António Costa teve de render-se à realpolitik. Se os socialistas europeus não largam Viktor Orbán e denunciam com frequência os abusos do governo húngaro ao Estado de Direito, o primeiro-ministro português encontrou-se esta terça-feira de manhã com o seu homólogo húngaro em Budapeste. Costa quer um acordo no próximo Conselho Europeu para o programa de recuperação financeira e, à saída da reunião com Orbán, defendeu que o Estado de Direito não deve ser uma condicionante na atribuição de fundos comunitários. Para o primeiro-ministro português, que falava em declarações à RTP, as questões de “liberdade e Estado de direito” são “centrais” e devem ser resolvidos nos termos do artigo 7.º do tratado da União Europeia: “Porque não se trata de discutir valores e dinheiro. Os valores não se compram.”
Basicamente, António Costa defende o ponto mais importante para a Hungria: que o país não seja prejudicado na atribuição de fundos por o governo ser mais autoritário. Para o primeiro-ministro português “aquilo que importa assegurar é o adequado controlo dos fundos europeus, que é absolutamente razoável, que todos aceitamos e que creio que a Hungria também aceita”. Depois de ter estado na Holanda (do chamado grupo dos frugais), Costa pisca aqui o olho ao grupo de Visegrado, já que Portugal precisa disso: que haja acordo para que Lisboa tenha acesso aos fundos o mais depressa possível.
António Costa, segundo fontes europeias, sempre teve uma relação boa com Viktor Orbán no conselho europeu. A Hungria é um amigo da coesão e tem alguns interesses comuns com Portugal e, para Costa, a prioridade é defender os interesses portugueses. Agora, voltou a dar um sinal de querer chegar a acordo com todos os países: “Creio que há muitas vezes falta de diálogo entre as pessoas e estes contactos bilaterais permitem conhecer melhor quais são as dificuldades de uns e outros. Os pontos de vista de uns e outros e facilitar a construção de acordo”, disse.
O primeiro-ministro lembra que é um “otimista” e que não vê “razão para que não haja acordo”. “Não sei se é a 17, a 18 ou se temos de ficar para 19, mas não consigo perceber como não há vontade política para a situação de crise como a que enfrentamos”. E acrescenta ainda: “A ideia de que todos podemos adiar o acordo, que não há pressa, é algo que nenhum cidadão da Europa pode perceber”.
António Costa disse ainda que o próprio Viktor Orbán vai tentar levantar o embargo de viagens da Hungria para Portugal por causa da pandemia de Covid-19: “Abordei isso. Tive oportunidade de explicar a especificidade especial do país. O primeiro-ministro húngaro ficou de considerar e analisar a documentação que lhe concedi e depois tomar uma decisão na reunião de amanhã”. O primeiro-ministro explicou a Orbán a situação de “19 freguesias” e lembro o volume de testagem no país, que é muito superior a outros.
Num artigo de opinião no jornal Público, o chefe da delegação do PSD em Bruxelas, Paulo Rangel, tinha criticado este encontro de Costa com Viktor Orbán (que é do Fidesz, um partido da família europeia do PSD, o PPE, e que Rangel tem atacado nos últimos anos). Rangel falava em “duplo padrão” e questionava: “Hoje Costa encontra-se com Orbán. Costa não critica Orbán. Onde estão os anti-Fidezs portugueses? Não seria altura de fazer do rule of law (estado de direito) um critério de repartição dos fundos?”