Armando Vara pediu para cumprir lá a pena e a Direção dos Serviços Prisionais aceitou. Esta terça-feira, o ex-ministro e antigo administrador da Caixa Geral de Depósitos e do BCP passou a ser o recluso mais recente do Estabelecimento Prisional de Évora. Não se conhecem ainda detalhes das condições específicas em que ficará preso, mas o mais provável é que Vara seja colocado numa cela individual — quarto de oito metros quadrados que é um luxo a que nem todos os detidos têm direito. Isto porque a cadeia, com lotação para 35 reclusos, tem, nesta altura, mais de 40.

De resto, o seu dia será igual ao de todos os outros, não se esperando que a presença de Armando Vara, condenado a cinco anos de prisão no processo Face Oculta, altere a rotina daquela localidade como aconteceu quando José Sócrates, antigo primeiro-ministro — o recluso 44 — ali esteve a cumprir prisão preventiva. Nessa altura, a romaria de nomes influentes da política portuguesa era uma constante, como Mário Soares, uma presença assídua, ou António Costa, além de grupos de apoiantes.

No interior da cadeia de Évora estão essencialmente detidos antigos agentes policiais e militares, embora a lei também preveja que ali fiquem reclusos que necessitem de especial proteção: era o caso de Sócrates e é agora o de Vara, como argumentou o próprio no requerimento em que pediu para ser enviado para a cadeia alentejana, a única do distrito.

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Um pequeno-almoço de café, pão e manteiga

Depois de passarem a noite nas suas celas, durante 12 horas consecutivas, o dia começa cedo para os detidos. A alvorada é às 7h30 e meia hora depois as portas abrem-se para que os reclusos possam tomar o pequeno-almoço. Para fazê-lo, têm uma hora. Nem um minuto mais. Durante esse tempo, no tabuleiro do refeitório levam café, um pão e uma pequena embalagem de manteiga e outra de doce, como as que são servidas nos couvert dos restaurantes.

As horas seguintes variam consoante os reclusos tenham trabalho ou não. Entre as 9h e as 11h da manhã, os detidos são encaminhados para os espaços onde desempenham as suas tarefas. Os restantes, como agora acontecerá com Armando Vara, podem passar essas horas na zona de recreio.

Esta é logo uma das diferenças entre este estabelecimento prisional e outros do país, apontada pelo advogado Carlos Melo Alves, que já teve clientes ali detidos e que, por isso, visitou a cadeia por diversas vezes. “É um estabelecimento prisional com condições muito acima de outros, até pela notoriedade de quem lá está detido. Qualquer recluso, desde que não esteja em preventiva, também tem direito a mais horas de pátio porque não há a obrigatoriedade de estar fechado na cela”, conta ao Observador.

As infraestruturas são várias. Há uma sala de atividades que funciona duas vezes por semana, exatamente neste primeiro horário livre da manhã, um campo de futebol e um ginásio com mesas de ténis de mesa, xadrez e outros jogos. Acrescenta-se uma biblioteca que tem perto de 800 livros e uma capela para os religiosos. E, claro, o pátio, onde José Sócrates fazia o seu jogging diário.

José Sócrates esteve preso no estabelecimento prisional de Évora

Terminadas as tarefas diárias, há um primeiro momento de reclusão, que dura uma hora. Exatamente ao meio-dia, as portas das celas voltam a abrir-se para que os detidos possam almoçar, refeição essa que é entregue por uma empresa de catering.

Também a alimentação está muito acima da média”, continua Melo Alves. “Não ouço as queixas que me chegam, por exemplo, de clientes que estão detidos no Estabelecimento Prisional de Lisboa.”

As diferenças não ficam por aqui. O ambiente é muito diferente do de outros estabelecimentos prisionais, assegura Júlio Rebelo, presidente do Sindicato Independente do Corpo da Guarda Prisional. “Hoje em dia não há relatos de desacatos nem desordens”, diz ao Observador. E mesmo a sobrelotação da cadeia “não é das mais problemáticas”, quando comparada com outros estabelecimentos do país.

Segundo o mais recente Relatório sobre o Sistema Prisional e Tutelar, de setembro de 2017, a taxa de ocupação da cadeia é de 122,85%, havendo mais oito detidos do que a lotação prevista. Por isso mesmo, alguns reclusos têm de ficar em camaratas, embora sejam a minoria — 87,5% dos presos estão em celas individuais.

“O Estabelecimento Prisional de Évora foi objeto de importantes obras de beneficiação e de remodelação com vista ao acolhimento de reclusos que carecem de medidas especiais de proteção”, lê-se no relatório, que considera que o “estado geral de conservação pode considerar-se bom, considerando-se esgotadas as hipóteses de futuras ampliações extramuros”.

O ponto fraco apontado no documento é a reduzida capacidade de alojamento, que se agravará com a eventual introdução do sector feminino. A ala feminina existente tem duas celas, mas que nunca receberam mulheres. Foi numa delas que ficou José Sócrates e, antes dele, o antigo diretor do SEF, Manuel Jarmela Palos. A cela chegou a ser preparada para receber Ana Saltão, inspetora da PJ de Coimbra, acusada de homicídio, mas que acabou por não cumprir prisão preventiva naquele estabelecimento.

