Os números de Junho do INE ainda são provisórios, mas a correção que possa vir a ser feita até pode piorar o cenário. E o cenário é mau. Desde o final do mês de março, o mês em que foi declarado o primeiro estado de emergência (e em que os efeitos da pandemia começaram a fazer-se sentir com mais força) pelo menos 155 mil pessoas perderam o emprego. De facto, a população empregada em Portugal passou dos 4,812 milhões para 4,657 milhões.

Ou seja, em média, em cada um dos dias (de abril, maio e junho) pelo menos 1.703 pessoas perderam o emprego.  Tudo junto significa que a taxa de desemprego subiu para os 7% em junho, mais 1,1 pontos percentuais do que no mês precedente e mais 0,4 pontos percentuais do que no mesmo mês de 2019, segundo os dados provisórios avançados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).

Isto significa que os números do desemprego não estão a abrandar. Os dados do Instituto do Emprego e da Formação Profissional relativos a abril (inscritos nos centros de desemprego) indicavam que o ritmo a que se destruía emprego era de 1.618 por dia.

Pandemia custou o emprego a 1.618 pessoas por dia em abril

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A população empregada em junho (dados também provisórios) registou variações de 0,1% relativamente ao mês anterior e de -3,6% por comparação com o mesmo mês de 2019.

Também esta quarta-feira, o INE reviu em alta o valor da taxa de desemprego de maio para 5,9% (os dados provisórios apontavam no mês passado para 5,5%), menos 0,4 pontos percentuais do que no mês precedente e menos 0,7 pontos do que há um ano.

Em maio, segundo os resultados finais, a população empregada diminuiu 2%, a taxa de desemprego desceu 0,4 pontos percentuais e a taxa de subutilização do trabalho aumentou 1,2 pontos percentuais.

A taxa de subutilização de trabalho (que agrega a população desempregada, o subemprego de trabalhadores a tempo parcial, os inativos à procura de emprego, mas não disponíveis e os inativos disponíveis, mas que não procuram emprego) situou-se em 14,6%, mais 1,2 pontos percentuais que no mês precedente e mais 1,6 pontos percentuais do que há um ano.

Para junho, os resultados provisórios do INE indicam que a taxa de subutilização de trabalho situou-se em 15,4%, mais 0,8 pontos do que no mês precedente e mais 2,4 pontos percentuais do que há um ano.

“Para o aumento mensal da taxa de subutilização do trabalho neste mês, ao contrário do sucedido nos meses anteriores, contribuiu exclusivamente o aumento do número de desempregados e do subemprego de trabalhadores a tempo parcial, já que diminuiu o número dos inativos à procura de emprego, mas não disponíveis para trabalhar e o de inativos disponíveis, mas que não procuram emprego”, sinaliza o INE.

Segundo o INE, em maio e, sobretudo, em junho, as restrições à mobilidade resultantes da pandemia de covid-19 foram parcialmente aliviadas, “mas continuaram a afetar o funcionamento do mercado de trabalho no período analisado”.

Por outro lado, a população ativa em Portugal fixou-se, em maio, no nível mais baixo desde há mais de 20 anos. Mais precisamente desde 1998. “Em maio de 2020, a população ativa – estimada em 4,944 milhões de pessoas – diminuiu 2,5% (125,4 mil) em relação ao mês anterior, 4,4% (225,3 mil) em relação a fevereiro do mesmo ano e 4,6% (237,4 mil) em relação a maio de 2019. Esta estimativa corresponde ao valor mais baixo desde 1998”, indicou o INE.

Siza Vieira destaca o “copo meio cheio”. Cresce o desemprego, mas há mais ofertas de trabalho

Perante este cenário, o ministro da Economia preferiu olhar para o copo meio cheio. Pedro Siza Vieira afirmou que os indicadores da atividade das empresas e do emprego “levam a pensar que o ponto mais crítico da contração económica já ficou para trás”.

