O Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (iMM) vai realizar o maior inquérito serológico nacional para a Covid-19 — e o mais representativo. São necessários 12 mil voluntários e os testes — que determinam se a pessoa já esteve em contacto com o vírus e desenvolveu anticorpos — são gratuitos.
O projeto, que conta com o financiamento de dois milhões de euros por parte da Sociedade Francisco Manuel dos Santos e do Grupo Jerónimo Martins, irá decorrer entre os dias 8 de setembro e 7 de outubro, em 102 concelhos de todo o país. Os resultados serão conhecidos a partir do final do próximo mês.
“O objetivo do estudo é determinar a proporção da população Portuguesa que desenvolveu anticorpos contra o vírus SARS-CoV-2, permitindo estimar a prevalência da infeção, através da realização de testes serológicos gratuitos (…)”, lê-se num comunicado enviado às redações, referindo que estão disponíveis 314 postos do Centro de Medicina Laboratorial Germano de Sousa para a recolha das amostras.
A amostra do estudo terá por base uma “estratificação proporcional da população portuguesa por grupo etário — menores de 18 anos, entre 18 e 54 anos ou mais — e densidade populacional das regiões — baixa, média e elevada”. Especialistas da Pordata e da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa contribuíram para a definição e caracterização desta amostra, lê-se ainda o documento.
Dos 12 mil participantes, serão necessários 2.200 menores de 18 anos (18%), 5.500 com idade entre os 18 e os 54 anos (46%) e 4.300 com idade igual ou superior a 55 anos (36%). Para participar, basta fazer um registo neste site, sendo que está também disponível uma linha de apoio — através do número 808 100 062 — para mais informações sobre o projeto.
Após a realização deste projeto, o iMM irá fazer um estudo de follow-up a um subgrupo dos voluntários, durante um ano, de forma a monitorizar a sua resposta imunitária ao longo do tempo.
Para que servem e como funcionam os testes serológicos
Os testes serológicos são diferentes dos testes que permitem perceber se uma pessoa está ou não infetada. Neste caso, a análise ao sangue procura a existência de anticorpos que lá tenham ficado depois da presença do vírus.
Quando um vírus ou bactéria entra no corpo de alguém, chega a uma célula e começa a multiplicar-se provoca uma resposta do sistema imunitário — a forma como o organismo entra em modo de combate para se proteger. Na prática, os soldados desse combate são os anticorpos — ou imunoglobulinas —, que começam a ser produzidos para fazer face à ameaça.
“Desde o momento em que a pessoa entrou em contacto com o vírus, ele instala-se nas nossas células e só lá dentro consegue multiplicar-se. E só a partir de uma determinada quantidade de vírus nas células é que o detetamos e só partir de certos sintomas é que o sistema imunitário fica alerta”, explicou ao Observador em abril, a propósito de um outro artigo, Germano de Sousa, especialista em Patologia Clínica e fundador de um dos maiores grupos portugueses de laboratórios de análises clínicas.
Essa reação, que pode ser detetada em laboratório, produz dois tipos de anticorpos: a imunoglobulidade M (IgM) e a imunoglobulina G (IgG). A primeira é detetada na fase aguda da doença — que, no caso da Covid-19, situa-se, geralmente, por volta do sétimo dia a contar dos primeiros sintomas. A segunda é produzida mais tarde, entre o 14.º e o 21.º dias. É esta última a que pode traduzir uma imunidade futura, por ser produzida já de acordo com o vírus ou bactéria invasora, sendo o momento em que “o organismo começa a vencer a batalha”, diz Germano de Sousa.
Fazer um teste serológico é, no fundo, detetar no organismo de alguém a presença destes anticorpos, que podem servir de proteção para novos “ataques”. Para isso, bastará um teste simples, apenas qualitativo, que só implica uma picada no dedo para recolher uma gota de sangue. Mas só isso diz muito pouco — confirma apenas que há anticorpos no organismo. É preciso recorrer a um teste mais complexo, com uma amostra de sangue, para determinar a quantidade desses anticorpos.
A partir daí, é preciso ter em conta outros elementos da equação. Ter anticorpos, por si só, não basta para garantir a imunidade. E ainda não há certezas sobre o tempo que esses anticorpos permanecem no corpo humano — ou seja, quanto tempo dura a eventual imunidade (coisa que o estudo de follow-up também procurará perceber).
Estudo do Instituto Ricardo Jorge revelou valores muito baixos
Em julho, o inquérito serológico conduzido pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge — de dimensões muito mais reduzidas que esteve que o iMM quer conduzir — revelava resultados pouco animadores. Reveladas no final daquele mês, as conclusões mostraram que apenas 2,9% da população residente em Portugal tinha desenvolvido anticorpos contra o novo coronavírus, ou seja, cerca de 290 mil pessoas — um valor insuficiente para se criar imunidade de grupo (que pode variar entre os 40 e os 70%) e inferior a outros países europeus.
Na altura, a coordenadora do estudo, Ana Paula Rodrigues, explicava que era esperado que Portugal tivesse uma baixa seroprevalência — “proporção de pessoas com anticorpos contra o novo coronavírus” —, uma vez que o país não teve “uma epidemia intensa”.
O INSA admitia, ainda assim, que a imunidade ao SARS-CoV-2 pudesse estar “subestimada” naquele estudo, uma vez que só foram tidos em conta os anticorpos e não a imunidade celular, que terá também “um importante papel na resposta imunitária”. Aliás, estudos sobre o MERS-CoV e o SARS-CoV-1 mostram que há uma resposta mais duradoura ao nível das células T, também conhecidas como células memória, do que ao nível dos anticorpos, que têm uma resposta mais “efémera”. Algo que acontece particularmente nos casos assintomáticos.