O telefone não para. Nos últimos dias a polícia não tem tido mãos a medir para responder a todas as chamadas a denunciar ajuntamentos com mais de 20 pessoas ou festas ilegais. Ao Observador, fonte oficial da PSP de Lisboa escusou-se, este sábado, a indicar um número para as denúncias recebidas, mas garante que “tem sido uma corrida contra o tempo” entre os vários sítios, que são denunciados por quem liga para a polícia a alertar para as irregularidades.
Mas se há quem esteja atento e denuncie quando vê que há demasiadas pessoas juntas que não estão a respeitar as regras de distanciamento social recomendadas pelas autoridades de saúde, parecem ser mais aqueles que ignoram e, segundo fonte da PSP “são principalmente jovens”. “Basta ver o exemplo ontem em Carcavelos, a maior parte de quem estava eram até menores”, afirmou a mesma fonte frisando o papel que os pais têm que ter neste momento em que o país se encontra ainda em estado de calamidade.
“Se continuarmos assim vamos ficar pior que no início é preciso redobrar cuidados, isto ainda não desapareceu”, alerta a PSP.
Numa das saídas da PSP, ao final da tarde de sábado, foi para um alerta para uma festa que estaria a decorrer no restaurante Vela Latina, na zona de Belém em Lisboa. Depois de se deslocarem ao local, os agentes constaram que as regras recomendadas pelas autoridades estavam a ser cumpridas, quer no interior do restaurante quer na zona da esplanada, não necessitando os agentes de ter qualquer outro tipo de intervenção adicional, segundo confirmou ao Observador fonte oficial do Comando Metropolitano de Lisboa (Cometlis).
Fonte oficial da PSP confirmou mais tarde ao Observador que os agentes estavam já preparados para enfrentar uma noite com saídas para fazer desmobilizar eventuais ajuntamentos. “A maior parte das vezes chegamos lá e já não está ninguém, provavelmente são avisados ou veem-nos chegar e vão embora”, diz, acrescentando que os agentes têm andado “numa corrida de um lado para o outro” para acorrer a todas as denúncias que chegam, nomeadamente na região de Lisboa.
“Ligam para denunciar ajuntamentos, com 20, 30 pessoas, não temos parado todo o dia”, relata a fonte da PSP evidenciando a dificuldade que é ter os agentes permanentemente a acorrer a situações de ajuntamentos fora das regras recomendadas e o perigo de infeção que todos correm durante o tempo em que estão a conviver socialmente, sem distância ou utilização de máscaras e desinfetantes.
O puxão de orelhas do presidente Marcelo aos jovens que fazem “amontoados nas praias e nas festas”
Uma das principais preocupações, com a propagação do vírus na comunidade através de focos identificados é, neste momento, a transmissão da infeção entre os mais jovens. Na noite deste sábado também Marcelo Rebelo de Sousa apelou aos jovens que “ajudem ainda mais nesta fase”.
O apelo que vocês aqui fizeram e que eu apoio é: jovens, ajudem ainda mais nesta fase porque vocês têm a capacidade para dar mais exemplo do que os outros ainda e, portanto, deem mais exemplo do que os outros”, pediu o Presidente da República, numa breve intervenção, depois de ter dado uma volta ao parque a distribuir máscaras, álcool gel para as pessoas desinfetarem as mãos e alertar para a importância destes comportamentos.
Segundo o Presidente da República, os jovens “têm um papel fundamental e têm de dar o exemplo”: “Têm de dar o exemplo no distanciamento, em não haver ajuntamentos, não fazendo aquilo que às vezes apetece fazer que é ir amontoados para as praias, para as festas e outras coisas assim e depois obrigam a que as autoridades crescentemente tenham de intervir”, advertiu num puxão de orelhas a quem não tem cumprido as recomendações das autoridades de saúde.
Já a ministra da Saúde recordou, na sexta-feira que os que acham que podem voltar à vida normal “estão “redondamente enganados”. “Não é possível baixar a guarda e estão redondamente enganados aqueles que pensam que podem regressar às suas vidas na normalidade anterior”, disse a ministra depois de várias críticas à festa ilegal em Lagos, que deu origem a quase uma centena de infetados, e à ação inconsciente de alguns habitantes de Lisboa e Vale do Tejo.
