Os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto avançaram esta sexta-feira para a suspensão de funções de António Mexia de presidente executivo da EDP e de João Manso Neto da liderança da EDP Renováveis, assim como de quaisquer outras funções em órgãos sociais do Grupo EDP que os dois gestores desempenhem. Suspeitos de quatro crimes de corrupção ativa no caso das rendas excessivas da EDP, Mexia e Manso Neto têm agora até dia 15 de junho para se pronunciarem sobre os argumentos do Ministério Público (MP). Só depois de ouvir a defesa é que o juiz Carlos Alexandre, titular dos autos no Tribunal Central de Instrução Criminal, tomará a decisão.
A notícia foi dada esta tarde pela SIC Notícias foi confirmada pelo Observador — que já tinha antecipado esta possibilidade a 25 de maio — e é uma consequência natural do agravamento das medidas de coação que o MP tinha solicitado aquando da promoção de interrogatório judicial no Tribunal Central de Instrução Criminal.
O MP solicitou ainda que Mexia e Manso Neto depositem respetivamente uma caução de um valor não inferior a dois milhões de euros e a um milhão de euros, a entrega do passaporte e a proibição de viajar para o estrangeiro. Por último, o MP quer que os dois gestores fiquem igualmente impedidos de entrarem em todos os edifícios do Grupo EDP e de contactar com outros arguidos e testemunhas do processo judicial, tal como confirma um comunicado emitido entretanto pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).
António Mexia arrisca-se a ser suspenso como presidente da EDP
A reação da EDP: promoção do MP é “desproporcional, insensata e ilegal”
Em comunicado, a EDP considera esta promoção pelo MP como “absolutamente desproporcional, insensata e ilegal.” E acrescenta que, “tratando-se de uma mera proposta, esta posição do MP não tem qualquer efeito do ponto de vista da gestão da EDP.”
A elétrica argumenta ainda que os “factos nos quais assentam as imputações criminais formuladas continuam a não estar, de forma alguma, fundamentados”. Em concreto, a empresa diz ainda que, ao contrário “daquilo que é jurisprudência pacífica, constante e uniforme nesta matéria, não são invocados, concretizados e indiciados quaisquer perigos concretos que fundamentem a aplicação de medidas de coação, como é exigido por lei.”
A EDP lembra ainda que ao fim de precisamente três anos após a sua constituição como arguidos (e da realização de outras diligências), “não se compreende a razão que motiva, agora, a pretensão do agravamento do estatuto coativo de António Mexia e de João Manso Neto. Isto porque o Ministério Público, simplesmente, continua sem o dizer.”
No entanto, esta posição será dificilmente sustentável se as medidas de coação pedidas pelo procuradores do caso foram autorizadas. Para já, não foi possível esclarecer se o comunicado da elétrica foi sustentado pelo Conselho Geral e Supervisão da EDP, onde têm assento os principais acionistas da elétrica que estiveram ao lado de Mexia e Manso Neto quando os dois gestores foram constituídos arguidos há três anos.
A EDP é uma empresa com grande visibilidade internacional e milhares de investidores estrangeiros que podem não estar confortáveis com esta situação. As ações do grupo caíram fortemente esta sexta-feira na bolsa, mais de 3% no caso da EDP. O mandato de António Mexia, que está desde 2006 na presidência executiva da elétrica, termina no final deste ano.
Ao que o Observador apurou, a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, o regulador do mercado de capitais, está a avaliar as consequências da ação do Ministério Público.
Conceição com tratamento diferenciado: suspensão pode ser substituída por caução
Quanto a João Conceição, administrador da REN suspeito de dois crimes de corrupção passiva enquanto ex-consultor do ex-ministro Manuel Pinho, o MP promoveu um agravamento diferenciado da medida de coação. E aqui entram os famosos conceito técnico-jurídicos que explicam a diferença. Enquanto que no caso de Mexia e Manso Meto, o MP promoveu a suspensão de funções e o depósito de caução de forma cumulativa, para Conceição os procuradores promoveram subsidiariamente a aplicação de suspensão de funções “em empresas concessionária ou de capitais públicos, bem como qualquer cargo de gestão/administração em empresas do GRUPO REN, ou por este controladas, em Portugal ou no estrangeiro”, lê-se no comunicado entretanto emitido pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal, e a aplicação de uma caução de 500 mil euros.
