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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Entrevista a Rui Moreira: "A ministra da Saúde ligou-me a pedir desculpa"

Em entrevista, o presidente da Câmara do Porto recorda a polémica sobre a cerca sanitária, denuncia assimetrias com Lisboa no centro, faz avisos e lança farpas que vão do Bloco de Esquerda a Rui Rio.

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O que lá vai, lá vai. Rui Moreira já fala sobre a alegada cerca sanitária ao Porto com distanciamento suficiente para encontrar explicações mais benevolentes para o que se passou: a “voragem da notícia”, a pressão de toda a gente ter uma opinião sobre o assunto. E já nem responsabiliza diretamente Graça Freitas ou Marta Temido, até porque a polémica ainda estava quente e já tinha recebido vários telefonemas de desagravo. Quer isto dizer que o Presidente da Câmara do Porto já retomou a confiança naquilo que a DGS diz diariamente? Bom, para isso é melhor ler as linhas e as entrelinhas daquilo que diz o autarca na primeira grande entrevista depois do início da pandemia que, por cá, teve um dos epicentros no Porto. E as palavras até foram escolhidas a dedo “para não criar ansiedade”. Mas não é por isso que deixa de denunciar – num tom que varia entre o diplomático e o irónico – as assimetrias regionais num país que, diz, continua a pensar primeiro em Lisboa. Seja na distribuição de ventiladores, seja na distribuição de alimentos: “Aqui, se calhar, não é preciso”.

Rui Moreira recebeu a equipa do Observador nesta terça-feira à tarde nos Paços do concelho com vista sobre uma Avenida dos Aliados praticamente vazia, também ela símbolo de uma economia à espera da retoma. A conversa passou por aí, com avisos sobre o papel que a TAP tem de desempenhar na região, mas também sobre o turismo “que está a zero” mas vai retomar, sobre burocracias e atrasos nas obras (neste momento não há prazo para o mercado do Bolhão), sobre o Tribunal de Contas que, conclui Moreira, é um tribunal político. E claro, sobre a descentralização que terá de ser adiada, sobre a regionalização que já não vem. E sobre Rui Rio, o antecessor com quem não se dá, mas com quem parece partilhar uma atitude: “Eu sou o género de velejador que gosta de navegar à bolina contra o vento”.

[Destaques da entrevista à Rádio Observador:]

“Os relatos da DGS nem sempre são compreensíveis”

Já passaram algumas semanas desde o episódio da suposta cerca sanitária ao Porto. Já voltou a reconhecer autoridade a Graça Freitas?
Devo dizer que nesse dia, à hora a que a senhora diretora-geral de Saúde estava a dar a sua conferência de imprensa diária, eu estava no supermercado. Subitamente, percebi que havia alguma agitação e pessoas a chegar em catadupa. Mal saio do supermercado, sem perceber o que se estava a passar, recebo um telefonema de uma pessoa que é conselheiro de Estado, o Dr. António Lobo Xavier. Estava a ligar-me, quase a medo, a perguntar se eu achava bem estar a declarar uma cerca sanitária.

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Quando percebeu, resolveu vir a público, com visível irritação…
Não foi nenhuma irritação. A primeira coisa que nós precisamos, numa situação destas, é tranquilizar a população. Se me apressei imediatamente a fazer uma declaração, foi no sentido de travar aquilo que já tinha acontecido tempos antes, logo que a pandemia foi decretada, que foi uma corrida aos supermercados. E evitar pessoas a saírem da cidade em pânico.

Mas escolheu palavras duras, questionou a competência e a autoridade da diretora-geral de Saúde.
O que eu quis dizer é que, claramente, a senhora diretora não tem competência nem autoridade para dizer o que disse. Quem tem é o governo, o Conselho de Ministros, ou até, numa situação de emergência, o ministro da Administração Interna. Seria normal que eu, como responsável máximo pela Proteção Civil na cidade do Porto tivesse sido ouvido.

Coisa que não tinha acontecido nessa altura.
Não tinha acontecido e depois percebeu-se que aquilo resultava de um erro de contas, o que é perfeitamente legítimo. O que eu quis foi tranquilizar as pessoas e dizer que isto não pode ser assim. Ou seja, a senhora diretora-geral tem competências na área sanitária, não tem competência para declarar uma cerca sanitária. É bom que cada um de nós, num tempo em que as pessoas subitamente têm comportamentos, muitas vezes, irracionais, não contribua para criar situações de ansiedade, de pânico. Fiz uma declaração que considerei adequada naquele momento e acho que os meus munícipes, que é quem me importa, entenderam.

