“Tenho a certeza que será essa a tentação”. Foi assim que o Presidente da Câmara do Porto respondeu à pergunta do Observador esta semana sobre se temia que a retoma das operações da TAP fosse pensada com foco em Lisboa. Na mesma entrevista, Rui Moreira dizia considerar que essa hipótese era, no entanto, “inaceitável”. Não será, por isso, de estranhar que a Associação Cívica do autarca portuense, “Porto, o Nosso Movimento”, tenha reagido com desagrado à notícia avançada na sexta-feira pelo JN, sobre a desproporção de rotas a partir de Lisboa e do Porto.
De acordo com um documento elaborado pelos responsáveis da companhia aérea portuguesa, a que o jornal teve acesso, os planos passam por uma redução de 63% dos voos com origem no Sá Carneiro. Este sábado, em comunicado, o movimento de Rui Moreira diz não aceitar “que esse serviço público, sustentado por dinheiros públicos, seja concentrado num único aeroporto, favorecendo uma única região”, o que é visto como um “claro abandono da região mais produtiva do país”. Também já a Presidente da Câmara de Matosinhos, Luísa Salgueiro, tinha manifestado “preocupação” com os dados divulgados na notícia.
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Com o título “TAP regional com apoios públicos nacionais, NÃO”, o comunicado da “Porto Nosso Movimento” argumenta que “se o Governo e os partidos políticos” entendem que uma empresa “que presta um serviço público de âmbito marcadamente regional, deve ser apoiada com dinheiros públicos, deve deixar que sejam os municípios, as CIMs ou as Áreas Metropolitanas beneficiadas, com fundos próprios, a apoiarem essa empresa, entrando no seu capital”.
No mesmo comunicado, os responsáveis pelo movimento rejeitam que os contribuintes das regiões que não vão beneficiar pela retoma das operações da TAP sejam chamados a participar na ajuda à empresa: “Não se pode é continuar a exigir aos empresários e cidadãos das restantes regiões do país que paguem um serviço regional, com base em decisões não escrutináveis e tomadas por privados no uso de dinheiros públicos”.
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Para o movimento de Rui Moreira, “a manutenção de uma companhia de bandeira, suportada com dinheiro público, não é uma inevitabilidade. Foi uma opção do Governo, com o apoio dos partidos à sua esquerda. Como a privatização, mal desenhada, tinha também sido uma opção do estado”. Não quer com isto dizer que estão contra as ajudas públicas, até porque “pode agora ser necessário, se Portugal quiser continuar a ter uma companhia de bandeira para fazer serviço público”.
Mas consideram que a estratégia que veio a público é “insultuosa para a região“, parte de uma “visão centralista e autista do país”, “podendo a desproporção ser ainda maior quanto ao número de voos”, face aquilo que já foi anunciado quanto às rotas. E falam mesmo de um “assalto à região que mais contribui para a economia nacional continue”.
Rui Moreira ao Observador: “É absolutamente inaceitável”
A hipótese tinha já sido antecipada pelo próprio Rui Moreira em entrevista ao Observador. Quando questionado sobre se temia que, no caso da TAP, se tomassem decisões quando à retoma das atividades da empresa sob uma perspetiva lisboeta, o Presidente da Câmara do Porto respondeu assim: “Tenho a certeza que será essa a tentação. E quero dizer que considero isso absolutamente inaceitável”.
Na mesma lógica do comunicado publicado este sábado, Rui Moreira questionava essa decisão quando estão em causa dinheiros públicos: “Se a TAP for uma empresa privada, a decisão é dos seus acionistas. Se não precisar do nosso dinheiro, enquanto contribuintes, quem somos nós para interferir. Agora, já percebemos que vai ter que haver uma fortíssima intervenção do Estado na TAP. Não sei se vai ser nacionalizada, se vai ser apoiada. Mas é certo que o dinheiro dos nossos contribuintes vai ser utilizado para salvar a TAP”.
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Não deixando de lançar farpas a “mais um salvamento da TAP, que tem vindo a ser salva não sei quantas vezes” e lembrando que “é a única empresa que resta do tempo em que tínhamos um império colonial”, o autarca do Porto defendeu, ainda assim, a sobrevivência da companhia aérea portuguesa: “É importante ter uma companhia de bandeira, tem um serviço a prestar. O cálculo que tem que ser feito não pode ser microeconómico. Tem de pensar-se no impacto para a economia”.
E quanto à economia do norte, defendeu que a importância da operação da TAP, numa primeira fase “não vai ser sequer por causa do turismo, vai ser por causa dos negócios, das empresas exportadoras que aqui estão. Sem uma companhia de bandeira ficamos na mão de não sabemos que as companhias”. O alerta ficou dado na altura, foi reforçado este fim-de-semana, o que significa que a relação habitualmente tensa entre Rui Moreira e os administradores e decisores políticos responsáveis pela TAP está para durar.
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