Esteve dias ausente, numa luta que o próprio travou contra a Covid-19. Quando chegou em frente ao microfone, como já é ritual, as televisões britânicas fizeram silêncio e ouviram falar o chefe de governo, no seu primeiro discurso desde que recebeu alta-hospitalar. Boris Johnson foi curto, direto, e descreveu a “maré” em que vive a população e como vai viver a próxima fase. Numa altura em que vários países se preparam para aliviar as medidas de restrição, incluindo Portugal, Johnson fez a Europa olhar para o Reino Unido e passou a mensagem: não é altura para baixar a guarda.

Durante as três semanas que abrangem o momento em que foi internado e a recuperação que se seguiu, Londres viu o número de vítimas mortais ultrapassar as 20 mil e a população infetada agigantar-se para os 152 mil. Foram estes valores que Johnson teve em conta quando pediu nesta segunda-feira aos britânicos para “conterem a paciência”, dando a entender que, apesar da pressão económica, o confinamento iria continuar.

“Recuso-me a deitar fora todo o sacrifício do povo britânico. Peço-vos para conterem a impaciência, porque acredito que estamos a chegar ao fim da crise”. E com o fim da crise, o primeiro-ministro britânico explicar-se-ia melhor: referia-se ao fim de uma primeira fase difícil para o país, naquilo que descreveu como “o maior desafio que [o Reino Unido] enfrenta desde a II Guerra Mundial”. A metáfora de um combate no chão destacou-se para se fazer entender:

 Este é o momento em que começamos a lutar [contra o coronavírus] no chão e, portanto, é o momento da oportunidade. […] Começam a perguntar-se se agora é hora de agir ou não com calma e facilitar nas medidas de distanciamento social”.

Para Boris, não é. O chefe de governo britânico sublinhou que este é o momento de passagem pelo pico do surto e que finalmente estão “a mudar a maré”. Mas deixou um alerta: “É necessário reconhecer o risco de uma segunda onda”, que pode trazer consigo um “desastre económico”. É esta a mensagem-chave de Boris Johnson.

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“Posso ver as consequências a longo prazo do bloqueio como qualquer um”

No último fim-de-semana., Marta Temido, ministra da Saúde, referia que entre os dias 16 e 22 de abril, a taxa de reprodução do vírus em Portugal tinha alcançado os 1,04. O número está ainda longe do ideal de 0,7, um valor que permitiu à Noruega, por exemplo, poder baixar a guarda e regressar a uma normalidade possível. É para estes valores que Boris Johnson olha:

“Temos de reconhecer o risco de um segundo pico, o risco de perder o controlo sobre este vírus e deixar que a taxa de contágio volte a subir acima de um. Porque isso significaria, não só uma nova vaga de mortes e doença, mas um desastre económico.”

Número médio de contágios “subiu um bocadinho”, já a vacinação caiu bastante. DGS diz que é preciso evitar surtos de outras doenças

Sem querer dar um passo em falso, a segunda fase que o primeiro-ministro britânico descreveu no discurso refere-se, nas suas próprias palavras, a um momento em que “se continua a suprimir a doença e a manter a taxa de reprodução baixa”. “Estamos a cumprir os nossos cinco desafios: as mortes a baixar; o NHS [National Health System] protegido; baixo nível de infeção; [estamos] a resolver os desafios dos testes e dos EPI e a evitar um segundo pico”, listou.

No entanto, tal como noutros países, é da economia que surgem as maiores pressões. Há estudos, tal como o da EY Item Club, a apontar para uma queda profunda no produto interno produto, cujo cenário de recuperação se estende a três anos ou mais. Só em 2023 poderá o Reino Unido voltar aos níveis de 2019. A partir de Downing Streeth, frente ao microfone, Boris Johnson também respondeu a este setor: “Aos negócios, aos lojistas, aos empreendedores, a todos de quem a nossa economia depende, entendo a sua impaciência e compartilho a sua ansiedade […] Sim, eu posso ver as consequências a longo prazo do bloqueio de forma tão clara como qualquer um”.

Para este combate, Boris Johnson recusou-se a fazer previsões sobre o levantamento das medidas de restrição e para a construção do “novo normal”, mas deu garantias de que aliviar o bloqueio é algo que já está a ser pensado para a segunda fase, ainda que “gradualmente”. Até lá, reforçou que é necessário continuar a proteger o sistema de saúde britânico.

“Não ficámos sem ventiladores, não permitimos o colapso do NHS e até protegemos coletivamente o sistema de saúde”, agradecendo à população o facto de o NHS não ter colapsado como noutros países. Contudo, da mensagem de Boris Johnson poder-se-á se opor outra realidade: o Reino Unido continua a ser dos países com maior taxa de mortalidade entre os afetados com a Covid-19.

O surto bateu a fundo mais tarde do que noutros países de dimensão semelhante na Europa, mas o Reino Unido  parece ir agora contra-corrente. Enquanto parece preferir manter o lockdown, na Noruega, já há quem tenha voltado à escola. Em maio, França, Itália, Portugal e outros países da Europa Ocidental começam a “regressar à normalidade”.