Mas também ficou no ar a dúvida se confiava verdadeiramente nas informações que eram e continuam a ser veiculadas todos os dias pela DGS. Questionou a fiabilidade das informações, falou de estatísticas sem consistência científica. Referia-se apenas ao Porto ou falava de uma forma genérica?
Também aqui devo medir as minhas palavras para não criar ansiedade às pessoas. Não estou a dizer que haja coisas escondidas, não acredito em helicópteros negros que nos filmam e nessas coisas estranhas da internet. Agora, é óbvio que os portugueses já se aperceberam, ao lerem os relatos e até as estatísticas diárias que nos são fornecidas através da Direção-Geral de Saúde, que nem sempre são compreensíveis. Acredito que no longo prazo possam ser, mas quando  vemos, por exemplo, que nos últimos três dias, segundo as informações que lá vêm, não houve nenhum infetado na cidade do Porto… não é muito provável. E, de vez em quando, até diminui o número de infetados. Portanto, haverá aqui e ali seguramente alguma dificuldade nossa em entender.

E acha que se isso se deve a quê?
A Direção-Geral de Saúde talvez se sinta na necessidade de comunicar muito mais rapidamente e, portanto, os números não sejam suficientemente escrutinados. Foi isso que sucedeu no caso da cidade do Porto. Tinham sido dadas à senhora diretora-geral de Saúde informações com os números duplicados. No dia seguinte, houve uma correção. Ou seja, não houve menos infetados.

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Acha que é a necessidade de informação rápida que contribui para episódios destes? 
É provavelmente a vertigem da notícia, da curiosidade. Todos nós nos transformamos em estudiosos da estatística, todos temos opinião se Portugal está melhor ou pior e se a curva é diferente da curva italiana ou espanhola. Isto transformou-se num hobbie nacional o que, naturalmente, pressiona os responsáveis. Portanto, não responsabilizo a senhora diretora-geral de Saúde nem a senhora ministra, naturalmente.

E compreendeu o pedido feito pelo governo para que os delegados de Saúde regionais não comunicassem às autarquias os números de cada concelho? Ou foi uma tentativa de controlar essa vertigem informativa?
Na folha da Direção Geral de Saúde, vem a informação por concelho. Ao mesmo tempo, há esta indicação para não darem as informações às Câmaras Municipais. Por outro lado, vem a Comissão Nacional de Proteção de Dados dizer que, mesmo que não se coloque o nome das pessoas que estão infetadas, se pode estar a quebrar algum segredo. Não me peça para avaliar .Essas avaliações têm que ser feitas por quem é responsável e percebe dessas questões.

"Se me perguntar se acho que houve assimetrias regionais que não consigo compreender, houve. Não só na questão dos testes como na distribuição de material, nomeadamente de ventiladores"

É uma polémica na qual não quer entrar.
Não me parece nada interessante participar nessa polémica, nem nas visões mais apocalípticas, nem nas visões mais otimistas, que todos os dias ouvimos de inúmeros estudiosos matemáticos, pessoas que sabem tudo. Eu confesso que não sei. Estudei estatística na Universidade, mas não me tenho dedicado muito a essa área.

Para encerrarmos esta questão da cerca sanitária. Teve algum contacto do governo depois das declarações da DGS?
Logo nesse dia recebi telefonemas. Aliás, a senhora ministra da Saúde falou-me logo a seguir a essas declarações. No fundo, a pedir desculpa por aquilo ter saído cá para fora e dizer que não ia haver cerca sanitária nenhuma. Deu as explicações que considerou apropriadas. Tenho mantido contactos com o Governo telefonicamente, mas queria dar nota que a senhora ministra da Saúde se apressou a ligar-me a dizer que aquilo não fazia sentido, que não podia ser assim, para eu não ficar preocupado.

