Discutiu-se “Lisboa e a pandemia” à volta da mesa do café A Brasileira do Chiado e, em direto, para o Facebook. Fernando Medina, presidente da Câmara, falou numa cidade diferente, onde “faltam os turistas e quem por ali passava”, para passear ou ir trabalhar. Covid-19 à parte, Lisboa já nada tem em comum com a capital de há dez ou quinze anos. “Hoje em dia, temos a Baixa e os bairros históricos requalificados” — o desafio passa, agora, por sair desta “fase de transição” com menos sequelas. “Não pedimos permissão para esta pandemia entrar, mas temos uma palavra a dizer na forma como vamos sair”.

N’A Brasileira, Fernando Medina apontou dois caminhos possíveis: num primeiro cenário, o autarca antecipa uma “área metropolitana mais dispersa”, as pessoas a viverem mais longe, “justificada com o teletrabalho ou questões de habitação”, assistindo-se a um reforço do automóvel individual, ao “agravamento das desigualdades” e ao “aumento da poluição”. Um quadro que pode acontecer, diz o autarca, “se nada se fizer”.

Com outras cores se pinta um segundo cenário, o das políticas seguidas pela Câmara de Lisboa, antes da pandemia. E que, agora, Fernando Medina quer acelerar, com a “promoção da habitação”, a recuperação das pessoas para o centro da área metropolitana, e a construção de uma cidade com mais espaço público e “vida de bairro” — onde a escola, o comércio, a habitação, a cultura e o lazer esteja todos mais próximos.

“Uma sociedade mais coesa”, frisa o autarca. E respondendo à pergunta, que se repete como se a pandemia fizesse já parte do passado — o que aprendemos com ela? – o presidente é claro: não quer regressar aos “níveis de poluição que a cidade tinha” e quer ver Lisboa “mais sólida do ponto de vista da sustentabilidade e da saúde”.

Na tertúlia, o autarca confessou-se, ainda, um eterno “insatisfeito”, sem “arrependimentos” políticos e a quem “faltou tempo” para concretizar tudo o que tinha previsto para a cidade. “A pandemia só reforçou em mim a convicção que temos de andar mais rápido”. O que significa que as obras não vão parar: como a pedonalização da Rua Nova da Trindade, que já arrancou, da Rua Garrett, da Rua Nova do Almada ou a construção de ciclovias. Adiadas ficaram as restrições ao trânsito automóvel na Baixa de Lisboa.

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Ana Jacinto, da AHRESP, salta da “utopia” para a realidade dos “tempos dramáticos” com uma certeza: “Vamos voltar a ter Lisboa e Portugal no topo dos destinos de excelência”. Quer passar uma mensagem de confiança, porque sente que é necessário fazê-lo, mas como fugir ao facto da hotelaria e da restauração serem os setores mais afetados pela pandemia? Não é possível, quando 38% do setor da restauração está a considerar a insolvência — segundo um inquérito promovido pela AHRESP, que tem monitorizado o setor. Os números no alojamento rondam os 18%.

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Uma “crise sem precedentes” num setor “sufocado”, onde os estabelecimentos foram obrigados a abrir portas, em maio, “muitas vezes sem condições para o fazer” – e que, agora, tem à frente um futuro sem certezas. “Quais as empresas que vão resistir”? A pergunta é de Ana Jacinto, para a qual ainda não há resposta. Sem um apoio específico para as micro e pequenas empresas, que não passe pelo endividamento ou as moratórias, o cenário é de “destruição”, antecipa Fernando Medina, que não alimenta a tese da “destruição criativa” – um conceito popularizado pelo economista austríaco Joseph Schumpeter no livro “Capitalismo, Socialismo e Democracia”. “A destruição nos nos vai trazer nada de bom. Não vamos passar meses fáceis daqui para a frente”, reconhece o autarca.

Ambição da CML é ter “25 a 30 mil casas de iniciativa pública”

Com o passar do tempo, vai-se a “força e a energia”. E essa Lisboa, do futuro, “será muito mais difícil de fazer”. “Não a vamos reconstruir de um dia para o outro”. A resposta pode passar pelo programa de habitação, Renda Segura, que se propõe a colocar imóveis em regime de Alojamento Local (AL) no mercado de arrendamento. “Se tivermos êxito neste programa, e como há 25 mil AL na cidade, muitos concentrados no centro histórico, conseguimos apoiar os proprietários, e trazer habitantes para esta zona”. Por desenhar estão ainda novos “instrumentos” para a nova fase que Fernando Medina prevê “longa”.

Ainda na habitação, o autarca indica que a ambição da CML é ter, a médio prazo, “25 a 30 mil casas de iniciativa pública” disponíveis para a classe média, de modo a “protegê-la” destas “crises cíclicas”. Crises que fustigam os mais vulneráveis, como se viu agora, com a pandemia e o número crescente de sem abrigos na cidade de Lisboa. “O período de confinamento foi violentíssimo”, recorda o governante, o que obrigou a CML, no imediato, a criar uma rede de fornecimento de refeições.

Para o fim da tertúlia, ficou a situação epidemiológica na área de Lisboa, com Fernando Medina a desdobrar-se em explicações nos últimos dias, depois de ter tecido críticas à atuação das autoridades de saúde no combate à Covid-19. A resposta sai-lhe pronta: “Temos de fazer mais rápido para conter a propagação. E, para isso, é preciso testar, isolar, rastrear e verificar se as pessoas têm condições para ficarem confinados”. E isso exige um “exército”, com “mais meios e mais organização”, resume o presidente da câmara.

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O próximo debate sobre Lisboa, n’A Brasileira do Chiado, está marcado para a próxima quinta feira, com a participação de Carlos Moedas, ex-comissário europeu, sobre o tema da inovação na pandemia.