O que significa isto, nomeadamente aquele “subsidiariamente”? Se o juiz Carlos Alexandre não determinar a suspensão de funções, poderá determinar em seu lugar o depósito de uma caução de 500 mil euros ou de um valor inferior. Isto se o magistrado do Tribunal Central de Instrução Criminal entender que há lugar para o agravamento das medidas de coação, claro.
Ao Observador, a defesa de João Conceição afirma que vai “contestar de forma muito firme a totalmente infundada, inesperada e até arbitrária proposta do Ministério Público, sobretudo depois de 8 anos de processo e do que nele tem sucedido”, afirmam os advogados Rui Patrício e Tiago Geraldo do escritório Morais Leitão Galvão Teles.
As razões para o agravamento das medidas de coação
O agravamento das medidas de coação baseia-se num conjunto de factos novos que o MP juntou aos autos. Tal como o Observador já tinha noticiado, essas novas suspeitas estão relacionadas com a construção da barragem do Baixo Sabor, localizada em Trás-os-Montes e que veio a custar cerca de 760 milhões de euros à EDP em 2016.
O MP suspeita que António Mexia e João Manso Neto, com a ajuda do ex-ministro Manuel Pinho, terão alegadamente beneficiado o consórcio liderado pelo Grupo Lena e a Odebrecht Portugal (então designada de Bento Pedroso Construções) na adjudicação daquela obra no dia 30 de junho de 2008. Mais tarde, em 2016, a elétrica pagou cerca de 13 milhões de euros por trabalhos a mais que não estavam previstos no contrato inicial e que estão agora sob suspeita.
António Mexia e João Manso Neto suspeitos de terem prejudicado a EDP
O MP considera que terá ocorrido um alegado prejuízo patrimonial para a empresa, razão pela qual imputou o crime de participação económica a António Mexia e a João Manso Neto — que se juntou aos quatro crimes de corrupção ativa igualmente imputados aos líderes da EDP e da EDP Renováveis.
A EDP, por seu lado, sempre defendeu que a adjudicação é legal e que o pagamento de 13 milhões de euros é igualmente lícito (por corresponder a trabalhos efetivamente realizados). Além disso, a decisão não foi tomada por Mexia e Manso Neto mas sim pelo conselho de administração da EDP, que aprovou por unanimidade o pagamento — que foi posteriormente auditado pela Ernst & Young.
Já no caso de João Conceição, que foi interrogado duas vezes no caso EDP desde novembro de 2019, o MP suspeita que o ex-consultor de Manuel Pinho e atual administrador da empresa REN – Redes Energéticas Nacionais “aderiu” em janeiro de 2007 ao “pacto” acordado originalmente entre o ex-ministro da Economia, António Mexia e João Manso Neto para conceder alegados benefícios de 1,2 mil milhões de euros à EDP, tendo recebido como alegada contrapartida o pagamento dos seus salários pela EDP enquanto trabalhou no gabinete de Manuel Pinho. Daí que o MP lhe tenha imputado dois crimes de corrupção passiva para ato ilícito no interrogatório que decorreu a 28 de novembro.
“Manuel Pinho terá causado um prejuízo de 1,2 mil milhões de euros aos portugueses”
Os outros casos que envolveram líderes e administradores de empresas cotadas
As medidas de coação pedidas para os dois principais gestores EDP, a maior empresa portuguesa, são praticamente inéditas em investigações criminais desta natureza. Em regra, e no passado recente, as investigações judiciais desencadeadas por suspeitas de crimes de gravidade comparável foram abertas já depois da saída dos gestores, como aconteceu por exemplo na PT e no Banco Espírito Santo.