“Tem havido assimetrias regionais que não compreendo”

Mas não tem propriamente escondido as críticas ao Governo. Numa publicação recente nas redes sociais queixava-se de falta de estratégia para cinco dos seis municípios mais afetados, na altura, com mais mortes registadas. Acha que o governo mudou de orientação ou continua a ver na atuação do Executivo alguma desorientação?
Acho que, globalmente, o Governo tem sabido corresponder. E não só o Governo, também o Presidente da República, tudo aquilo que são autoridades dos níveis intermédios do Estado, têm conseguido, apesar de tudo, dar uma resposta a uma situação complicada. A verdade é que o Serviço Nacional de Saúde, para já, tem conseguido não entrar em rutura. Isso deve-se, naturalmente, aos hospitais,  às pessoas que lá trabalham, mas também às medidas que foram tomadas. Genericamente concordo com aquilo que tem sido a atuação do governo. Já em matérias como a questão dos mais velhos, a questão dos lares, parece-me que houve, se calhar, decisões que deviam ter sido tomadas mais cedo. Foram tomadas tardiamente.

Está a falar de medidas como a generalização dos testes, por exemplo?
Por exemplo. Não se compreende muito bem quando subitamente um ministério, que não é o Ministério da Saúde, resolve introduzir a ideia de que vão fazer testes. E para esses testes, encontram-se localizações geográficas que, sinceramente, não correspondem àquilo que são os picos da pandemia. Parece-me normal que, nessa altura, eu tenha manifestado alguma perplexidade.

Porque o Porto não constava dessa lista?
Não era por isso, porque nós, por acaso, já tínhamos o nosso programa. Fizemos um programa de rastreio em todos os lugares e não só. Em 5 mil testes, tivemos 1,4 por cento positivos, o que inclui, por um lado, funcionários desses lares e por outro lado algumas das pessoas que lá estão internadas. São boas notícias. Portanto eu não estava sequer a queixar-me relativamente ao Porto. Agora, manifestei alguma perplexidade por haver, nessa altura, uma série de municípios que se queixavam amargamente da falta de testes e a distribuição geográfica dos testes tenha sido feita de uma forma que nem considero sequer aleatória. Prefiro nem sequer perceber como foi feita. Até hoje ninguém conseguiu perceber.

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E notou alguma diferença depois das críticas públicas que fez?
Se me perguntar se acho que houve assimetrias regionais que não consigo compreender, houve. Não só na questão dos testes como na distribuição de material, nomeadamente de ventiladores, de acordo com informações do Governo. Uma história que nunca ninguém percebeu muito bem. Como na função das Forças Armadas de distribuição de alimentos, ao que se sabe, faz apenas em Lisboa e não faz noutros sítios.  Aqui, se calhar, não é preciso.

Quando fala das assimetrias regionais fala de um benefício excessivo de Lisboa nessas tomadas de decisão?
Não diria um benefício. É evidente que a proximidade, para quem está no poder principalmente numa situação de pandemia, resulta natural. Mas a verdade é que nós, aqui, estamos no epicentro daquilo a que o primeiro ministro chamou de tsunami. E se o governo dizia que aqui era o epicentro do tsunami, percebeu-se rapidamente que a mobilização dos recursos não foi feita de acordo com essa designação.

“Se soubesse o que sei hoje, teria tomado medidas três ou quatro dias antes”

E isso aconteceu assim porquê, do seu ponto de vista?
Pela natureza das coisas, porque acho que o país é assim. Os níveis intermédios no poder não contribuem para isso. A administração desconcentrado do Estado é, muitas vezes, pouco resiliente, muitas vezes nomeada por razões políticas e não por competência. Acho que o governo, provavelmente, não tem informação porque não lhe querem dizer as coisas más e só lhe querem dizer coisas boas. Nada disto é muito dramático. Mas podia ter sido dramático se a situação tivesse sido pior do que foi.

Se os hospitais tivessem perdido capacidade?
Se subitamente tivéssemos entrado em rutura nos hospitais, no de São João e no de Santo António. Estivemos quase a entrar em rutura. Felizmente isso não sucedeu, mas quando ouvimos as histórias que nos contam dos lares, por exemplo, na periferia do Porto ou até em Trás os Montes, compreendemos. E estou particularmente à vontade. O senhor presidente da Câmara de Vila Real fez declarações muito desassombradas e é do Partido Socialista, do partido do Governo. Tal como o Presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia, que é uma das coisas mais importantes do Partido Socialista a norte. Apontaram exatamente essas faltas no sistema, na comunicação e na forma como as coisas são estruturadas.

