Os enfermeiros portugueses estão “mais ansiosos, com mais sintomas depressivos e com níveis mais elevados de stress” devido à pandemia do novo coronavírus. Esta é uma das conclusões preliminares de um estudo que está a ser desenvolvido por investigadores do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, que inquiriu 767 enfermeiros em atividade entre 31 de março e 7 de abril.

O estudo pretende avaliar o impacto do novo coronavírus na saúde mental dos enfermeiros que exercem atualmente funções em contexto clínico.

Um comunicado enviado à imprensa pela Unidade de Investigação & Desenvolvimento (I&D) da Universidade do Porto avança ainda outras das primeiras conclusões da investigação.

De acordo com os resultados preliminares, entre 31 de março e 7 de abril registavam-se grandes preocupações dos enfermeiros portugueses quanto ao equipamento de proteção individual que têm disponível para trabalhar. Quase metade (45%) dos 767 enfermeiros inquiridos neste período “entendem que a quantidade das máscaras não é adequada” e “52% percecionam a sua qualidade como insatisfatória“, de acordo com o comunicado.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A perceção piora em relação à quantidade e qualitativa dos óculos e viseiras que têm disponíveis para trabalhar: dos 767 enfermeiros inquiridos, mais de metade (“quase 55%”) considera “que não são adequadas”. Esta perceção relativa à desadequação do Equipamento de Proteção Individual disponível contribuiu diretamente para os níveis superiores de ansiedade dos enfermeiros inquiridos neste período, referem os autores da investigação.

Há também um elevado receio de infetar amigos e família, receio que se traduz em maiores níveis de ansiedade, stress e sintomas depressivos. Numa escala de 0 a 10, o medo de ser infetado pela SARS-CoV2 situa-se nos 7,6, mas o medo de infetar a família ou amigos ascende a 8,9″, aponta Francisco Sampaio, investigador do CINTESIS e um dos coordenadores do estudo, “que envolve também Carlos Sequeira e Laetitia Teixeira”.

“Os doentes têm direito a ter-nos mais presentes, a ouvi-los. Isso também nos foi roubado”. Na zona de internados por Covid-19 em St. Maria

Da amostra total, cerca de 10% dos enfermeiros inquiridos afirmaram estar deslocados da sua residência habitual e diária, “o que se traduz num aumento dos níveis dos sintomas depressivos”, refere o comunicado. A maioria dos enfermeiros deslocados mudaram voluntariamente de residência “para protegerem a família de um eventual contágio”, refere a nota de apresentação dos primeiros resultados do estudo.

O questionário aos 767 enfermeiros “que exercem funções em contexto clínico” foi realizado online. O aumento dos níveis de ansiedade neste grupo de enfermeiros subiu “em cerca de 40%”. “A generalidade dos enfermeiros portugueses apresenta níveis patológicos de ansiedade, níveis que são significativamente superiores aos indicados relativamente ao período anterior ao início da pandemia”, refere ainda Francisco Sampaio.

Da tenda de pré-triagem às linhas da UCI – que não são um destino traçado. Os bastidores da zona Covid-19 de Santa Maria

O questionário foi feito num momento inicial de propagação da pandemia, o que pode “ajudar a justificar o aumento de sintomas de ansiedade”, de acordo com um dos coordenadores do estudo. Porém, os investigadores não excluem a hipótese de que “o prolongamento da situação no tempo possa levar também a um aumento de sintomas depressivos”. Outro dos fatores que contribuíram para o agravamento dos níveis de ansiedade, de acordo com os resultados preliminares do estudo, passa pelo “aumento do número de horas de trabalho”.

Porém, apesar do aumento da ansiedade, stress e sintomas depressivos, “apenas 1,4% dos enfermeiros procurou algum tipo de serviço de apoio, como consultas online ou linhas telefónicas de apoio”, refere o comunicado. “Esta baixa procura parece revelar alguma desvalorização dos sintomas, mesmo quando em níveis patológicos”, acrescentam ainda os autores.

Exaustos e insatisfeitos. Oito horas na pele de um enfermeiro

O CINTSIS agrega mais de 500 investigadores em 24 grupos de investigação, que trabalham em três grandes linhas temáticas: Medicina Preventiva & Desafios Societais, Investigação Científica e de Translação  e Ciência de Dados, de Decisão & Tecnologias de Informação.