O Cedesa, centro que estuda assuntos económicos e políticos de Angola, defendeu esta sexta-feira a privatização de 33% da petrolífera angolana Sonangol e uma nova estratégia para a empresa, considerando o atual plano de recuperação insuficiente para torná-la lucrativa.
“Em relação à Sonangol, entende-se que não é suficiente e não é a melhor ideia apenas focá-la no petróleo. A reforma da companhia tem de ser mais ambiciosa e com visão de futuro”, afirma o Cedesa, numa análise à situação da empresa estatal angolana, poucos dias depois de terem sido conhecidos os resultados da petrolífera relativos a 2019.
Para o grupo de académicos, se a primeira tarefa do governo e dos órgãos sociais da Sonangol “é eliminar a corrupção dentro da empresa”, a segunda, “e não menos importante tarefa, é tornar a companhia lucrativa e com perspetivas de futuro”.
O documento refere que os lucros líquidos da empresa caíram, em 2019, para 46 mil milhões de kwanzas (106,2 milhões de euros) comparando com os 80 mil milhões de kwanzas (286,6 milhões de euros) em 2018, e embora admitindo que várias razões justificam a queda, desde a baixa do preço do petróleo à cessação de recebimento de provimentos como concessionária nacional, “o número significa uma fragilidade adicional da empresa”, sublinham.
Além disso, a consultora KPGM aponta que os passivos ou obrigações da Sonangol ultrapassam os seus ativos, algo que não acontecia desde 2016, realça a análise, adiantando que tal significa que “o core business da empresa não está competitivo”.
A análise do Cedesa salienta ainda que, em 2019, a Sonangol teve vendas de 10 mil milhões de dólares, menos 4% do que em 2018, e além das vendas estarem estagnadas, a produção de barris de petróleo também se encontra parada nos 232 mil por dia e há receios que no futuro o petróleo venha a perder a importância que tinha na economia mundial. Fatores que fazem com que o contributo da petrolífera para a economia angolana seja mais reduzido.
“O valor das despesas do Orçamento de Estado angolano para 2020 na versão revista é de 23 mil milhões de dólares [19,5 mil milhões de euros]. Como apenas uma parte das vendas da Sonangol reverte a favor do Estado, temos um contributo direto da Sonangol para a economia nacional muito mais reduzido que no passado”, conclui o Cedesa. Além disso, “o total de vendas da Sonangol não chega já aos 10% do PIB”, destacam.
Estes elementos levam-nos a duas conclusões: a atividade petrolífera da Sonangol está estagnada e a empresa já não tem magnitude para ser o propulsor da economia angolana”, afirmam.
O Cedesa defende, por isso uma estratégia que passe também pela privatização de 33% do capital da Sonangol, que proporcione “investimento internacional, envolvimento do capital angolano e motivação dos seus trabalhadores”.
Para alcançar estes objetivos, consideram um modelo em que dos 33% de capital social a privatizar, 15% seriam para investidores estrangeiros e objeto de uma OPV (Oferta Pública de Venda) numa Bolsa Internacional de referência mundial, com liquidez abundante. Os outros 10% seriam para investidores nacionais, numa OPV em Luanda. Uma parcela de 8% seria destinada aos trabalhadores da Sonangol.
Desta forma, “ter-se-ia a entrada de dinheiro novo, ideias arejadas e pessoas sem ligações ao passado” e “permitiria uma diferente aproximação aos problemas e uma renovação da visão de futuro”, argumentam.
O Cedesa advoga que a empresa devia levar a que fosse “vendido aquilo que não é lucrativo e em que a companhia não é competitiva”, e ao mesmo tempo reforçar a “capacidade e envergadura”, segundo uma “Estratégia do Harmónio”.
As restantes atividades devem permanecer na Sonangol, sendo simultaneamente lançada uma estratégia de renovação, que assenta em desenvolver um negócio ‘downstream’ mais forte, capacidade acrescida de refinação, expansão para produtos químicos, e aposta em energias renováveis abundantes em Angola, como o sol e água, ao mesmo tempo criando novas tecnologias por meio dos seus esforços de I&D e desenvolvendo novas linhas de negócios por meio de investimentos e aquisições”, defende a análise.
“Quer isto dizer que deverá haver um esforço transformativo da Sonangol e não uma mera redução ou desmantelamento”, lê-se no documento.
Em relação às contas da empresa, o Cedesa considera que o aspeto essencial “começa por ser formal, pois, finalmente, foram eliminadas reservas contabilísticas que perduravam há 15 anos”. Assim, há um esforço para eliminar a função da Sonangol como “epicentro da corrupção, isto é, como a principal financiadora pública dos negócios e prazeres privados da elite dirigente angolana”.
Porém, o centro conclui que era também “importante que os administradores não executivos, além de assinarem publicamente o relatório e contas, emitissem uma declaração de verificação que não houve qualquer apropriação significativa e visível de fundos públicos por entidades privadas”.
“A transparência tem de ir mais longe”, advogam.