O programa para recuperar a economia da União Europeia na sequência da crise provocada pela pandemia da Covid-19 prevê um montante de 45 mil milhões de euros especificamente destinados a investimentos ambientais e em recursos naturais, a que se juntam outros instrumentos financeiros que vão privilegiar investimentos sustentáveis. No total, o orçamento comunitário para os próximos sete anos tem mais de 400 mil milhões de euros destinados à área da sustentabilidade — quase um quarto da totalidade do orçamento.
O programa “Next Generation EU” foi apresentado nesta quarta-feira pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von ver Leyen, e consiste num reforço de 750 mil milhões de euros ao Quadro Financeiro Plurianual — o orçamento da UE para os anos 2021-2027 —, no valor de 1,1 biliões de euros.
No total, a União Europeia vai ter 1,85 biliões de euros para relançar a economia nos próximos anos, depois de já ter acionado alguns mecanismos de emergência para dar resposta à fase aguda da crise, no total de 540 mil milhões de euros (como o programa SURE para combater o desemprego, o fundo do Banco Europeu de Investimento para as empresas e as linhas de crédito específicas do Mecanismo Europeu de Estabilidade).
Ponto por ponto. Com que linhas se cose a “bazuca” da UE contra a crise económica
Desde o início das discussões sobre um plano de grande amplitude para relançar a economia europeia após a pandemia da Covid-19, os responsáveis europeus têm sublinhado a necessidade de assegurar que este processo é sustentável. O vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, responsável pelo European Green Deal e pela lei climática europeia, chegou mesmo a assegurar que “cada euro” gasto na recuperação teria de ir “para uma nova economia e não para estruturas antigas”.
Quer no documento preparatório apresentado por von der Leyen e Charles Michel (presidente do Conselho Europeu), quer em entrevistas que antecederam a divulgação do plano, os sinais que chegavam de Bruxelas apontavam no sentido de que fosse dada uma grande prioridade à “dupla transição” — a digital e a energética —, com o objetivo de tornar a economia europeia simultaneamente mais digital e mais limpa.
Agora, o orçamento comunitário para os anos 2021-2027 parece, de um modo genérico, ter correspondido às expectativas — embora o setor ambientalista, incluindo em Portugal, considere que o executivo europeu podia ter ido mais longe. No total, o próximo Quadro Financeiro Plurianual atribui 402 mil milhões de euros para a rubrica dos “recursos naturais e ambiente”, dos quais 45 mil milhões vêm do programa “Next Generation EU”.
Além disso, todos os outros apoios — às empresas, ao investimento privado e à investigação científica, por exemplo — só serão atribuídos se não puserem em causa os objetivos ambientais da União Europeia (designadamente o de atingir a neutralidade carbónica até 2050). “Se os planos não se adequarem a isso, não vão receber apoio financeiro da União Europeia”, disse esta quinta-feira o comissário europeu Frans Timmermans.
Uma das faces mais visíveis da ação climática no programa de apoio europeu ao relançamento da economia é o reforço significativo do Fundo de Transição Justa para a transição energética, que recebe mais 30 mil milhões de euros e passa a contar com um total de 40 mil milhões. De acordo com a Comissão Europeia, este fundo “vai ser usado para aliviar os impactos socioeconómicos da transição rumo à neutralidade climática nas regiões mais afetadas, por exemplo apoiando a requalificação de trabalhadores, ajudando as PMEs a criar novas oportunidades económicas e investindo na transição para energias limpas e na economia circular”.
É preciso recuperar da crise económica sem agravar a crise ambiental. Mas como é que isso se faz?
“A recuperação e prosperidade futura da Europa vai depender dos passos que dermos agora para nos prepararmos para a transição para uma economia carbonicamente neutra, eficiente no uso dos recursos e circular. Estas mudanças vão afetar todos os europeus, mas o fardo do ajustamento vai ser mais forte em alguns setores e regiões do que noutros”, reconhece a Comissão Europeia. Portugal, que inicialmente previa receber 79,2 milhões de euros no âmbito deste fundo, poderá agora vir a receber 465 milhões devido a este reforço.