E porquê? Apesar de se assistir ainda “ao crescimento do número de desempregados”, disse Siza, verifica-se que “em junho já houve mais ofertas de emprego e mais colocações de trabalhadores do que em maio. “Ainda é muito pouco, mas claramente já existe aqui um abrandamento na subida de desemprego”, acentuou.

Para Pedro Siza Vieira, “foi muito importante verificar na resposta ao inquérito do INE que 99% das empresas dizem que já estão em funcionamento e que as perspetivas de liquidez são agora melhores do que foram em abril”, altura em que vigorava o estado de emergência devido à pandemia de covid-19.

“Agora, que a atividade económica começa a retomar, embora lentamente, o apoio [às empresas] tem de ser dirigido para comparticipar e apoiar o pagamento dos salários que ainda não estão a trabalhar em pleno”.

O ministro insistiu que o momento atual “é de uma grande incerteza”, recordando que a taxa de subutilização do trabalho, em fevereiro, antes da pandemia, era de 12,4% e agora ultrapassou os 15%”. Contudo, prosseguiu, aquilo que também se verifica é que “o ritmo de crescimento do desemprego abrandou claramente”.

“Em junho, pela primeira vez, tivemos mais ofertas e mais colocação de trabalho do que nos meses anteriores”, reforçou aos jornalistas.

Central Sindical UGT diz que o número assusta, mas pode piorar

A presidente da UGT, Lucinda Dâmaso, declarou que a taxa de desemprego nos 7% “assusta”, mas admitiu cenários piores para o futuro.

“Assusta e assusta o que poderá ser o futuro. Nós sabemos que com o ‘lay-off’ que existe neste momento, as empresas têm que manter os trabalhadores por 60 dias. Será que depois dos 60 dias não vai haver mais desemprego?”, questionou a responsável da central sindical no Palácio de Belém, quando instada a comentar sobre a chegada da taxa de desemprego aos 7% em junho.

“Será que não foi dado este apoio às empresas, e as empresas estiveram durante este tempo todo a trabalhar, com os trabalhadores, a ser subsidiadas pelo Estado para lhes pagar uma parte do seu vencimento, e será que isso não vai gerar desemprego? É contra isso que a UGT está”, vincou a sindicalista.

CGTP: medidas de apoio ao emprego “podem estar a esconder a realidade” do desemprego

Já a secretária-geral da CGTP, Isabel Camarinha, defendeu que as várias medidas em vigor de apoio ao emprego “podem estar a esconder um pouco a realidade”. “O desemprego continua a aumentar, não só o dos centros de emprego, com a inscrição de trabalhadores, mas também a perda de ocupação de muitos milhares”, disse, quando instada a comentar as palavras de Pedro Siza Vieira.

A central sindical disse ter “grandes preocupações com o que vai acontecer quando terminar o período dos ‘lay-off’ simplificados ou das medidas que estão em vigor, porque não foram garantidas as condições para que as empresas se mantivessem com viabilidade”. Isabel Camarinha voltou a defender a proibição dos despedimentos e a garantia do pagamento a 100% aos trabalhadores em layoff por ser, considera “a melhor forma de garantir a viabilidade das empresas”.

“Não havendo estas garantias, continuando a haver perda de rendimentos, trabalhadores com vínculos precários […] que podem ser despedidos pelas empresas, aumentando o número dos desempregados, quando terminar este período de medidas que estão em vigor, ou há um romper com estas opções que têm vindo a ser tomadas, ou a situação poderá ficar muitíssimo mais difícil”, vaticinou a secretária-geral da CGTP.

Encomendas “esgotam-se em setembro” no têxtil e calçado, afirma Confederação Empresarial

O presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) lamentou que o Governo não tenha estendido, até ao final do ano, o regime de layoff simplificado, que “visava precisamente” o objetivo de preservação do emprego, o que terá “inevitáveis consequências”.

Não quis o Governo estendê-lo até final do ano, como era nosso objetivo, e por isso se retirará daí as inevitáveis consequências que possam daí advir”, alertou António Saraiva, rejeitando dizer que mesmo com a manutenção desse regime “o desemprego não iria aumentar”.