O Rui Moreira foi das primeiras figuras da política a pedir a declaração do estado de emergência. Agora que vai terminar, sente-se confortável com essa decisão?
Sinto. Na altura fui uma das pessoas que mais insistiram para que fosse declarado o estado de emergência, porque provavelmente tinha uma perceção de um território diferente daquele onde se situam outros portugueses que se calhar não o entendiam. Isto não tem grande problema. Tinha a perceção a partir do Porto e percebia que isso tinha que ser feito. A Câmara Municipal do Porto antecipou se a todas as outras em declaração de teletrabalho, em fechar as salas dos teatros e tudo mais. Passados dois três dias as outras fizeram-no. Não quer dizer que as outras tenham feito tarde. O que quero dizer é que percebi que aqui, na altura, a situação era mais complicada.

"A distribuição geográfica dos testes aos lares foi feita de uma forma que nem considero sequer aleatória. Prefiro nem sequer perceber como foi feita. Até hoje ninguém conseguiu perceber".

E percebia como? Com quem é que se aconselhava tendo em conta que as orientações oficiais não indicavam, nessa altura, que se tomassem essas medidas?
Tomei essa decisão com o meu chefe de gabinete e com o meu executivo municipal. Resultou de uma apreciação empírica daquilo que era a situação na cidade que conhecemos bem e das melhores práticas internacionais. E também depois de conselhos com algumas pessoas como o professor Altamiro da Costa Pereira com quem desde a primeira altura me aconselhei, e várias outras com quem eu tinha facilidade de poder pegar no telefone e perguntar. Até porque desta matéria, confesso que ao contrário de muitos portugueses, não percebo nada. Nem de pandemias nem de viroses.

Acha que se tivesse esperado, teria sido tarde demais?
Não queria fazer essa avaliação, mas acho que se soubesse então o que sei hoje, teria tomado as medidas três ou quatro dias antes.

Apoio à economia: “Gastámos o único pára-quedas que tínhamos”

E relativamente aos planos de retoma da economia? Vêm na altura certa? Cedo demais? Qual a avaliação faz?
Muitas das coisas que foram feitas como medidas de emergência, basicamente, toda a gente concorda. Foi no sentido de fornecer um pára-quedas para que as coisas não caíssem tão rapidamente. Mas não nos podemos esquecer que só temos um pára-quedas. A não ser que haja um envelope europeu muito diferente daquele que imaginamos, todas estas medidas são bem tomadas, mas não são replicáveis. Gastámos o único pára-quedas. Agora temos que pensar como vamos fazer o restart, como no computador, para voltar a crescer. Isso é extremamente difícil.

Que dificuldades antecipa?
Por um lado, sabemos das dificuldades que as famílias e as empresas estão a viver. A economia só dispara através do consumo, não há outra forma. E depois temos o fator medo, que é um grande antídoto do consumo. Na segunda feira, quando abrirem as lojas, mesmo que a bolsa delas não tenha sido atingida, mesmo que seja um funcionário público um pensionista ou até uma pessoa a quem a vida correu bem neste período, não sabemos se essas pessoas vão estar tão disponíveis como estavam ali à loja comprar um eletrodoméstico ou uma camisa ou sapatos ou comprar coisas que não sejam de primeira necessidade. E a economia, tal como está montada, não vive apenas dos bens de primeira necessidade. Essa é uma enorme dificuldade. Por outro lado, a nossa economia é muito aberta, depende extraordinariamente das cadeias de consumo e de distribuição na Europa.

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Precisamos dos clientes europeus.
Sim, e aquilo que vai acontecer, indiscutivelmente, é maior protecionismo. Os italianos vão tentar comprar o que é italiano. Os espanhóis vão querer comprar o que é espanhol. Nós, normalmente, somos um bocado estrangeirados. E durante estas semanas recorremos às compras online. O e-commerce, que era já uma grande ameaça ao comércio, à distribuição e também à produção nacional, foi a única forma de nos aprovisionarmos. Será que as pessoas vão voltar a confiar naquilo que era a rede tradicional, que garantia emprego e garantia que os pequenos produtores continuavam a produzir? E agora que, de repente, percebemos que somos capazes de estar em teletrabalho. Será que não somos dispensáveis? Isto não vai acelerar a invasão da inteligência artificial na distribuição de empregos? Tudo isto são coisas que só vamos conseguir resolver ou compreender melhor – não sei se vamos resolver – nos próximos 24/36 meses. Até lá vai haver grandes ajustamentos na economia e eu espero que o país esteja à altura.