Os outros 15 mil milhões de euros destinados especificamente ao setor do ambiente vão servir para reforçar a Política Agrícola Comum, designadamente através de um aumento do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural, que fica com um novo total de 90 mil milhões de euros à disposição. No total, a Política Agrícola Comum fica orçamentada em 348,3 mil milhões de euros, a principal fatia das verbas destinadas ao setor ambiental.
“As áreas rurais vão ter um papel vital na transição verde e no alcance dos ambiciosos objetivos climáticos e ambientais da Europa”, diz a Comissão, sublinhando que o reforço deste fundo servirá para “ajudar os agricultores e as áreas rurais a fazer as mudanças estruturais necessárias para implementar o European Green Deal”.
No âmbito dos incentivos aos investimentos privados, a Comissão Europeia também determina que os apoios europeus estarão ligados a contrapartidas ambientais. Um novo instrumento financeiro destinado a “apoiar urgentemente empresas europeias viáveis nos setores, regiões e países mais afetados”, que estará disponível já a partir de 2020, com 31 mil milhões de euros oriundos do programa “Next Generation EU”, tem como objetivo apoiar as empresas e prepará-as “para um futuro mais limpo, digital e resiliente”.
Para o setor da investigação científica vai um reforço de 94,4 mil milhões de euros, através do programa Horizon Europe, que a Comissão Europeia diz serem destinados a apoiar “investigação nas áreas da saúde e do clima e atividades de inovação”.
Outros apoios ao ambiente vão chegar no âmbito da cooperação internacional, com um fundo de 86 mil milhões de euros, que deverão ser encaminhados para diferentes realidades — incluindo a colaboração com as Nações Unidas, a OMS e os países vizinhos da UE, sobretudo os Balcãs. Embora grande parte deste financiamento seja destinado, como expectável, ao apoio estrutural ao setor da saúde e às empresas, a Comissão Europeia quer que sejam privilegiados investimentos sustentáveis e em projetos de energias renováveis.
Ambientalistas queriam mais
O programa comunitário para o relançamento da economia foi, genericamente, bem recebido pelos ambientalistas. Mas, como explicou na semana passada a associação portuguesa Zero, num documento de cinco páginas enviado aos meios de comunicação social, o plano ficou “aquém” do expectável em algumas áreas fundamentais.
“As propostas da Comissão representam um passo importante na direção certa”, assegura a associação ambientalista. “No entanto, muito mais precisa de ser feito e as propostas de hoje estão longe de serem perfeitas. Por exemplo, não conseguem resolver o enorme problema da poluição tóxica, que é uma grande ameaça à nossa saúde. A parte da estratégia de aprender lições da crise nem menciona a destruição de habitats e a perda de biodiversidade, que têm sido amplamente apontadas como as principais causas de novas doenças.”
“O orçamento da UE deve contribuir para reduzir as emissões nocivas na fonte e restaurar um equilíbrio saudável com a natureza. Deve refletir a necessidade de extrair menos, economizar recursos e reduzir a poluição, de acordo com os objetivos existentes de clima, biodiversidade, economia circular, qualidade da água e do ar, sem tóxicos e em linha com a ambição de poluição zero da UE”, acrescenta a associação portuguesa.
A associação liderada pelo ambientalista Francisco Ferreira reconhece “virtudes” no programa da UE, assumindo que “algumas das propostas são boas”: por exemplo, o investimento em edifícios modernos (os edifícios antigos são responsáveis por 36% das emissões poluentes na UE), em energias renováveis, em transportes leves e na economia circular. Porém, lamenta que a “perda de biodiversidade e a poluição tóxica” tenham ficado de fora.
Na lista de problemas, a Zero inclui as questões ligadas à alimentação, criticando o excessivo apoio à Política Agrícola Comum — que historicamente o setor ambientalista tem criticado. “Os fundos da UE devem apoiar a produção local de alimentos, com cadeias de abastecimento curtas e produção diversificada. Esta é a única maneira de garantir verdadeiramente a resiliência dos futuros agricultores a choques: clima, epidemias ou crises económicas.”
A associação critica também a postura geral da UE de tentar retomar a economia europeia em vez de a reconstruir do início. “Reconstruir não significa voltar ao normal. Normal era o problema. Normal era uma economia que consumia tanto as pessoas como o nosso planeta. Em toda a Europa, as pessoas precisam que o bem-estar seja a principal prioridade, não o PIB”, diz a Zero.