A principal adversária do ditador bielorrusso nas eleições presidenciais de 9 de agosto, Sviatlana Tsikhanouskaya, deu esta sexta-feira a sua primeira conferência de imprensa desde que, na sequência da repressão violenta de manifestantes da oposição, foi obrigada a exilar-se na Lituânia.

“Tenho de dizer de forma clara ao Presidente que é preciso uma mudança. Espero que o bom senso prevaleça, que as pessoas sejam ouvidas e que haja novas eleições”, disse Sviatlana Tsikhanouskaya esta sexta-feira, numa conferência de imprensa em Vilnius.

Logo no dia das eleições de 9 de agosto, Sviatlana Tsikhanouskaya, que apenas concorreu às eleições depois de o seu marido, o blogger Sergei Tsikhanouski, ter sido impedido de concorrer e posteriormente preso, foi a primeira candidata da oposição em 26 anos de poder de Lukashenko a dar três passos em simultâneo: não aceitar o resultado eleitoral, declarar-se como vencedora das eleições e exigir a transferência pacífica de poder para a sua campanha.

Cinco perguntas e respostas para entender o que se passa na Bielorrússia — e a razão do nervosismo de Lukashenko

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Porém, a exigência em que volta a insistir é a de uma repetição das eleições — exigência essa que é acompanhada pela União Europeia, que esta semana aprovou uma resolução em que deixou claro que não reconhece os resultados que ditaram a vitória de Aleksander Lukashenko com 80,1% dos votos contra 10,1% de Sviatlana Tsikhanouskaya.

Sviatlana Tsikhanouskaya, que até se ter candidatado era uma dona-de-casa com experiência como professora de inglês, referiu que ainda não decidiu se será candidata numa hipotética repetição eleitoral. “Não sei se vou participar em novas eleições, porque antes disso elas têm de ser determinadas”, referiu. De resto, não é sequer claro se Sviatlana Tsikhanouskaya voltará à Bielorrússia, embora tenha dito que esse é o seu desejo. “Amo muito a minha pátria e por isso quero voltar. Quando me sentir segura, seguramente que vou voltar”, garantiu.

Sviatlana Tsikhanouskaya saiu da Bielorrússia em direção à Lituânia no dia 10 de agosto. A sua extração do país terá sido da responsabilidade do regime e da polícia política, o KGB. Antes de sair da Bielorrússia, Sviatlana Tsikhanouskaya foi filmada a ler uma declação de um papel, onde apelava aos manifestantes da oposição que voltassem para casa e que aceitassem os resultados — tudo isto menos de 24 horas depois de ela própria ter dito o contrário.

O que se passa na Bielorrússia? “Manifestações podem estar a ganhar força”

“Não quero falar sobre as ameaças que tenho recebido ou sobre aquilo que aconteceu antes da minha partida para a Lituânia”, atalhou a candidata da oposição.

Embora não o tenha dito diretamente, Sviatlana Tsikhanouskaya terá sido obrigada a ler aquela declaração, sob ameaça. Pouco depois, de o vídeo ter sido divulgado, a candidata da oposição já estava em Vilnius e a incentivar a continuação das manifestações em Minsk e noutras partes do país.

Sviatlana Tsikhanouskaya referiu ainda que não recebeu nenhum contacto por parte de Moscovo durante todo este processo. Além disso, apelou a que todos os países apoiassem “a soberania da Bielorrússia”.

Na ausência de Sviatlana Tsikhanouskaya, mas com o seu conhecimento e colaboração, a oposição bielorrussa formou um Conselho de Coordenação. A missão deste grupo, que conta com a participação de ilustres como a Nobel da Literatura Svetlana Aleksievitch ou o ex-ministro da Cultura Pavel Latushko, é a de garantir a transferência pacífica de poder de Aleksander Lukachenko para Sviatlana Tsikhanouskaya.

Em resposta, as autoridades afetas ao ditador bielorrusso informaram que foi aberto um inquérito contra o Conselho de Coordenação, cujos membros estão agora a ser investigados por quererem derrubar o Governo. Da sua parte, Aleksander Lukashenko acusou-os de serem “aberta e descaradamente nazis”.

Kremlin disposto a segurar Lukashenko — para já

Ao longo dos 26 anos de poder de Aleksander Lukashenko, Moscovo tem sido um forte pilar de sustentação do seu regime, ao garantir a venda de energia a preços de desconto (por vezes a valores ainda mais baixos do que os praticados na própria Rússia) em troca de a Bielorrússia aceitar que o petróleo e o gás natural russos passem pelo seu território com destino à Europa Central. Nas últimas décadas, a Bielorrússia tem contado também com a presença de militares russos, que têm levado a cabo exercícios militares naquele território.

Porém, desde que a União Europeia retirou em 2016 as sanções até aí impostas (e entretanto, na atual crise, a caminho de serem repostas) à Bielorrússia, a Rússia endureceu a postura em relação ao regime de Aleksander Lukashenko e suspendeu praticamente todos os subsídios energéticos que concedia àquele país vizinho. Durante a campanha, Aleksander Lukashenko chegou a acusar a Rússia de querer derrubar o seu regime — isto depois de terem sido apanhados 33 mercenários da empresa de segurança privada russa Wagner, com fortes ligações ao Kremlin.

Uma das grandes questões em aberto na atual crise na Bielorrússia, que tem sido palco das maiores manifestações da oposição desde que Aleksander Lukashenko foi eleito Presidente em 1994 (naquelas que, desde então, terão sido as únicas eleições sem fraude), é a posição da Rússia.

A Reuters ouviu duas fontes próximas do Kremlin que indicam que, para já, a decisão de Vladimir Putin é a de segurar o ditador bielorrusso.

“Vai dar-lhes gosto esperar mais um pouco e vê-lo a sofrer. O Kremlin não gosta dele [Lukashenko] mas ainda assim vão apoiá-lo”, disse à Reuters uma fonte próxima de membros do Governo russo. Outra fonte, com o mesmo tipo de proximidade à cúpula do poder em Moscovo, apontou na mesma direção. “Lukashenko vai ficar gravemente fragilizado. Vai dar para fazer carne picada dele. Os nossos tipos vão de certeza tirar partido disto”, disse. “Vai acabar tudo mal para Lukashenko, mas para já ainda não.”