Já percebi que não está muito otimista. 
As mudanças são as mudanças. Nós não. Se alguém pensa que as coisas vão ser iguais ao que eram em fevereiro, não vão. Vão ser muito diferentes. Mas todas as ameaças trazem oportunidades. Acredito que vai haver novas franjas de negócio que vão crescer muito rapidamente, que se vão tornar grandes negócios, e vai haver negócios tradicionais que vão deixar de ser negócio. Estamos num ciclo de grande transformação em que vai haver imensas oportunidades. Tenho muita confiança no empreendedorismo, por um lado, e no engenho. Vejo sempre o português como o Oliveira da Figueira do livro do Tim-Tim, que é o que nós somos de melhor. Se formos assim, vamos sair da crise. Se ficarmos a olhar à espera que isto volte a ser como era, então vai-nos correr muito mal.

TAP: "Tenho a certeza que a tentação será reabrir com a perspetiva de Lisboa. Considero isso absolutamente inaceitável".

Onde é que considera prioritário dar resposta na reabertura da economia no Porto?
Em primeiro lugar, precisamos das infraestruturas, portos, aeroportos, a funcionar. As cadeias de distribuição, por causa do encerramento de fronteiras, encontram grandes dificuldades. Por causa da nossa  geografia, não podemos estar muito condicionados com o transporte.Temos de ser capazes de chegar rapidamente com os nossos bens e produtos ao centro da Europa e aos Estados Unidos.

É o mais urgente?
É a coisa mais importante, neste momento. De resto, vamos deixar o mercado funcionar. Outra coisa que precisávamos era de ser muito competitivo nos preços das utilities, no preço da energia, muito competitivos no preço da gasolina e do gasóleo. E não somos, por múltiplas e variadas razões. Temos que ser capazes, no arranque, de reduzir aquilo os custos de contexto.

Um problema que já se discute há muito tempo, na economia portuguesa. Acha que há margem para acelerar agora?
Agora ainda é mais urgente porque, senão, quem vai pagar outra vez a redução do preço vai ser a mão de obra. Não podemos ter isso. Não podemos pedir mais sacrifícios do que já vão ser feitos pelas famílias, porque muitas delas vão ter desempregados no seu seio. E essas famílias têm que ter poder de compra para consumirem. Espero que aquilo que venha do envelope financeiro da Europa não seja feito como há dez anos: algumas das opções foram grandiloquentes, eleitoralmente muito interessantes, mas não reduziram os custos de contexto.

O turismo, as empresas, o papel da TAP e a tentação “inadmissível”

Já tem alguma perspetiva da dimensão do estrago no turismo este ano, no Porto?
Não temos noção. O que lhe posso dizer é que neste momento o turismo é zero. Temos de começar a olhar expectativa para a próxima primavera. Mas enquanto não houver uma forma de lidar com este vírus, as cidades vão sofrer imenso. O Algarve também vai sofrer. O mercado turístico responde muito mal ao medo. Enquanto não formos capazes de resolver isso o turismo não vai não vai ganhar a dimensão que tinha. E depois vamos ter o problema das fronteiras, o transporte aéreo que é um problema gravíssimo. Temo que as medidas que possam vir a afetar o transporte aéreo obriguem a uma reversão de duas décadas, com os preços que tínhamos no fim do século passado, que eram muito caros. E como é que a indústria da aviação vai-se salvar desta situação? Os países vão ser tentados a apoiar as companhias de bandeira e as companhias de bandeira, por causa disso, vão matar as low cost? Isso seria péssimo para um país como Portugal e para uma cidade como o Porto que viveu muito das low cost  – que neste momento estão paradas.

