A pasta do bem-estar dos animais de companhia está em processo de transição do ministério da Agricultura para o ministério do Ambiente, mas o processo adivinha-se sinuoso. Nem o Partido Socialista diz concordar com mudança e a própria ministra não parece muito convicta na passagem de dossier, preferindo falar nas mais valias para a agricultura do que nas consequências de passar parte da pasta do bem-estar animal. Já o ministro do Ambiente, com maiores certezas, diz ao Expresso que a transição deverá ser feita “até ao final do ano”.
A notícia do semanário parece ter surpreendido até a ministra, que foi confrontada durante a audição na Assembleia da República pela deputada do PSD Emília Cerqueira com as afirmações de Matos Fernandes. Na declaração inicial, Maria do Céu Antunes fez questão de frisar que o assunto “estava a ser trabalhado” e que o objetivo era alcançar “uma reorganização de competências”.
“Estamos já a trabalhar com a área governativa do ambiente e ação climática na construção de uma nova solução. Uma solução que espelhe uma reorganização de competências na Administração Pública capaz de responder eficientemente ao quadro legal e às prioridades assumidas no que diz respeito aos animais de companhia”, disse a ministra da Agricultura.
Mas o desacordo dos deputados fez-se ouvir bem alto. Perante o descontentamento de quase todos os partidos políticos — à exceção do PAN — a ministra ainda disse que a decisão ainda não estava fechada, mas não convenceu os grupos parlamentares. Nem o PS. O deputado Joaquim Barreto diz que é necessário ter “a nível nacional uma única autoridade para a saúde e bem-estar animal” e que essa autoridade “deverá ficar alocada num único organismo” que, nota, “tem todo o sentido que fique alocada no ministério da Agricultura”.
A Direção-geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), [foi] reconhecido pela senhora ministra, tem funcionado bem. Não faz sentido que haja outro ministério a agregar funções que estão no ministério da Agricultura”, apontou o socialista em linha com a opinião dos restantes partidos que reivindicavam um reforço da DGAV e não a retirada de competências.
Apenas o PAN se congratula com a anunciada mudança. Para o Pessoas-Animais-Natureza este é ainda um “primeiro passo”, já que o partido pretendia que todo o bem-estar animal (que inclui também os animais de produção) fosse retirado da tutela do ministério da Agricultura. No programa eleitoral, o PAN sugeria a criação de uma “secretaria de Estado responsável pelo bem-estar e proteção animal”, mas para já a ministra da Agricultura nega que vá ser criada essa secretaria.
Segundo Maria do Céu Antunes, a solução que está para já em cima da mesa é a “integração ou de forma satélite junto do ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas)” de “uma estrutura autónoma para trabalhar esta dimensão do bem-estar dos animais de companhia”. A ministra justifica que o bem-estar dos animais de companhia está “regulamentado de forma diferente em relação ao que é o bem-estar, à promoção da saúde, sanidade animal nomeadamente nos animais de produção, na pecuária propriamente dita”.
Questionada sobre como irá Portugal gerir a questão do bem-estar animal junto de Bruxelas (que concentra o bem-estar animal num único organismo, ao qual a DGAV presta contas), já que o bem-estar animal irá passar a estar dividido entre dois ministérios, a ministra respondeu apenas que “neste momento é especulativo” fazer algum comentário sobre esse assunto. “É especulativo o que tivermos a dizer sobre a matéria porque estamos a trabalhar para criar essas condições”, disse, mas deixou a garantia de que “não passa pela cabeça” do Executivo retirar recursos da DGAV para alargarem as fileiras do ICNF.
PSD, PCP e BE defendem um “reforço” da DGAV e não o seu “desmantelamento” que, dizem, irá transformar o ministério da Agricultura “numa espécie de satélite do ministério do Ambiente”. Os partidos acusaram ainda a ministra de não ter feito o suficiente para defender o próprio ministério e de ter deixado que lhe retirassem competências para que a DGAV ficasse como “bode expiatório” do incêndio em Santo Tirso que vitimou dezenas de cães e gatos.
A deputada do CDS, Cecília Meireles questionou ainda a ministra sobre “se pretendia retirar alguma consequência” daquilo que António Costa afirmou no Plenário quando disse que o ministério da Agricultura “não tinha competência para lidar com o assunto”. “A senhora ministra veio aqui dizer que foi completamente desautorizada, que não consegue tratar deste assunto e que o vai passar para outro Ministério e que a DGAV vai ser o bode expiatório de tudo”, apontou a democrata-cristã, mas Maria do Céu Antunes respondeu apenas que o objetivo “não era encontrar bodes expiatórios, mas debater a reforma” que o governo “pretende levar por diante”.
Mas numa coisa Maria do Céu Antunes e João Pedro Matos Fernandes concordam: a pasta é complexa e a solução deverá estar criada até ao final do ano, mantendo-se até lá a expectativa sobre os contornos do organismo que ficará responsável pela salvaguarda do bem-estar dos animais de companhia.