É a derradeira oportunidade num processo negocial que tem vindo a ser feito de ultimatos de parte a parte: o Bloco de Esquerda só aceita viabilizar o Orçamento do Estado para 2021 se o Governo se comprometer politicamente, através de um documento escrito, a resolver as questões que o partido considera fundamentais (com a proibição dos despedimentos e a solução para o Novo Banco à cabeça, mas também o desenho da nova prestação social e mais médicos para o SNS). Caso contrário, o voto está decidido: será contra. E nem a eventual discussão na especialidade mudará esse sentido. Se é para haver acordo tem de ser agora — até ao dia 28 de outubro.

“Se o Governo quiser ainda vai a tempo”, diz ao Observador uma fonte bloquista. A ideia é que o governo retome as negociações e vá ao encontro das pretensões bloquistas dando garantias públicas que depois eventualmente possam ser vertidas sob a forma de lei durante a discussão do OE na especialidade, quando o Orçamento for de novo aberto e sujeito a melhorias. É o Bloco de Esquerda a esticar a corda ao máximo.

No topo das prioridades bloquistas estão dois temas: a proibição dos despedimentos em todas as empresas com lucro e com apoios do Estado, e a proibição de novas injeções de capital no Novo Banco através do Fundo de Resolução (sem que antes seja feita uma nova auditoria). O BE sabe que, apesar de não constar nada sobre o Novo Banco no articulado da proposta de Orçamento, é nos mapas orçamentais que vão constar as autorizações de despesa que deverá surgir uma alínea sobre o Fundo de Resolução — se assim for, significa que “os contribuintes é que vão pagar”, porque o Fundo de Resolução funciona como garantia pública. E essa é uma linha vermelha para o BE.

Além desses dois dossiês, que, segundo o BE, o Governo insiste em não dar resposta (o máximo que fez no que toca aos despedimentos foi cortar nos benefícios fiscais das empresas que despeçam e dar uma indemnização “irrisória” a quem é despedido ao fim dos primeiros 120 dias de trabalho), há mais medidas que estão a dificultar um acordo: garantias de contratação na Saúde (mais médicos e com melhores condições), e o desenho da famosa prestação social para quem ficou sem rendimento (ou teve quebra significativa) durante a crise pandémica. O BE quer que essa prestação abranja mais famílias e mais trabalhadores independentes, tendo constatado que, tal como está, a prestação não é mais do que “um apoio extraordinário de 6 meses”, que faz com que alguns trabalhadores até fiquem a receber menos do que estiveram a receber nos últimos meses para fazer face à quebra de atividade.

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Catarina Martins já tinha deixado bem claro, esta manhã, numa entrevista à Antena 1, que, se a proposta de Orçamento do Estado ficar tal como está, o Bloco de Esquerda não a pode viabilizar. Mas logo a seguir, a coordenadora bloquista reforçava que mantinha a “porta aberta” e que o partido continuava a querer “negociar” com vista a ter um bom orçamento. Mas como? A ideia, segundo apurou o Observador, é dar mais uma oportunidade ao Governo para ir ao encontro dos bloquistas, depois de Catarina Martins ter registado que, desta vez, ao contrário das outras, o Governo fechou “unilateralmente” a porta das negociações sem haver acordo. “Fechou o documento sem concluir as negociações”, disse. No documento já não dá para mexer, é certo, mas ainda há uma forma possível de resolver a questão.

Ora, só se o Governo se comprometer a resolver as questões que o BE considera essenciais é que o partido aceita viabilizar o Orçamento. Mesmo que, para isso, esse compromisso fique escrito num documento à parte — uma vez que a proposta de Orçamento tem de ser entregue à Assembleia da República esta segunda-feira ao fim do dia e, a partir daí, não poderá sofrer alterações até ser votada na generalidade, a 28 de outubro. Esse documento à parte servirá como acordo político, que poderá depois ser vertido “sob a forma de lei” durante a discussão do Orçamento na especialidade — onde já são aceites alterações e melhorias ao orçamento.

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A ideia de um compromisso político extra-Orçamento, com medidas de impacto plurianual, não é nova, e tem vindo a ser colocada em cima da mesa das negociações bloquistas, sendo até do interesse do Governo para garantir apoio do BE por mais anos até ao fim da legislatura. Mas agora é o Bloco de Esquerda quem vira o jogo: acordo sim, em matérias extra-Orçamento também, como é o caso da legislação laboral, mas nos termos em que o BE quer. Ou seja, com mais avanços na proibição dos despedimentos, e com mais garantias de que não há mais empréstimos ao Novo Banco através do Fundo de Resolução. Matérias que podem até não estar no Orçamento, mas que o Bloco diz que são imprescindíveis para sua viabilização. É isso, ou nada.