A ceia: leite e uma peça de fruta

Terminado o almoço, à uma da tarde, todos voltam às suas celas para o segundo período de reclusão do dia. Segue-se um novo período de recreio (ou de visitas, se for o dia de recebê-las) e que dura das 14h30 às 17h00. E este é um momento que se vive com uma tranquilidade diferente de outras cadeias. Em Évora, diz Melo Alves, “até os guardas prisionais têm uma atitude diferente”.

“Para isso, também é importante o facto de ser um estabelecimento regional, esses têm um ambiente muito menos agressivo do que outros, como o EPL ou a prisão de Caxias, só para falar dos de Lisboa. Aí, o nível de agressividade entre os reclusos é muito grande. Por outro lado, como a maioria dos detidos são das forças de autoridade também têm outra atitude, sabem que estão ali para cumprir a sua pena, não para provocar desacatos. E não acontece o que se vê noutros estabelecimentos prisionais de ter de se pagar pela própria segurança”, refere o advogado.

Para receber as visitas, que acontecem às quartas, sábados, domingos e feriados, os detidos são distribuídos por dois grupos, devendo sempre os visitantes contactar o estabelecimento prisional para saber em que grupo se insere o recluso que querem visitar. Os encontros poderão ter, no máximo, a duração de uma hora.

Os detidos têm também direito a dois telefonemas por dia, de cinco minutos cada, um para o advogado e outro para quem queiram contactar, sejam amigos ou familiares. Na prisão não há jornais, nem telemóveis, mas os primeiros são fáceis de arranjar.

Os telemóveis são completamente proibidos, como em qualquer outro estabelecimento prisional, mas os reclusos poderão ter acesso a jornais, desde que alguém os entregue de manhã, o que é relativamente fácil de conseguir”, conta Melo Alves.

Quanto a televisão, elas existem no estabelecimento prisional, mas apenas sintonizam os canais nacionais.

Terminadas as visitas, há novo período de reclusão, de meia-hora, e segue-se o período de jantar. Entre as 18h00 e as 19h00, os reclusos deslocam-se de novo ao refeitório e à saída vão preparados para a ceia: levam consigo leite e uma peça de fruta para comerem durante o maior período do dia em que ficam confinados aos seus oito metros quadrados. A partir das 19h ninguém mais sai da sua cela.

Só entra polícia — uma exigência antiga

Desde os anos 1990, depois de dois antigos polícias detidos na cadeia do Linhó terem sido agredidos por outros reclusos, exatamente por terem pertencido às forças de segurança, que os diferentes sindicatos reivindicavam uma cadeia apenas para agentes. Só em 2000 seria inaugurada, durante o governo do socialista António Guterres, mas funcionaria durante pouco tempo.

O antigo quartel de Santarém foi transformado em cadeia, chegou a receber antigos agentes da PSP, militares da GNR e um da Polícia Judiciária, mas a autarquia acabaria por querer transformar aquele espaço em museu. A solução seguinte, em Évora, foi encontrada já durante a governação de José Sócrates, o antigo primeiro-ministro que viria a ser detido preventivamente naquele mesmo espaço, sob o signo de recluso número 44, tornando-se o detido mais mediático que a cadeia já teve.

À data, em 2007, apesar de outras alternativas estarem em cima da mesa — em Tomar, Carregueira e Leiria —, o edifício em Évora estava desocupado e acabou por ser a escolha óbvia. No ano seguinte, e depois de ter sido alvo de requalificação, passou de cadeia regional a prisão de alta segurança.

Apesar de ter sido pensado para receber detidos das forças e dos serviços de segurança, o estabelecimento prisional no Alentejo também recebe reclusos que precisem de especial proteção. Tem sido o caso de magistrados — como o antigo procurador Orlando Figueira, condenado na Operação Fizz por ter sido corrompido pelo antigo vice-presidente de Angola Manuel Vicente — e de políticos, como José Sócrates e agora Armando Vara.

O antigo procurador Orlando Figueira, condenado na Operação Fizz, esteve detido em Évora

No requerimento entregue à Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, o antigo governante socialista pede expressamente para cumprir a pena naquele estabelecimento prisional por ter sido secretário de Estado da Administração Interna num Governo do PS e, por isso, poder correr perigo numa cadeia comum, ou seja, por precisar da já referida proteção especial.

Também o ex-diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), Manuel Jarmela Palos — que foi absolvido, assim como o antigo ministro Miguel Macedo, de todos os crimes de que era acusado no caso dos Vistos Gold — esteve detido em prisão preventiva na cadeia de Évora.

No entanto, os dias dos chamados reclusos VIP em Évora poderão estar contados. No final de 2017, o Ministério da Justiça propunha no Relatório sobre o Sistema Prisional e Tutelar que estes detidos fossem transferidos para Leiria.

Um dos motivos prendia-se com o facto de os detidos de Évora, que atualmente têm de ser enviados para estabelecimentos prisionais noutros pontos do país, não terem de ser deslocados para cadeias longe da sua área de residência. A solução apontada, e que implicaria um investimento de 4,3 milhões de euros, era o estabelecimento prisional de Leiria para jovens, que tem uma lotação para 374 lugares e 184 reclusos. Por enquanto, a solução continua a ser Évora.