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Teme que, no caso da TAP, se possa passar aquilo que já identificou na distribuição de ventiladores, na distribuição de alimentos pelo Exército? Pode haver o risco de as decisões serem tomadas sob uma perspetiva lisboeta?
Tenho a certeza que será essa a tentação. E quero dizer que considero isso absolutamente inaceitável. Se a TAP for uma empresa privada, a decisão é dos seus acionistas. Se não precisar do nosso dinheiro, enquanto contribuintes, quem somos nós para interferir.  Agora, já percebemos que vai ter que haver uma fortíssima intervenção do Estado na TAP. Não sei se vai ser nacionalizada, se vai ser apoiada. Mas é certo que o dinheiro dos nossos contribuintes vai ser utilizado para salvar a TAP. É mais um salvamento da TAP, que tem vindo a ser salva não sei quantas vezes. É a única empresa que resta do tempo em que tínhamos um império colonial. Eu espero que a TAP sobreviva, por variadíssimas razões: é importante ter uma companhia de bandeira, tem um serviço a prestar. O cálculo que tem que ser feito não pode ser microeconómico. Tem de pensar-se no impacto para a economia. E na nossa região, numa primeira fase não vai ser sequer por causa do turismo, vai ser por causa dos negócios, das empresas exportadoras que aqui estão. Sem uma companhia de bandeira ficamos na mão de não sabemos que as companhias. Ao mesmo tempo, as medidas que a União Europeia está a tomar podem levar empresas como a Easyjet ou a Ryanair ao colapso.

Antes deste surto ganhar dimensão, havia alguns hotéis em construção no Porto. 
E continuam. Ainda ontem estava a ver e aqui em frente estão em construção.

"Ninguém está otimista com a recuperação. Neste momento o turismo está a zero. Os hotéis estão fechados e não é apenas aqui. Mas vai retomar"

Os empresários da hotelaria estão otimistas com a recuperação?
Ninguém está otimista com a recuperação. Neste momento o turismo parou, está a zero. Os hotéis estão fechados e não é apenas aqui. O turismo fechou. Mas vai retomar. Agora, que turismo? Como se vai comportar? O que é que vai procurar? Para isso, vai ser muito importante a imagem de Portugal. As pessoas vão procurar países em função da capacidade que o serviço nacional de saúde foi capaz de responder. Acho que nós saímos bem. As pessoas vão procurar vão procurar menos aglomerados de pessoas. Na cidade do Porto não temos esse tipo de atração. O Porto é mais olhado como small is beautiful, as pessoas não têm que estar concentradas

Há uns meses, a pressão turística era muito discutida em cidades como Lisboa e o Porto. Também aqui se suspendeu o licenciamento do alojamento local em zonas mais pressionadas, mas já reverteu essa decisão, entretanto. Porquê?
Congelámos em determinadas zonas específicas da cidade, enquanto se preparava uma versão final do regulamento que teríamos que agora apresentar em setembro. Neste momento não faz nenhum sentido. Seria quase insultuoso neste momento estar a dizer que uma pessoa que tem uma casa ali não pode não pode abrir um alojamento local. Logicamente, ela não o vai fazer porque percebe que não há mercado para isso. Por outro lado, como sabe, o governo por proposta do Parlamento por proposta do BE aprovou uma lei que penaliza fortemente os alojamentos locais nessas áreas de contenção.

De que maneira é que isso influenciou a sua decisão?
Eu não quero ser cúmplice disso, do esbulho fiscal dessas pessoas que já estão em grandes dificuldades e que foram condenadas, por razões ideológicas, depois de terem sido convidadas durante anos a fazer esse investimento.

“O corte na receita fiscal dos municípios vai prolongar-se por vários anos”

Têm sido contraditórios os sinais que são dados. O que é que podem esperar os proprietários do alojamento local? Tal como em Lisboa, também pretende que se aluguem casas à Câmara, que depois as subalugará a preços controlados.
Parece-me uma arma interessante para, por um lado ajudar pessoas que investiram no local e que hoje não têm clientes, será bom também para os hotéis porque reduzimos oferta de alojamento local, ajudamos a banca nacional que concedeu empréstimos para negócios que subitamente estão em dificuldade e, finalmente, resolve  o problema da habitação numa fase em que os municípios vão ter muita dificuldade em construir nova habitação.

Vai ser uma consequência da crise que se avizinha?
O corte na receita fiscal vai prolongar-se por vários anos. Os municípios financiam as suas atividades à base de impostos. A não ser as transferência do Estado, que também vêm de impostos. O IRS vai diminuir, a derrama – que é uma parte do IRC – também vai diminuir, o IMT também vai diminuir. A única coisa que não sabemos ao certo se vai diminuir é o IMI mas esse é apenas uma parcela das receitas municipais. Se os municípios vão ter menos receitas, não vão poder fazer grandes investimentos em termos de nova habitação. Então faz mais sentido a regeneração urbana, ou seja, é pegar em coisas que estavam feitas para turistas e que, pelo menos durante um tempo, vão ser para habitantes locais.

