Entre Millenium BCP e Santander já foram concedidas 150 mil moratórias a clientes, no âmbito dos apoios a empresas e famílias para fazer face à crise. No caso do BCP, Miguel Maya, presidente executivo, revelou que o banco já concedeu perto de 80 mil moratórias, num montante total de 4,5 mil milhões de euros. E no Santander estão em causa 70 mil suspensões de pagamentos, abrangendo para já 7,5 mil milhões de euros, de acordo com o presidente executivo do banco, Pedro Castro Almeida. Ou seja, já foram empurrados para mais tarde cerca de 12 mil milhões de euros.

Os números foram revelados esta tarde em audições perante os deputados das comissões parlamentares de Economia e de Orçamento e Finanças (um por cada partido, para garantir distanciamento).

O presidente executivo do Santander deu mais pormenores, indicando que essas moratórias de créditos representam mais de 40% de todos os empréstimos concedidos a pequenas e médias empresas e 20% da carteiras de crédito junto de famílias.

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Em causa está um mecanismo criado pelo Governo para ajudar empresas durante a crise — que permite suspender durante seis meses o pagamento das prestações no crédito à habitação e crédito de empresas —, mas também as moratórias complementares que foram anunciadas pelos bancos para os créditos ao consumo e créditos à habitação de clientes que tenham quebras de 20% nos rendimentos, casos que a lei não contempla.

Os prazos, no entanto, é que podem não chegar para as necessidades das empresas. Pedro Barreto, administrador do BPI, que também foi ouvido pelos deputados numa audição ao início da tarde, admitiu que a recuperação económica possa ser “lenta”, sugerindo, por isso, um alargamento dos prazos de pagamento: “É possível que a moratória no crédito de seis meses não seja suficiente“, reconhece o administrador do BPI, que entende ainda ser necessário um aumento do limite máximo por empresa, atualmente no valor de 2 milhões de euros.

Bancos “não vão lucrar com esta crise”

Com a economia a afundar este ano — o FMI prevê mesmo uma queda de 8% em Portugal — o crédito malparado vai subir de forma considerável, na opinião de todos os gestores de bancos ouvidos esta terça-feira no Parlamento.

Miguel Maya diz não ter dúvidas de que o crédito malparado vai ter um impacto “com significado”, “bastante relevante”, dependendo da duração da crise. Mas entende que os “padrões de exigência da banca portuguesa são completamente diferentes dos padrões do passado”, referindo-se em concreto aos erros do passado: “financiamentos para aquisição de ações, de isto e aquilo, que hoje não existem”.

Também Pedro Barreto, administrador do BPI, defendeu que o impacto no crédito malparado vai ser “bastante significativo” e “inevitável“. Sem apontar previsões, o administrador do BPI disse confiar que o banco vai conseguir “acomodar” a escalada de pagamentos falhados por clientes.

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Os bancos vão ter, por isso, de se preparar. Pedro Castro e Almeida, presidente executivo do Santander, antevê que a banca portuguesa precise de constituir “dois mil milhões de euros em provisões, no mínimo”, tendo em conta que “o custo de crédito não será inferior a 1%, de certeza absoluta”. Esta almofada para fazer face ao crédito malparado pode, no entanto, atingir os seis mil milhões de euros, diz ainda o presidente executivo do Santander.

O gestor garante que o Santander e os restantes bancos “não vão lucrar com esta crise”, tendo em conta que “serão dos setores mais afetados”, com as receitas a “cair bastante com esta recessão”.

Em relação ao alívio que o BCE  deu aos sistemas financeiros nacionais para o cumprimento dos rácios de capital,  João Pedro Oliveira e Costa, o outro administrador do BPI ouvido esta tarde, reconheceu que pode levar os bancos “a fazerem aumentos de capital” — se a almofada do supervisor europeu for usada. Em todo o caso, sublinha que é um alívio “temporário.”

BCP alerta para PME que já não podem pedir mais empréstimos

Os problemas, no entanto, não ficam por aqui. O presidente executivo do Millennium BCP, Miguel Maya, diz estar preocupado com as dificuldades que muitas pequenas empresas vão enfrentar por já não poderem acumular mais dívida. “A grande preocupação é, de facto, com estas empresas mais pequenas, que não têm capacidade de suportar crédito adicional”, defendeu Miguel Maya.

