A exatamente 33 dias das eleições presidenciais, que se realizam no dia 3 de novembro, o atual presidente dos Estados Unidos e candidato pelo Partido Republicano testou positivo ao novo coronavírus, que causa a Covid-19, aos 74 anos e a pergunta que se faz é: e agora?

Donald Trump e a mulher, Melania Trump, estão infetados e apresentam alguns sintomas —  Trump foi mesmo internado durante a tarde (noite em Portugal) desta sexta-feira. Alguns funcionários da Casa Branca já haviam notado uma rouquidão em Trump na quinta-feira, mas associaram aos vários comícios de campanha que tem feito ultimamente, escreve o The New York Times. Os sintomas, porém, foram ficando cada vez mais evidente, com o Presidente dos EUA a apresentar um quadro febril.

EUA. Donald Trump ficará no centro médico Walter Reed, onde faz tratamento com remdesivir

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Para já, o Presidente e a primeira-dama ficarão em isolamento — Trump ficará mesmo hospitalizado durante os próximos dias — o que pode trazer sérias dificuldades à campanha contra o democrata e ex-vice-presidente Joe Biden. Ainda na passada quinta-feira, num jantar político, Trump garantia que “o fim da pandemia [estaria] próximo” — agora sabe-se que não está próximo pelo menos para ele. Assim sendo, o que se espera?

Um presidente isolado e retirado da campanha

O médico de Trump está confiante de que o presidente vai continuar a desempenhar “as suas funções sem interrupções durante a recuperação”. E talvez isso explique que, não obstante ter sido internado, os seus poderes não tenham sido delegados no vice-presidente.

Para Germano Almeida, especialista em política norte-americana, esta notícia “muda tudo” e “há uma inversão completa do jogo”. “Vamos ter um candidato, presidente em funções, isolado pelo menos em metade do tempo que falta para a eleição: falta um mês e um dia”, lembrou em declarações à Rádio Observador. E o debate de Trump e Biden, agendado para o próximo dia 15 de outubro em Miami, no estado da Florida, pode ficar em risco.

Trump infetado. “Há uma inversão completa do jogo”

E mesmo nos debates que se vão realizar haverá muitas mudanças. O vice-presidente do EUA, Mike Pence, e a candidata a vice-presidente Kamala Harris ficarão a uma distância de 3,5 metros já no frente-a-frente da próxima quarta-feira, revelou uma fonte conhecedora da organização à CNN.  A decisão terá sido tomada após as duas partes terem chegado a um acordo com a comissão responsável pelos debates.

Se a campanha se tinha pautado até agora com “Trump e o seu povo no terreno a ignorarem a pandemia, a desvalorizarem as máscaras, com comícios corpo-a-corpo” e com “Biden mais em casa, mais virtual, com vídeos e com máscaras”, agora pode ser “ao contrário”, defende o especialista. E justifica: “Trump vai estar em casa pelo menos nas duas próximas semanas e Biden mudou a sua estratégia e está a preparar, em estados decisivos, uma campanha mais tradicional, de porta-a-porta junto dos eleitores indecisos”.

O teste positivo pode até não ser devastador para a sua saúde, mas para a sua sorte política já não se pode dizer o mesmo.

Há uma carga simbólica gigantesca: Donald Trump é o presidente que desvalorizou a pandemia”, recordou o especialista Germano Almeida.

Trump passou os últimos meses a subestimar a gravidade da pandemia e a desprezar a comunidade científica, mesmo com a evidência do resultado devastador que teve para o país — o mais atingido no mundo pela Covid-19. Trump recusou-se mesmo a usar máscara em público, exceto em algumas ocasiões, questionando a sua eficácia e gozando até com o seu adversário, Joe Biden, por usar uma. Mais: nas últimas semanas, realizou vários eventos políticos lotados de pessoas — contrariando assim as recomendações das autoridades de saúde.

Agora isolado no hospital militar Walter Reed e fora da campanha,  Trump terá também de lidar com o impacto que este teste positivo terá na opinião dos eleitores. Até porque, alguns estudos mostram que a maioria dos norte-americanos acredita que o presidente agiu mal, lembra o The New York Times.