"Se Rui Rio quiser falar comigo, sabe onde é que eu estou e conhece os cantos à casa"

Rejeita, portanto, as críticas que a oposição lhe tem feito: depois de anos a não querer resolver o problema do alojamento local, está agora a aproveitar a pandemia para entregar a cidade à especulação imobiliária?
Eu compreendo que às vezes é preciso dizer alguma coisa, compreendo que oposição diga isso. A única coisa que me surpreende às vezes é que eu não tenho no executivo municipal o Bloco de Esquerda. Mas depois quando ouço até o PSD com argumentos que parecem do BE… surpreende-me. Admiro, nesse aspeto, a máquina de propaganda do Bloco de Esquerda que consegue convencer os mais desatentos daquilo que são os seus argumentos.

Está a falar aqui no Porto?
Estou a falar em geral, no país.

Qual é o calendário que tem previsto para que reabra o Bolhão, cujo prazo já foi ultrapassado?
Não tenho calendário previsto porque, neste momento, as alterações aos métodos construtivos que são necessárias e que já foram reconhecidas pela Direção Regional de Cultura do Norte ainda estão para apreciação pela Direção-Geral do Património Cultural. Enquanto não tiver esse parecer da DGPC, não posso não posso garantir. Mas admito que o mercado do Bolhão esteja com mais de um ano de atraso.

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Descentralização: “É inevitável que tenha de haver um reajuste de calendário”

Antes da pandemia, a descentralização era um assunto que estava em discussão. O Governo tinha até lançado um calendário para a transferência de competências. O Rui Moreira era um dos críticos que mais fazia ouvir relativamente a isso. Acha que a situação que se vive agora veio atrasar esse calendário?
Já antes da pandemia, a senhora ministra tinha tido uma reunião com as áreas metropolitanas e com as CIMs (Comunidades Intermunicipais) e já tinha reconhecido que era preciso ajustar o calendário. Agora com a pandemia, é absolutamente inevitável que haja um reajuste. Basta pensar que, para ficarmos com a delegação de competências na área da educação, teríamos de ser nós a preparar o ano escolar 20/21, o que é absolutamente impensável. Ainda ontem erro escrevi uma carta à senhora ministra a perguntar se estão tomadas medidas legislativas ou está a pensar tomar medidas. Percebo que não seja a urgência máxima do governo, mas quis recordar essas conversas e a recomendar que, tal como ela nos tinha prometido, este processo seja adiado.

E a regionalização que já tinha pedido que ficasse definida nesta legislatura?
Os partidos já disseram que não vai, portanto não vai.

Falou disso, no final do ano de 2019, já depois das eleições.
Eu achava que era importante que esse assunto tivesse sido discutido durante a campanha eleitoral e que as forças políticas tomassem compromissos relativamente a essa matéria. A partir do momento que o PS e o PSD entenderam que não queriam que o assunto fosse discutido durante a campanha eleitoral, e logo se apressaram a dizer que não será nesta legislatura, o assunto deixou de fazer qualquer sentido.

"Se pensam que é por esta forma que eu vou desistir, é o contrário. Eu sou o género de velejador que gosta de navegar à bolina contra o vento".

Como é que está a sua relação com o Partido Socialista aqui no Porto?
O Partido Socialista é minha oposição e faz parte da oposição.

Portanto tem um relacionamento normal Governo/oposição.
Um relacionamento normal, com um partido que ora vota favoravelmente, ora vota contra, ora se abstém. É uma relação democrática com aquela que é a segunda maior força política na cidade. Isto independentemente de eu não confundir o Partido Socialista na cidade com aquilo que é o Governo.Com o governo tenho procurado ter uma relação cordial e uma relação institucional. E com o Partido Socialista na cidade também não é uma relação não cordial. Também há vários partidos socialistas, há várias tendências, há pessoas mais radicais no Partido Socialista na cidade e outras que se aproximam mais da nossa visão. A democracia é assim mesmo. É bom que haja oposição, ainda bem que o PS faz parte da oposição e faz as alianças que lhe convém.

