O diretor artístico do Teatro Nacional D. Maria II, Tiago Rodrigues, tinha-lhe chamado na apresentação da programação um espectáculo “invulgar”, por decorrer “em maratona” e por ter como última parte uma peça que só terminava ao final da madrugada. O que poucos esperariam é que surpreendesse não apenas o público mas também as autoridades, como aparentemente aconteceu na madrugada deste domingo, quando pouco depois das 4h00 — e na parte final do último intervalo previsto — dois polícias interromperam “A Vida Vai Engolir-vos” no D. Maria II. Posteriormente, acorreram outros três agentes ao local.
A intervenção das autoridades surpreendeu os espectadores, que se deslocaram ao teatro já informados de que a última parte da “maratona” terminaria já quase ao início da manhã — os horários das apresentações foram, como habitual, anunciados por antecipação.
Contactado pelo Observador, o diretor artístico do Teatro Nacional D. Maria II, Tiago Rodrigues, descreveu que a intervenção das autoridades poderá ter acontecido “dada a excecionalidade” da aglomeração de pessoas (espectadores) por volta das 4h, durante o último intervalo previsto. Os agentes “quiseram verificar se as regras [impostas pela DGS para a realização de espectáculos ao vivo] estavam a ser cumpridas, se estava tudo em ordem e se tínhamos autorização para fazer um espectáculo naquele horário”, explicou.
Devido à intervenção das autoridades, o último intervalo previsto estendeu-se no tempo — em vez de durar os 40 minutos programados, acabou por durar 1h10. A última parte da maratona “A Vida Vai Engolir-vos”, que adapta quatro peças do escritor e dramaturgo russo Anton Chekhov (A Gaivota, Tio Vânia, O Ginjal e Três Irmãs), só foi retomada depois de uma fiscalização feita pelos agentes de segurança. E só terminou já pela manhã.
Tiago Rodrigues garante que “todas as regras foram cumpridas escrupulosamente” e que a licença conferida pela Inspeção Geral das Atividades Culturais (IGAC), que permitia a realização do espetáculo àquela hora e em contexto de pandemia, foi mostrada.
O espetáculo acabou por terminar mais tarde do que o previsto, já às 7h30, mas o diretor artístico do D. Maria II congratula-se por, “apesar do percalço”, ter sido possível “responder às questões que os senhores agentes colocaram” e “retomar o espectáculo”. Ao Observador, enaltece ainda a “paciência dos espectadores” e destaca o facto de não ter chegado ao teatro, pelo menos até ao momento da conversa, “qualquer espécie de reclamação pelo atraso no horário” provocado pela intervenção.
Tiago Rodrigues: “Fazer teatro sem grandes condições é que é capitalismo selvagem”
Esta foi “a primeira vez que a polícia foi ao Teatro Nacional D. Maria II para verificar se as condições estavam a ser cumpridas“, garante ainda Tiago Rodrigues, lembrando que já tinha sido feito um espetáculo “à mesma hora”. Especulando, diz acreditar que a intervenção se deveu apenas “à excecionalidade do horário” da apresentação teatral em maratona.
Ao Observador, o ator e encenador responsável por “A Vida Vai Engolir-vos”, Tónan Quito, explicava recentemente a ideia de fazer esta maratona com quatro peças de Tchekóv a terminar já ao final da madrugada e início da manhã. Tudo começou com uma boutade, dita durante um jantar: “Um dia fazemos as peças todas do Tchekhov numa noite inteira”. Acabou por acontecer mesmo e Tónan Quito explicava porquê: “Achei que fazia todo o sentido trazer o público para o teatro à noite. O que será esta latência de ficarmos à noite todos juntos. (…) Já saímos de dia. É sempre a promessa de alguma coisa nova que pode acontecer”.