O diploma do Governo que proíbe “festivais e espetáculos de natureza análoga” até 30 de setembro, com exceção de festivais e espetáculos análogos “com lugar marcado e no respeito pela lotação especificamente definida pela DGS“, foi aprovado esta quinta-feira na generalidade, na Assembleia da República.
A proposta foi votada favoravelmente, na fase de generalidade, por Partido Socialista e PAN e teve o voto contra da deputada não inscrita Joacine Katar Moreira. As restantes bancadas — PSD, CDS, BE, CDU, Chega e Iniciativa Liberal — abstiveram-se.
Segue-se o debate na especialidade, que acontecerá na comissão parlamentar competente — a Comissão de Cultura e Comunicação. Já após debate na especialidade, o diploma terá de ser submetido a votação final global em plenário.
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Durante o debate na Assembleia da República, houve alguns momentos de maior crispação. Um deles foi o que opôs a deputada do CDS-PP Ana Rita Bessa à deputada do PAN, Cristina Rodrigues.
Depois de criticar a proposta do Governo relativa aos festivais — por conter “conceitos indefinidos ou mal definidos que poderão vir a gerar discriminações e eventualmente até exceções não pretendias” — e de questionar “o que cabe na expressão festivais e o que cabe na expressão ‘de natureza análoga’ —, a centrista Ana Rita Bessa quis falar de um dos projetos-lei do PAN que exclui apoios a profissionais culturais da tauromaquia. “O PAN atende nesse projeto não aos apoios às atividades artísticas, mas os apoios aos artistas; não ao espetáculo, mas às pessoas que ficam sem rendimento”.
É particularmente gravoso que taxativamente deixe de fora o espetáculo tauromáquico. Para o PAN, aparentemente há os que merecem e os que podem ficar na precariedade e sem esses apoios. Afinal, não estamos unidos. É o partido de todos os animais mas só de algumas pessoas”, acusou Ana Rita Bessa.
Em resposta, a deputada do PAN, Cristina Rodrigues, apontou: “Quando falamos de cultura não estamos a falar de tauromaquia”, que o partido liderado por André Silva não considera ser uma atividade cultural. “Desviar dinheiros públicos para apoiar aqueles que ganham a sua vida a torturar animais não é e não será certamente a prioridade do PAN”, referiu ainda.
O “elefante na sala” foi a Festa do Avante!
Outro tema forte foi a Festa do Avante!, o evento-festival anual do PCP com concertos e atividade política. A discussão sobre se este poderá ser ou não uma exceção às limitações impostas aos festivais — o primeiro-ministro António Costa tinha dito que não pretendia limitar a “atividade política” — prosseguiu esta quinta-feira no Parlamento, mas não trouxe clarificação.
Só o debate e votação na especialidade deverá permitir perceber se a Festa do Avante se enquadrará ou não nos “festivais e espetáculos de natureza análoga, em recintos cobertos ou ao ar livre”, que o Governo só permitirá até 30 de setembro com lugares marcados, lotação mais reduzida e medidas de distanciamento entre pessoas que sejam aprovadas pelas autoridades.
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O PSD, por exemplo, posicionou-se sobre o “elefante na sala”. Para os sociais-democratas, com o “rigor e equilíbrio” que se exige nesta altura, “é manifestamente impossível pensar que uma festa” como o Avante, que o PSD não percebe “se é festa travestida de comício ou comício travestido de festa”, tenha lugar. E lembrou que “não houve Santo António, São João”, celebrações do 13 de maio em Fátima com peregrinos e que o próprio partido laranja cancelou eventos no Pontal e na Madeira. Além disso, o PSD criticou o diploma proposto pelo Governo, que considera “pouco claro, pouco objetivo e pouco competente”.
Já o deputado único do Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo, apontou: “Podia dizer muito em relação a esta proposta de lei, mas vou concentrar-me no elefante na sala. Tem ficado claro nas últimas semanas que há filhos e enteados. PCP diz que festa do avante não é simples festival de música. É um meio de financiamento do PCP sem pagar IVA e outros impostos, coisa que os restantes festivais têm de pagar”.