“A cidade do Porto, enquanto for presidida por mim, é mais vulnerável a deliberações políticas inconvenientes do Tribunal de Contas”

Não é segredo para ninguém que não tem relações muito próximas com o líder do PSD Mas já o acusou recentemente de querer ganhar no Porto as próximas autárquicas na secretaria, por causa de propostas de alteração à lei que regula a eleição para os orgãos das autarquias locais, e o novo regime das PPP. Acha que se tratou de uma estratégia para as autárquicas?
Não fui eu que me pronunciei, foi o meu movimento que se pronunciou sobre essa questão da alteração das regras do jogo. É evidente que o PSD já tinha tentado isso antes das últimas eleições. Tentou fazer isso através do tribunal e perdeu. Eu acho que o PSD tem querido ganhar na secretaria coisas que não têm ganhado nas urnas. Não parece ser um bom princípio, não me parece que traga nada de bom, mas isso o PSD é que tem que saber. Quanto à questão das parcerias público privadas também não fui eu que disse que o PSD tomou esta iniciativa por causa do Matadouro Municipal, e houve outros partidos que tomaram igual posição. A verdade é que nós conseguimos que o Matadouro fosse aprovado. Se era essa a intenção, não resultou. Se era outra, terá de perguntar ao PSD. A minha relação com o PSD na cidade é exatamente a mesma que  com o PS. É oposição.

Com o PSD nacional não será exatamente igual. 
Não temos relação com o PSD nacional.O que também não é normal porque eu não tenho relação com o PS nacional.

A questão é que o PSD nacional é dirigido pelo seu antecessor aqui na Câmara do Porto.
Ele nunca procurou falar comigo. Eu também nunca tive necessidade de falar com ele. Se ele quiser falar comigo, sabe onde é que eu estou e conhece os cantos à casa.

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O Matadouro o projeto já recebeu luz verde do Tribunal de Contas depois de ter tido um primeiro chumbo. Na altura queixou do TdC como uma força de bloqueio. Este revés na decisão vai permitir uma relação diferente com o Tribunal de Contas a partir de agora?
Depois deste veto, que demorou 14 meses ou 15 meses, o Tribunal de Contas acabou por dar razão ao nosso recurso. Mas isso atrasou tudo em cerca de dois anos, mais coisa menos coisa. Na última reunião do executivo, o líder do PS Porto, Manuel Pizarro disse que a Câmara do Porto deve estar muito agradecida ao Governo, por o Governo ter interferido nisto. E até disseram mais, e eu também estou de acordo, que devemos agradecer ao senhor Presidente da República. Ou seja, se temos que agradecer ao Governo e ao Presidente da República uma decisão de um tribunal, então quer dizer que estamos perante um tribunal político. Se é um tribunal político, e não estando eu representado no Parlamento, não tendo força política a nível nacional, tenho que subentender que a cidade do Porto, enquanto for presidida por mim, é mais vulnerável a deliberações políticas inconvenientes por parte do Tribunal de Contas do que a grandes favores. Isto resulta da apreciação do que foi dito pelas forças partidárias. Eu já fiz os meus salamaleques, já agradeci, naturalmente, mas seria bom que não tivesse que ser assim. Quando estamos à espera de uma decisão de um recurso para esse tribunal, estamos à espera que seja pela lei, pelos princípios. Não estamos à espera que seja porque, já agora, tivemos uma ajuda. Mas estou convencido que foi com essa ajuda e agradeço-a.

Se diz que está mais vulnerável, significa que se estão a criar as condições que chegou a apontar para a decisão de uma recandidatura? Disse que se tivesse obstáculos às decisões que queria tomar, se houvesse questões externas que o impediam de exercer o mandato como achava que devia exercer, que avançaria para um terceiro mandato. Isto configura um desse fatores?
Não é tempo de falar nisso.

Estas condições foi o Rui Moreira que as estabeleceu.
E é verdade. Aquilo que disse na altura, continuo a dizer. Se pensam que é por esta forma que eu vou desistir, é o contrário. Eu sou o género de velejador que gosta de navegar à bolina contra o vento. Portanto, se querem que eu me vá embora, não façam isso. Não será por isso que me vou embora.

É um ponto em comum que tem com Rui Rio. Aparentemente, têm a mesma atitude.
Talvez. É capaz de ser do nome. Não acho que seja muito do feitio, portanto, é capaz de ser o nome.

[A entrevista na íntegra à Rádio Observador:]

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