No entanto, a infeção do presidente “pode vir a ter interpretações muito diferentes”, nas palavras de Germano Almeida. “Pode ter a interpretação de uma justiça poética de alguém que desvalorizou a pandemia, mas também pode também vir a ter a interpretação de um reforço do que foi no fundo a tese de Trump que é: isto existe, mas é algo que não deve parar o mundo. Do ponto de vista eleitoral não é certo”, considera ainda. O especialista aponta que “Trump precisa de um game-changer” que “pode ser este”.

[Trump e a Covid: do desinfetante ao gozo com Biden]

Um presidente doente, fora da corrida presidencial e substituído por Mike Pence

A existência ou não de sintomas permanece, para já, no segredo dos deuses — os assessores do presidente não o quiseram ainda revelar. Mas, se o estado de saúde de Trump se agravar, podem levantar-se sérias questões sobre se deve ou não continuar na corrida eleitoral.

As probabilidades não abonam a seu favor. Com 74 anos, Trump pertence à categoria de idade considerada mais vulnerável ao vírus: oito em cada 10 pessoas que morreram nos Estados Unidos eram pessoas com 65 anos ou mais, aponta o The New York Times. Em contrapartida e apesar de ter o colesterol alto e ser considerado clinicamente obeso para sua altura, no ano passado, o médico do presidente considerou que Trump estava “de boa saúde”, depois de submetido a vários exames.

Donald Trump aumentou de peso, mas médicos garantem que “está de boa saúde”

Mas se Trump ficar mesmo pior, o que pode acontecer? De acordo com a 25.ª Emenda da Constituição dos EUA, um presidente clinicamente incapacitado tem a opção de transferir temporariamente o poder para o vice-presidente — algo que Trump não fez esta sexta-feira. Se o tivesse feito, Mike Pence assumiria os comandos dos Estados Unidos, mas Trump poderia retomá-lo a qualquer momento. É que a Constituição prevê também que o presidente pode reivindicar a sua autoridade sempre que se considerar apto para o cargo.

Adiar a data das eleições é, para Germano Almeida, “muito improvável” até porque “essa questão já se pôs há uns tempos pela dificuldade logística de se fazer eleições durante uma pandemia e o próprio Donald Trump recuou na reivindicação disso”. Mais: “A data da eleição está muito blindada por uma simples razão. É que o calendário entre a eleição, o processo de transição e a tomada de posse, é relativamente rígido”, acrescentou. Daí que, um adiamento de eleição levaria a que “não houvesse condições para uma tomada de posse”.

Se isso não acontecer, Donald Trump deixa de ser presidente em 20 de janeiro de 2021 e não parece que o facto de ter coronavírus seja motivo para que isso aconteça”, defendeu Germano Almeida.

Mike Pence manifestou-se logo em relação à notícia: recorreu ao Twitter para dizer que se junta às orações de milhões de americanos e desejar a Trump “uma recuperação rápida e total”. “Deus o abençoe, ao presidente Trump, e à sua maravilhosa, a primeira-dama Melania”, escreveu num curto texto, no Twitter.

Desde que esta emenda foi ratificada em 1967, os presidentes norte-americanos apenas o fizeram três vezes. Em 1985, o presidente Ronald Reagan teve de ser submetido a uma colonoscopia e, por um breve período de tempo, passou o poder ao seu vice-presidente George H. W. Bush. Anos mais tarde, o presidente George W. Bush invocou a emenda duas vezes, também devido a duas colonoscopias em 2002 e 2007, para transferir temporariamente o poder para o vice-presidente Dick Cheney.

Um presidente e um vice-presidente incapacitados e uma mulher no poder

Quando no início de maio Katie Miller, a assessora de imprensa do vice-presidente dos EUA, ficou infetada com a Covid-19, Mike Pence optou ficar fisicamente longe de Trump para evitar uma possível exposição ao vírus. O mesmo deverá acontecer agora, especialmente porque é ele quem poderá vir a ficar no poder.

Mas e se também Mike Pence ficar infetado? Em terceiro lugar na linha de sucessão presidencial, está a presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi. Por isso, num cenário destes, seria ela a intervir.

Atualizado com informação sobre o internamento de Trump.