Festa ilegal com quase 100 pessoas. Quatro horas bastaram para criar novo surto no Algarve
O primeiro-ministro também se mantém atento a este tipo de comportamentos e alertou este sábado para “comportamentos que podem dar mau resultado”. “Festas como a de Lagos, falta de cuidado como aconteceu naquele lar, ajuntamentos como ontem [sexta-feira] aconteceram na praia de Carcavelos ou nas docas em Lisboa, isso são obviamente comportamentos que podem dar mau resultado”, avisou António Costa.
Praia de Carcavelos. Uma festa ilegal e uma homenagem, mil pessoas e duas horas para desmobilizar toda a gente
O caso mais grave dos últimos dias, conforme apontou fonte da PSP ao Observador, foi mesmo a festa ilegal em Carcavelos, que terá coincidido com uma homenagem a um jovem que morreu atropelado e reunido mais de mil pessoas — embora os eventos não tenham tido qualquer outra relação, além dos lugares escolhidos serem próximos. A festa acabou por ser terminada depois da intervenção dos agentes da PSP, cerca das 00h30, com os agentes a demorar “duas horas” a conseguir desmobilizar os jovens que ali se encontravam ao som de música e com bebidas alcoólicas.
À Rádio Observador o comissário da PSP de Lisboa, Artur Serafim esclareceu que o ajuntamento de pessoas foi no parque de estacionamento, junto ao restaurante A Pastorinha, perto da praia de Carcavelos. “Foi uma festa organizada através das redes sociais, como é usual nos dias de hoje”. A PSP continua “atenta”, garante.
“Apelamos a que todos os jovens não adiram a este tipo de eventos”, pediu.
A operação demorou cerca de duas horas e “não teve qualquer tipo de incidente”, concluiu.
Dias antes, uma festa no Algarve acabou por ser a responsável por um novo surto de casos na região.
#Fiqueemcasa deixou de ser cool?
Se em março as redes sociais estavam cheias de apelos para que todos ficassem #emcasa e se desenvolveram uma série de iniciativas para que todos cumprissem, agora a ordem parece ter sido #vamosparaarua e sem os cuidados necessários. A sucessão de relatos de festas e aglomerados dos últimos dias parece ter atirado para a gaveta o #fiqueemcasa podendo colocar os números de infetados novamente em ascensão. E estes comportamentos a que os jovens não associam maior risco já começam a ter os seus efeitos. Ao Expresso, a coordenadora da Unidade de Internamento de Contingência de Infeção Viral Emergente do hospital Santa Maria, Sandra Braz diz que os doentes que chegam agora às enfermarias — alguns deles em estado grave — “são os infetados do pós-confinamento, que se contagiaram porque saíram de casa”.
Segundo a especialista, entre os doentes há “jovens saudáveis, que não fazem parte de classes sociais desfavorecidas”, mas que tiveram “comportamentos de risco” (onde se inserem a participação em festas ou o convívio sem qualquer distanciamento social ou outros cuidados adicionais que as autoridades de saúde recomendam). “Alguns têm de ser transferidos para os cuidados intensivos devido ao agravamento do estado clínico”, aponta em jeito de alerta Sandra Braz.
“São jovens que no trabalho usam máscara e desinfetam as mãos, mas à noite reúnem-se em grupo e não usam proteção. Alguns foram visitar amigos que estavam infetados e não se protegeram. Parecem viver numa adolescência prolongada, em que não cabe a responsabilidade, associada a um sentimento de desafio ao risco e a uma necessidade de pertença ao grupo, em que quem não acompanha a maioria pode ser excluído”, explica ao Expresso Sandra Braz, relatando aquilo que testemunha no hospital.
Não havendo tratamento ou vacina para a Covid-19, com um aumento diário na casa de 1%, as autoridades de saúde continuam a apelar diariamente para a necessidade de manter o distanciamento social. É, até ao momento, a única de forma de garantir que o contágio não acontece e que a Covid-19 não continua a aumentar no seio da comunidade. Mas para isso é necessário que seja escrupulosamente cumprido, sem falhas, sem espaço para festas ou confraternizações sociais com proximidade física. Algo que, de acordo com os relatos dos últimos dias, não tem sido garantido. É o Governo quem recorda também que as ações de um dia só são traduzidas em números cerca de 15 dias depois, pelo que só será possível tirar conclusões dos comportamentos dos últimos dias já no mês de julho.