O gestor avisa que muitas empresas têm os fluxos de caixa “na linha de água para pagar o crédito que já tinham” e que, se tiverem mais empréstimos, “ficam numa posição muito difícil”. Para o presidente do BCP este é “um problema ainda mal resolvido e que tem de ser pensado”, porque “se é para ser pago, as empresas têm de ter cash flow para pagar essa dívida”.

Numa altura em que já há mais de 80 mil empresas abrangidas pelas novas regras de lay off, o presidente executivo do Millenium BCP entende que “a solução que está encontrada ainda não é equilibrada”. Miguel Maya sugere ao Governo que deve “aprofundar os modelos de apoio às empresas”, procurando “preservar os postos de trabalho”, mas “não com uma rigidez absoluta”, porque as empresas “têm de se preparar para um novo mundo” e pode haver “algumas atividades que deixem de existir quando sairmos desta crise”, defendeu o gestor.

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Empresas têm de entregar nove documentos para acederem a crédito com garantia estatal

O BPI revelou que está a ser exigida mais burocracia na concessão de créditos, no âmbito dos apoios para fazer face à crise pandémica. Pedro Barreto, administrador do BPI, disse que a Sociedade Portuguesa de Garantia Mútua passou agora a exigir nove documentos (em vez de dois) às empresas candidatas aos créditos com garantia estatal. Essa informação sobre o acréscimo de burocracia, diz ainda, só chegou aos bancos na passada quinta-feira.

É esta burocracia que estará a afastar as microempresas do apoios à liquidez, de acordo com o presidente executivo do Santander, Pedro Castro e Almeida, porque “para quem nunca teve acesso a esta linha, é um desespero”.

O responsável do Santander enumerou mesmo no Parlamento alguns dos documentos necessários: “Declaração de partilha de informação; declaração de regularização de crédito vencido; declaração eletrónica do IAPMEI (se é micro, pequena ou média empresa); se o CAE [Classificação Portuguesa das Atividades Económicas] submetido for diferente do CAE principal na IES [Informação Empresarial Simplificada], deverá ser apresentado um comprovativo do CAE; balancete com antiguidade máxima de 9 meses; se a situação líquida não for positiva, o último balanço aprovado” e “mais quatro requisitos”.

Ainda que perceba a necessidade de um critério, por estar em causa “ajuda do Estado e dinheiro dos contribuintes”, Pedro Castro e Almeida entende que “é muito difícil para as microempresas”.

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As linhas de crédito, que atingem 6,2 mil milhões de euros — depois de o Governo ter decidido aumentar o valor global —, ficaram disponíveis no dia 17 de abril, tendo sido carregados mais de 15 mil processos com pedidos de clientes no portal da Sociedade Portuguesa de Garantia Mútua. Só que, de acordo com Pedro Barreto, “o sistema bloqueou” no dia seguinte perante tamanho fluxo de pedidos, só recuperando na tarde desta terça-feira.

Têm sido sobretudo as PME a procurar estas linhas de crédito bonificadas com garantia do Estado. Estão em causa quatro linhas específicas para apoiar a atividade económica (4,5 mil milhões de euros), para apoiar o turismo (900 milhões), empresas da restauração e similares (600 milhões) e agências de viagem, animação turística, organizadores de eventos e similares (200 milhões).

Miguel Maya abdica de bónus, mas dá aos trabalhadores

Perante a crise, e depois de já ter anunciado no final de março que não vai pagar dividendos aos investidores, o presidente executivo do Millenium BCP, Miguel Maya revelou esta terça-feira, no Parlamento, que a administração do banco abdicou do prémio de desempenho a que teria direito.

“Há duas semanas, escrevi ao presidente do Conselho de Remunerações e ao presidente do Conselho de Administração, a dizer  que não havia condições para fazer o pagamento aos membros da Comissão Executiva”, disse Miguel Maya aos deputados das comissões parlamentares de Economia e de Orçamento e Finanças, sublinhando que apresentou “os melhores resultados dos últimos 12 anos”.

Situação diferente é a dos trabalhadores, com quem o banco “tem um modelo definido” e que, por isso, vão receber a remuneração variável que lhes tinha sido prometida.

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