A chegada do verão não deve resfriar a transmissão do SARS-CoV-2, afirma um estudo da Universidade de Toronto, no Canadá, anunciado este mês. Os investigadores não encontraram evidências de que o clima mais quente influencia a transmissão do novo coronavírus ou a severidade da doença que ele provoca.
São notícias que chegaram pouco antes de Portugal anunciar as regras de utilização das praias a cumprir a partir de 6 de junho, dia da entrada na época balnear, e ao longo de todo o verão. O estado de ocupação será medido através de um semáforo virtual, os chapéus de sol têm de estar afastados pelo menos três metros e os vendedores das bolas de Berlim têm de usar máscara e viseira.
São medidas que o presidente da Câmara de Matosinhos considerou “muito desafiantes”, mas que este estudo pode suportar: após analisarem 144 áreas geopolíticas, os investigadores descobriram que aquelas que tiveram tempo estival em março não apresentaram nenhuma vantagem em relação às outras. A diferença esteve mesmo nos países com medidas de restrição mais apertadas no que toca aos ajuntamentos ou encerramentos de escolas.
Este é o primeiro estudo revisto pelos pares feito fora da China que demonstra uma probabilidade baixa de o clima influenciar a capacidade de transmissão do SARS-CoV-2. Aliás, no comunicado de imprensa publicado na página da universidade, Dionne Gesink, epidemiologista e uma das autoras da investigação, concluiu que “o verão não vai fazer isso desaparecer”:
“É importante que as pessoas saibam disto. Por outro lado, quanto mais intervenções de saúde pública uma área tiver, maior o impacto na redução do crescimento da epidemia. Essas intervenções de saúde pública são realmente importantes porque são a única coisa que está a funcionar neste momento para retardar a epidemia”, descreveu a cientista e professora catedrática.
Os primeiros resultados obtidos pelo grupo de investigadores contraria esta conclusão. O estudo preliminar que antecedeu o relatório em causa dizia que a latitude e a temperatura tinha um efeito na transmissão do novo coronavírus. Mas após repetirem a experiência, desta vez com uma metodologia mais rigorosa, a equipa chegou a outras respostas.
Até há pouco tempo, a hipótese de que o calor podia desacelerar a propagação do vírus da Covid-19 estava em cima da mesa. Em fevereiro, ainda antes da imposição do confinamento em Portugal, os especialistas em infecciologista explicaram ao Observador que havia uma possibilidade de a aproximação da primavera e do verão poder atenuar o alastramento do novo coronavírus e desacelerar o surto.
Chegada da primavera pode (mas sem certezas) atenuar surto de coronavírus
Era assim porque o novo coronavírus é pouco estável a temperaturas mais altas — parece ficar inativo a 60ºC — e no tempo seco.
“Se os fervermos ou pelo menos submetermos a temperaturas entre os 60ºC e os 65ºC durante algum tempo, eles morrem. Também prosperam melhor quando não há humidade, por isso dão-se mal com a humidade. E isso torna-os mais sensíveis aos nossos verões e ao clima mediterrânico”, descreveu à época o infecciologista Jaime Nina, do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT)
No entanto, tanto Jaime Nina como Ana Horta e o virologista Ricardo Parreira, todos do IHMT, concordaram que não havia “absolutamente nada” na literatura científica que indique como é que o novo coronavírus se iria comportar com a entrada na primavera.
Mas o clima pode não ser o único aspeto a considerar no momento de avaliar a evolução do vírus ao longo do tempo e de acordo com as estações: o comportamento social também pode dizer-nos algo sobre o que aí vem. Em fevereiro, a infecciologista Ana Horta considerou que outro aspeto que poderia contribuir para a atenuação do surto com a chegada da primavera não tem nada a ver com o vírus, mas sim com as pessoas.
“É possível que o surto atenue, não por causa do vírus mas porque as pessoas estão mais afastadas, estão mais ao ar livre e menos próximas umas das outras. Como deixamos de estar fechados no mesmo sítio, há menos capacidade de propagação através das partículas expelidas pela tosse ou espirros. Mas esse é apenas um dos muitos fatores a considerar”, explicou Ana Horta ao Observador.