Em entrevista à Rádio Observador, o médico e professor catedrático em Saúde Pública na Universidade Nova, Jorge Torgal, caracteriza o aumento de infeções da região de Lisboa e Vale do Tejo como uma situação “vulgar e banal“, recordando que o Porto passou por uma situação semelhante, há meses, tendo “superado o problema”.
Na área de Lisboa, onde se contabilizam 300 a 400 casos por dia — num universo de milhão e meio de habitantes, explica o médico, esse aumento “não é relevante”, admitindo, até, que tudo não passa de um “empolamento” da situação. “Nesta fase, em nada ajudam os empolamentos mediáticos sem justificação técnica nem científica”.
O porta-voz do Conselho de Saúde Pública refletiu, ainda, sobre o aumento do número de casos, a nível nacional, que ao longo das semanas se tem mantido “abaixo do 1%” – tratando-se, por isso mesmo, de fator “tranquilizador” porque significa que a “epidemia não está numa fase crescente”. Um argumento que utiliza para justificar o número de óbitos. “Neste momento, há mais vítimas por acidentes de moto do que mortes por Covid-19”, o que para Jorge Torgal, significa que que se trata de uma “doença bastante benigna se comparada com outras”. “Esta epidemia veio para ficar connosco muitos anos. Não há história de doenças respiratórias ou infecciosas que desapareçam naturalmente. Vamos ter de viver este inverno com o Covid-19, a gripe e as constipações. Isto é a normalidade”, avisa.
Na entrevista, Jorge Torgal frisa, ainda, que houve uma mudança de estratégia na deteção de novos casos, que passa pelo aumento do número de testes e, também, pelo “rastreio dos assintomáticos”, fatores que explicam o elevado número de casos em Portugal, se comparados com outros países. “Somos o país que mais testes faz, depois da Dinamarca”. No entanto, reconhece que os casos de Covid-19 têm crescido nos bairros periféricos da cidade de Lisboa, onde “há piores condições de vida”, o que dá força ao argumento de que “a primeira causa de doença do mundo é a pobreza”.
Nesta fase, assume estar de acordo com o passo atrás dado pelo Governo, em relação às 19 freguesias que se mantém em prolongamento da calamidade porque, segundo explica, “a partir do momento em que há uma identificação geográfica onde estão o maior número de casos, deixa de haver uma diluição em toda a Lisboa”. Embora, reconheça, que as novas medidas aprovadas pelo Governo sejam “difíceis de pôr em prática”. “Há uma sobrepopulação dentro das casas e populações com dificuldade para sair em trabalhar”, referindo-se à falta de transportes públicos – uma “falha” quando o desconfinamento arrancou.
“As pessoas que têm as tarefas mais difíceis da sociedade são, também, as que mais risco correm”, dando como exemplo os auxiliares dos hospitais, dos lares ou do setor da limpeza – trabalhadores com as “mais baixas qualificações” e, por isso, com mais dificuldades em “cumprir um conjunto de práticas tendo em conta a função que desempenham”. O que só prova, como diz Jorge Torgal, que “a epidemia não distingue, teoricamente, a classe social dos cidadãos. Mas a forma de transmissão evidencia as diferenças sociais”. Antecipa, no entanto, que esta situação “vai ser ultrapassado dentro de semanas”.
Questionado, ainda, sobre se o governo tem consultado o Conselho Nacional de Saúde Pública antes de tomar medidas para combater a pandemia, Jorge Torgal assumiu que isso “não tem acontecido” porque a estratégia governamental passa por consultar um “grupo de especialistas” para responder às questões.
“Antes da epidemia, a ministra da Saúde entendeu ouvir o Conselho, que representa um amplo conjunto de setores na sociedade, face a um conjunto de medidas que deviam ser tomadas. Agora, com a epidemia instalada, ouve os especialistas desta área”, admite, rejeitando, por isso, as críticas de que o governo tem sido alvo, como as que foram feitas pelo Bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, este sábado, que acusou o executivo de não ouvir os profissionais de saúde na tomada de decisões. “O meu colega está a falar numa perspetiva muito corporativa”, afirma.
Para concluir, Jorge Torgal assume que o mais importante é voltar à normalidade, como seja o regresso às aulas, em setembro. E prepara já os portugueses para o facto de terem de conviver, vários anos, com as “medidas de contenção da transmissão”, sejam elas individuais ou coletivas.
Pode ouvir aqui a entrevista do porta-voz do Conselho Nacional de Saúde Pública, Jorge Torgal:
“Número de casos em Lisboa é empolamento artificial”, avança porta-voz do Conselho de Saúde Pública