No caso Face Oculta, o inquérito do Ministério Público incidiu sobre gestores que estavam em funções em empresas que negociavam na bolsa. A constituição como arguidos do então presidente da REN, José Penedos, e do administrador do BCP, Armando Vara, teve consequências quase imediatas nos cargos que ocupavam, mas não por iniciativa das instâncias judiciais. Armando Vara suspendeu funções de vice-presidente do BCP por pressão do então governador Vítor Constâncio, tendo abandonado o cargo meses depois. Mais tarde foi acusado, julgado e condenado por dois crimes de tráfico de influências e cumpre pena de quatro anos de prisão em Évora. Já José Penedos deixou de exercer o cargo de presidente executivo, tendo sido substituído interinamente por outro administrador, Rui Cartaxo — igualmente arguido no caso EDP. Penedos foi condenado a uma pena de prisão de três anos e meio pelos crimes de corrupção passiva e participação económica em negócio.
Há ainda o caso Galpgate onde um administrador da petrolífera (o ex-secretário de Estado Costa Pina) foi constituído no início do inquérito, e mais tarde acusado, mantendo-se em funções. No entanto, o crime em investigação — o crime de recebimento indevido de vantagem devido à alegada oferta de bilhetes e viagens para o Euro2016 a vários membros do Governo e outros responsáveis políticos por parte da Galp —, não assumia a mesma gravidade dos factos que estão a ser investigados num inquérito da EDP.
Galpgate. Ex-secretários de Estado e administrador da Galp acusados no caso das viagens do Euro 2016
DCIAP emite comunicado
Entretanto, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal emitiu um comunicado sobre as medidas de coação requeridas pelos procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto no caso EDP. Leia aqui na íntegra:
“Na sequência de informação divulgada na comunicação social sobre as medidas de coação propostas pelo Ministério Público relativamente a três arguidos do designado processo EDP/CMEC, esclarece-se:
O Ministério Público imputa aos arguidos António Mexia e Manso Neto, em coautoria, a prática de quatro crimes de corrupção ativa e de um crime de participação económica em negócio. Ao arguido João Conceição é imputada a prática de dois crimes de corrupção passiva para ato ilícito.
Na sequência dos interrogatórios judiciais, o Ministério Público propôs a aplicação das seguintes medidas de coação:
António Mexia
– Suspensão do exercício de função em empresas concessionária ou de capitais públicos, bem como qualquer cargo de gestão/administração em empresas do GRUPO EDP, ou por este controladas, em Portugal ou no estrangeiro;
– proibição de se ausentar para o estrangeiro com a obrigação de entregar o passaporte;
– proibição de contactar, por qualquer meio, designadamente com arguidos e testemunhas;
– proibição de entrada em todos os edifícios da EDP; e
– prestação de caução em valor não inferior a dois milhões de euros.
Manso Neto
– Suspensão do exercício de função em empresas concessionária ou de capitais públicos, bem como qualquer cargo de gestão/administração em empresas do GRUPO EDP, ou por este controladas, em Portugal ou no estrangeiro;
– proibição de se ausentar para o estrangeiro com a obrigação de entregar o passaporte.
– proibição de contactar, por qualquer meio, designadamente com arguidos e testemunhas;
– proibição de entrada em todos os edifícios da EDP;
– prestação de caução em valor não inferior a um milhão de euros.
João Conceição
– Suspensão do exercício de função em empresas concessionária ou de capitais públicos, bem como qualquer cargo de gestão/administração em empresas do GRUPO REN, ou por este controladas, em Portugal ou no estrangeiro;
– proibição de contactar, por qualquer meio, com arguidos
Subsidiariamente, e para o caso de não ser aplicada a referida medida de suspensão do exercício de função, o Ministério Público requer que o arguido preste um caução, de valor não inferior a 500 mil euros.”