Um veto com boas intenções. Foi o que o Presidente da República fez esta terça-feira quando anunciou, numa nota publicada no site da Presidência, o veto do diploma que alarga o apoio social extraordinário aos gerentes de micro e pequenas empresas e empresários em nome individual, os chamados sócios-gerentes. A medida tinha sido aprovada no Parlamento no final de maio, na sequência de projetos de lei do PSD, PAN e PEV, com os votos favoráveis de todas as bancadas, à exceção do PS, que votou contra.

O argumento de Marcelo Rebelo de Sousa é o da “inconstitucionalidade”, por eventual violação da chamada “lei-travão”, que impede o Parlamento de aprovar medidas de aumento da despesa ou quebra da receita face ao previsto no Orçamento em curso. Mas o veto tem truque: é que Marcelo queria evitar que o Governo enviasse o diploma para o Constitucional, e a forma encontrada para o fazer foi obrigar os partidos a reconfirmar o voto através de uma nova votação no âmbito do Orçamento Suplementar.

É que Marcelo considera que esse apoio aos sócios-gerentes, no âmbito da crise provocada pela pandemia, “socialmente relevante”. Depois da nota publicada no site da Presidência a dar conta do veto, Marcelo explicou isso mesmo em declarações à RTP, onde explicou também o truque por detrás do veto. “Aquilo que foi votado, e que foi votado com boas intenções e positivas, implicava um aumento de despesa. Para evitar matar a iniciativa, enviando para o Tribunal Constitucional, devolvi à Assembleia da República a tempo do debate no Orçamento Suplementar e para dar uma chance de diálogo com o Governo para evitar o problema de constitucionalidade”, explicou.

É que Marcelo sabe que o Governo tem usado o argumento da lei-travão, tendo o primeiro-ministro, de resto, enviado um parecer aos deputados no início da discussão sobre o Orçamento Suplementar a dar conta desse mesmo aviso, o que motivou muitas críticas entre a oposição, já que o PS nunca se coibiu de apresentar medidas que mexiam com a despesa nas discussões sobre os orçamentos retificativos do último governo PSD/CDS.

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Na carta enviada ao Parlamento a justificar o veto, Marcelo Rebelo de Sousa refere que “esse alargamento — aliás socialmente relevante — tem suscitado, todavia, dúvidas de constitucionalidade, por eventual violação da ‘lei-travão’, ao poder envolver aumento de despesas previstas no Orçamento de Estado para 2020, na versão ainda em vigor”. Mas Marcelo apresenta logo uma alternativa, que pode ajudar a contornar o seu próprio veto: a inclusão desta medida de apoio aos sócios-gerentes no Orçamento Suplementar que está agora em fase de discussão na especialidade, depois de já ter sido aprovado na generalidade. Marcelo é o primeiro a dizer que o prazo para a apresentação de propostas de alteração só termina esta quarta-feira, pelo que os partidos ainda vão a tempo de incluir esta matéria no debate.

“A proposta de lei do Orçamento Suplementar para 2020, que está a ser discutida na Assembleia da República pode, porventura, permitir ultrapassar essa objeção de constitucionalidade”, diz Marcelo na carta enviada a Ferro Rodrigues, realçando que “o prazo para apresentação de propostas de alteração, de molde a serem objeto de debate e virtual aceitação pelo Governo, só termina amanhã [quarta-feira]”.

“Tal caminho poderia poupar à Assembleia da República o ter de se pronunciar, novamente, sobre a matéria, confirmando o diploma, mas deixando em aberto posterior controlo sucessivo de fiscalização de constitucionalidade”, explica ainda o chefe de Estado.

O decreto sobre os sócios-gerentes aprovado pela oposição (da esquerda à direita), contra a vontade do PS, altera legislação do Governo que estabelece medidas excecionais e temporárias neste período de pandemia da Covid-19, “alargando o apoio extraordinário à redução da atividade de trabalhador independente aos microempresários e empresários em nome individual”, com efeitos em março. Em causa está um “apoio financeiro com duração de um mês, prorrogável mensalmente, até um máximo de seis meses, correspondente ao valor da remuneração registada como base de incidência contributiva, com o limite de mínimo do valor do Indexante dos Apoios Sociais”, que atualmente é de 438,81 euros.

O apoio previsto aplicava-se aos “gerentes das micro e pequenas empresas, que tivessem ou não participação no capital da empresa, aos empresários em nome individual, bem como aos membros dos órgãos estatutários de fundações, associações ou cooperativas com funções equivalentes às daqueles que estivessem, nessa qualidade, exclusivamente abrangidos pelos regimes de segurança social”, lia-se no diploma.