de prendas infantil”.

(Luke Dray/Getty Images)

Pai de refugiados checos e casado com uma brasileira

Dominic Raab tem 46 anos e nasceu em Buckinghamshire, nos arredores de Londres. O pai de Dominic Raab era judeu e fugiu com a família, quando tinha 6 anos, da República Checa (então Checoslováquia) em 1938, um ano antes da invasão daquele país pela Alemanha nazi.

Dominic Raab estudou Direito da Universidade de Oxford e trabalhou como jurista na área financeira. É cinturão negro de karaté, tendo sido capitão da equipa da Universidade de Oxford. Além disso, é militar na reserva da força aérea britânica, o Special Air Service.

É casado com a brasileira Erika Rey, executiva de marketing na Google, com quem tem dois filhos. O casal conheceu-se no verão de 2002 e uma das primeiras conversas que terão tido foi sobre o jogo do Mundial de Futebol daquele ano em que o Brasil derrotou, por 2-1, a seleção de Inglaterra.