Maria, 64 anos, é portuguesa e nunca foi à América. Vive numa cidade perto de Aveiro e deu pouca importância quando recebeu uma carta que vinha de Washington, dos EUA. Mais precisamente, da “White House”. Quando o filho um dia chegou a casa e viu a carta, quase desprezada na secretária, perguntou: “Mãe, já viste a carta que tens aqui?”. Era um carta de Donald Trump, com a assinatura replicada do próprio, a prometer que Maria iria receber um apoio de 1.200 dólares (cerca de 1.000 euros) como ajuda devido aos efeitos da pandemia. Dias depois, chegaria o cheque, também com o nome do Presidente norte-americano. Foi este um engano? Não. É um efeito colateral de uma política da Administração Trump que distribuiu cheques por entre 70 a 80 milhões de norte-americanos. E também portugueses, como comprovam os documentos cedidos por Maria ao Observador.
Maria — que pede ao Observador para dispensar o apelido e assim manter o anonimato — é interessada na política portuguesa, mas não liga muito à política norte-americana. Como não vota nos EUA, nem perde tempo a pensar se vota em Trump ou Biden. Mas recebeu o dinheiro daquilo que é considerada uma medida eleitoralista do atual Presidente dos EUA. Esta medida — que custou dois biliões de dólares (2 trilions, na medida dos EUA) — gerou polémica, uma vez que o candidato do Partido Republicano terá exigido assinar estes cheques que foram distribuídos como uma medida de combate à pandemia na sequência de um acordo bipartidário no Congresso. De facto, tanto a carta como o cheque recebido pela portuguesa têm, de forma visível, a assinatura ou o nome de Donald Trump.
Como chegou o cheque de Trump a Maria?
Apesar de nunca ter estado nos EUA, esta ligação não foi propriamente uma surpresa. Pelo menos, não em 2020. A 9 de setembro de 2008, um ano depois da morte do marido, a portuguesa recebeu uma carta da embaixada a dizer que tinha direito a uma pequena quantia no valor de 130,50 dólares e que passaria a ter direito a uma pensão quando se reformasse. Atualmente, dessa pensão, recebe cerca de 30 dólares por mês. Tudo isto acontece porque marido de Maria trabalhou — em 1979 e ainda antes de casarem — durante sete meses nos EUA, numa “fábrica de ouro”. Foi aí que descontou e ganhou o direito a uma pensão. Quando faleceu, foi atribuído um número a Maria, como beneficiária do sistema de pensões norte-americano. Na verdade a portuguesa não sabe muito mais do que isso, sabe apenas — pelas palavras da sogra e da cunhada — que o marido trabalhou nos Estados Unidos.
A portuguesa costuma dizer, com graça, que devido à pandemia não recebeu nenhum apoio do Estado português, mas recebeu do norte-americano. E elogia a forma como os serviços do governo dos EUA e da embaixada dos EUA em Lisboa são “muito menos burocráticos” do que os serviços portugueses.
O que diz a carta de Trump?
Voltando à conteúdo da carta, nela o presidente dos EUA começa por dizer: “O nosso grande país está a enfrentar um desafio económico e de saúde pública sem precedentes na sequência da pandemia do novo coronavírus. A nossa primeira prioridade é a sua saúde e segurança”. O presidente norte-americano explica depois que “à medida que travamos uma guerra total contra esse inimigo invisível, também estamos a trabalhar ininterruptamente para proteger os trabalhadores americanos como você das consequências do shutdown [paralisação].”
Donald Trump diz estar “totalmente comprometido” em assegurar que o destinatário da carta e a sua família têm o “apoio necessário” para ultrapassar este “momento difícil”. Na mesma carta, Donald Trump explica que a 27 de março o Congresso apoio um apoio (o CARES Act), que mais tarde foi vertido numa lei que “orgulhosamente assinou”. Ainda nessa missiva, Trump agradece às duas câmaras do Congresso (Câmara dos Representantes e Senado) por terem trabalhado de forma “rápida” com a sua administração para tornar possível este apoio de 2,2 biliões de euros. O que inclui esta “rápida e direta assistência financeira”.
A carta termina com Trump a dizer que em breve o destinatário iria receber 1200 dólares em cheque ou em cartão de débito e com a seguinte motivação: “Todos os cidadãos devem ter um enorme orgulho da resiliência, coragem e compaixão do nosso povo. O impulso, a determinação, a inovação e a força de vontade da América venceram todos os desafios do passado — e vão vencer este também. Tal como antes, a América triunfará mais uma vez — e alcançará novos patamares de grandeza”.
Dias depois desta carta, chegou o cheque, que de facto traz o nome de Donald Trump.
Além da polémica dos cheques assinados, em junho, foi noticiado pelo Dinheiro Vivo, em junho de 2020, que o Tesouro norte-americano enviou — com a pressa de enviar o dinheiro — mais de 1,4 mil milhões de dólares (1,2 mil milhões de euros) a contribuintes já falecidos.
Ciclicamente, Maria, que é beneficiária por direito da pensão do marido, tem de pedir um certificado à junta de freguesia da zona de residência para provar que é viva. Depois envia o documento à embaixada norte-americana em Lisboa que, segundo a própria, trata sempre tudo de forma eficaz.
[Artigo corrigido com a indicação de que o cheque enviado tem o valor de 1.200 dólares (cerca de 1.000 euros), como já era referido no corpo do texto, e não 1.200 euros como, por lapso, foi referido no título do artigo]