O responsável da confederação patronal voltou a criticar o “ruído” e a “burocracia” do novo modelo de apoio às empresas, “num momento em que a rapidez é um fator determinante para evitar esse desemprego potencial”.

Segundo António Saraiva, os setores mais expostos são o turismo e a restauração, mas “seguir-se-ão outros” porque as encomendas “neste momento esgotam-se em setembro” em setores como como o têxtil, calçado, metalomecânica e indústria automóvel, e não acautelam a situação das empresas até ao final do ano, como aconteceria em situações normais, o que poderá causar desemprego.

O responsável assinalou que “aquelas [empresas] que não conseguindo reinventar-se, alterar modelos de negócio” poderão desaparecer, “porque os modelos de negócio ficaram obsoletos”, já que “a pandemia veio exponenciar aquilo que, de alguma maneira, já eram fragilidades empresariais que se verificavam”.

Comércio diz que novo layoff vai “abranger número restrito de empresas” e não será capaz de evitar despedimentos

João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), considera que as medidas tomadas para substituir o layoff simplificado são “muito difíceis de aplicar na prática e vão abranger um número muito restrito de empresas”. Além disso, “não vão impedir o efeito de, em setembro e outubro, haver da parte de muitas empresas, opções ou de encerramento ou de redução dos quadros”.

João Vieira Lopes disse mesmo que o desemprego “é inevitável” se “o nível de retoma não subir”. Ao Presidente da República, a confederação que representa o comércio manifestou a necessidade de um “choque de consumo”, para estimular os portugueses a consumirem mais. “Preocupa-nos que não esteja nada a ser feito nesse sentido, como na Alemanha e noutros países, onde há desde baixas de IVA a incentivos ao consumo”. O líder da CCP sugeriu também uma redução das retenções na fonte dos salários para aumentar a liquidez das famílias.

João Vieira Lopes criticou ainda o plano estratégico de António Costa Silva por ser “omisso em relação ao turismo, comércio e serviços”. “Temos de encontrar soluções para manter a economia a funcionar, evitar a desagregação do maior número de empresas até poderem ser aplicados fundos” europeus, que a CCP não acreditem que cheguem à economia “antes do segundo semestre do próximo ano”.

Turismo defende que o Governo não fez o suficiente para garantir turistas britânicos

Na representação do turismo, o setor “mais prejudicado pela pandemia”, António Calheiros, presidente da Confederação do Turismo (CTP), defende que é “fundamental que Portugal volte a ganhar a imagem de segurança que sempre teve”, mesmo que isso já não salve este verão, que está “perdido”.

O turismo interno, acrescenta, não está a compensar as perdas de 70% das dormidas de estrangeiros. “Em tempos normais o turismo interno são 30% das nossas dormidas. Há uma crise, muitas pessoas em layoff, 30% dos rendimentos perdidos, [as pessoas] não terão a mesma disponibilidade para gozar as suas férias. De maneira nenhuma podem colmatar a baixa de 70% de dormidas dos estrangeiros”, disse.

Francisco Calheiros pediu que o Governo faça o que for “humanamente possível” para mudar a imagem que o Reino Unido tem de Portugal, dado que o mercado britânico concentra 30% das dormidas no Algarve. “Nunca fomos fortes na diplomacia económica. Custa-nos um bocado perceber que não se tenha feito mais, nomeadamente nos corredores turísticos britânicos no que diz respeito às duas regiões para onde os britânicos mais gostam de se deslocar: a Madeira e o Algarve”, que, considera, estão numa situação positiva em termos de números de novos casos.

Questionado sobre se responsabiliza o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, de ter passado uma imagem errada da situação pandémica no país, o representante dos patrões do turismo diz que “não há para razão que os mercados britânicos não possam ter corredores diretos para o Algarve e Madeira. Há-de haver responsabilidades com certeza. (…) Temos de ter cuidado com as declarações que fazemos. Eles é que são os clientes. Não é dizendo que eles estão piores”.

A CTP criticou ainda que o layoff simplificado não tenha sido prolongado para todas as empresas. “Era da mais elementar justiça que o layoff simplificado se tivesse mantido.”