Habituámo-nos a ver os casais de famosos a fazerem as capas das revistas e a deixarem-se fotografar para encherem as páginas no interior. Mas desta vez o casal é outro e o segredo que revelaram bem diferente: os canários mosaico, que herdaram alguns genes dos ancestrais sul-americanos, mostraram porque é que os machos têm mais penas vermelhas do que as fêmeas e garantiram o destaque na capa da revista científica Science desta sexta-feira. E é um destaque também português.
O encanto pelos canários não é de agora, conta ao Observador Miguel Carneiro, líder da equipa portuguesa que participou neste estudo. “Sempre nos fascinou a historia do canário e as suas potencialidades para deslindar a base genética de muitas características importantes na evolução das aves, desde a coloração até ao seu canto”, diz o investigador no Cibio-InBio, na Universidade do Porto.
Talvez conheça melhor os canários amarelos, mas são muitas as colorações que o homem foi selecionando em cativeiro nos último 500 anos. Na verdade, os canários originais, os que existem naturalmente nas ilhas Canárias, Madeira e Açores, nem sequer são totalmente amarelos, mas as alterações provocadas pelos criadores permitiram observar uma evolução artificial em muito poucas gerações.
A estrela da nossa história, além de já não ser um canário original, ainda resulta de um cruzamento com uma espécie diferente, o cardinalito-da-venezuela, uma ave vermelha, que ao contrário do canário amarelo apresenta diferenças na coloração entre machos e fêmeas (dicromatismo sexual). Primeiro, juntou-se um canário amarelo com um cardinalito-da-venezuela. Depois, o híbrido resultante foi cruzado novamente com um canário amarelo para originar os canários mosaico, de plumagem branca com manchas vermelhas, mais pronunciadas nos machos do que nas fêmeas.
Estas variedades, geradas artificialmente pelos criadores, são relativamente recentes, o que permite que os mecanismos se tenham mantido e não tenham ficado escondidos no genoma, diz ao Observador Ricardo Jorge Lopes, investigador no Cibio-InBio e autor da fotografia da capa da revista.
Assim, quando a equipa de investigadores portugueses e norte-americanos comparou o genoma do canário mosaico com o dos restantes canários domésticos foi possível identificar onde estava a diferença, ou seja, que gene era responsável pelo dicromatismo sexual. Mais tarde, os investigadores encontraram o mesmo gene noutras espécies que apresentam diferenças entre machos e fêmeas neste tipo de cores.
“O BCO2 é o primeiro gene identificado como importante no dimorfismo sexual em aves, mais concretamente nas diferenças de coloração de carotenoides entre machos e fêmeas”, diz Ricardo Jorge Lopes, investigador no Cibio-InBio.
O gene identificado, BCO2, encerra a mensagem que permite criar uma enzima que degrada um tipo de pigmentos específicos, os carotenoides — responsáveis pelas cores entre o amarelo e o vermelho. Quando o gene está ligado, há mais degradação do pigmento, logo menos cor acumulada nas penas. O que os investigadores verificaram foi que as fêmeas de canário mosaico apresentavam mais genes BCO2 ativos, logo menos áreas vermelhas ou de um vermelho mais esbatido.
Mais, foi possível verificar que ligar ou desligar o gene depende da hormona estrogénio, por isso as fêmeas que já não se reproduziam, e não produziam a hormona (como as mais velhas ou sem ovários), tinham uma coloração mais parecida com a dos machos — porque o gene estava desligado.
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Para os autores do estudo, este mecanismo genético simples pode ajudar a explicar porque é que os carotenoides são os pigmentos mais frequentemente associados ao dicromatismo sexual nas aves: basta ligar ou desligar um único gene para conseguir ver logo as diferenças.