Também o deputado único do Chega, André Ventura, questionou o diploma do Governo: “Vamos ter, como sabemos, exceções. E já vimos que as exceções correram mal. Já soubemos pelo senhor primeiro-ministro que vamos ter uma exceção para a Festa do Avante, não as vamos ter para os outros [festivais]. Vai o Governo sujeitar-se ao mesmo espetáculo do 1º de maio [manifestação da CGTP]?”.
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O PAN fez igualmente referência à Festa do Avante. Através da deputada Cristina Rodrigues, o partido de André Silva começou por dizer que “a proposta de lei do Governo gera dúvidas”, dado que “determina a proibição até 30 de setembro mas deixa dúvidas sobre que espetáculos estão abrangidos ou não pela proibição”. Nomeadamente, referiu a deputada, o PAN ficou com dúvidas se a Festa do Avante poderá decorrer este ano, notando: “Não falamos da atividade política, mas de tudo o que acontece [no Avante!] além disso”.
O Bloco de Esquerda (BE), por sua vez, preferiu focar atenções nas suas propostas inseridas no Projeto de Lei n.º 370/XIV/1.ª, relativo à “proteção dos direitos dos trabalhadores da cultura em crise pandémica e económica”. Beatriz Dias, deputada bloquista, defendeu que “os cancelamentos devem ser pagos a 100% no respeitante a despesas com trabalho, “incluindo pagamento a trabalhadores externos, independentes, assistentes de sala” e outros. Os adiamentos de espetáculos, defendeu o BE, “não devem ser pretexto” para que o pagamento não aconteça já.
Já Joacine Katar Moreira, na apresentação do seu projeto de lei que “estabelece medidas excecionais e temporárias afetas ao sistema cultural português, no âmbito da crise epidemiológica”, vincou que durante o confinamento muitos portugueses beneficiaram do “esforço” de “artistas e agentes culturais”, que ensinaram as pessoas a relacionarem-se “com um ambiente hostil”. Mesmo com “mínimos apoios”, um “ambiente de dificuldades absurdas” e uma “instabilidade enorme, dificuldades laborais enormes”, conseguem “criar, fazer arte, contribuir para toda a sociedade, contribuir para a nossa história nacional individual e para a nossa felicidade em ambiente de dificuldades absurdas”. Muitas destas medidas excecionais que são propostas, entende Joacine, “devem ser regulares”.
A proposta do Governo e os restantes projetos-lei
O Governo tinha proposto inicialmente a proibição, “até 30 de setembro de 2020”, da “realização de festivais e espetáculos de natureza análoga, em recintos cobertos ou ao ar livre”. Porém, abria uma exceção para os espetáculos “em recinto coberto ou ao ar livre, com lugar marcado e no respeito pela lotação especificamente definida pela Direção-Geral da Saúde em função das regras de distanciamento físico que sejam adequadas face à evolução da pandemia da doença COVID-19″. Ou seja: há exceções que poderiam acontecer, mediante lugar marcado, lotação mais reduzida e luz verde dada pelas autoridades aos moldes previstos de funcionamento.
No diploma do Governo (Proposta de Lei n.º 31/XIV/1.ª) era ainda proposto que “os portadores de bilhetes de ingresso dos espetáculos referidos no n.º 1 têm direito à emissão de um vale de igual valor ao preço pago”, válido “até 31 de dezembro de 2021” e para “o mesmo espetáculo a realizar em nova data ou para outros eventos realizados pelo mesmo promotor”.
O reembolso estava previsto, no diploma do Governo, caso o vale referido não fosse “utilizado até ao dia 31 de dezembro de 2021”, sendo depois possível de solicitar “no prazo de 14 dias úteis”, já no ano de 2022.
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Deram entrada também dois projetos de Lei do PAN (nº 337/XIV/1ª e nº 340/XIV/1ª), do Bloco de Esquerda (n.º 370/XIV/1.ª) e da deputada não inscrita Joacine Katar Moreira (n.º 373/XIV/1.ª).