Na terça-feira, quando António Costa teve à sua frente Catarina Martins voltou a lançar para cima da mesa um tema que o Bloco de Esquerda julgava já estar arredado destas conversas: um acordo que inclua mais garantias para o tempo que resta da legislatura. A resposta foi ‘primeiro vamos ao Orçamento’. Nem sim, nem não ao acordo “sólido e duradouro” para o qual o primeiro-ministro desafiou a esquerda no final da época passada. A possibilidade continua, assim, em cima da mesa, mas apenas com o BE a não fechar a porta. O PCP já está fora, embora continue à mesa do Orçamento para o próximo ano — e aí, “as linhas negociais continuam em aberto”. Não estamos num ponto de impossíveis”, assegura fonte do Governo.

“O acordo duradouro está em aberto”, afirma ao Observador uma fonte do Executivo de António Costa quando questionada se o assunto teve algum desenvolvimento nas reuniões ao mais alto nível que decorreram entre os líderes do Governo, do Bloco e do PCP nos dois últimos dias. “É preciso saber se a lista de medidas que o BE apresentou ao Governo é de compromisso no quadro da viabilização do Orçamento para 2021 ou do acordo duradouro”. E o PCP? “Já tornou claro que não quer”. E esta quarta-feira, o líder parlamentar do PCP disse isso mesmo numa conferência de imprensa no Parlamento: “Não vemos necessidade nenhuma de retomar essa discussão”.

Mas a resposta do Bloco de Esquerda registada pelo Governo foi outra. O Observador confirmou junto do BE que o partido não descartou a questão. Quando confrontada com o desafio de Costa, a resposta não fecha a porta: “Temos de dar um passo de cada vez e que primeiro temos de nos pôr de acordo sobre o Orçamento do Estado”. A verdade é que nesta matéria, o partido liderado por Catarina Martins não esconde que está longe dos seus objetivos. Por isso, nesta altura evita “desviar a conversa do Orçamento”.

Mas António Costa vai querer uma resposta concreta e num curto espaço de tempo, até porque logo depois do Orçamento entregue no Parlamento (12 de outubro), vai ter de entregar em Bruxelas o Plano de Recuperação e Resiliência que tem execução até 2026 e também o Quadro Financeiro Plurianual 2030. São três velocidades: na primeira, o Governo ainda conta, nesta altura, com PCP e BE, mas para as duas outras já sabe que só tem o Bloco à mesa e aguarda saber se é para se manter ou não.

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Catarina Martins levou uma vasta lista de medidas pretendidas pelo seu partido ao Governo, esta terça-feira, e a reação do lado de lá é descrita assim por um governante ao Observador: “Há medidas que podem ter impacto anual ou plurianual e a disponibilidade do Governo também é diferente se tivermos disponibilidade para um Orçamento ou para um acordo acordo estável e duradouro”. A negociação ficou, assim, em aberto.

E o mesmo aconteceu com o Orçamento do Estado, embora existam muitos problemas pela frente. Na longa lista do BE estava a necessidade de uma solução para que não entre mais dinheiro dos contribuintes no Fundo de Resolução do Novo Banco, sem que isso signifique o incumprimento do acordo com a Lone Star, ou seja, que continue a ser injetado dinheiro. Mas as duas partes continuam sem chegar a uma solução de compromisso sobre este tema. Foi um dos blocos onde não se registou qualquer avanço na reunião com o primeiro-ministro e foi marcado novo encontro para a próxima semana.

Uma concretização na Saúde Mental e as diferentes perceções das partes

Com o BE outro tema que continua sem fumo branco é o da legislação laboral e depois há outros dois que o Governo diz ter “percorrido” com a comitiva bloquista e “discutido em pormenor, ponto a ponto”. Isso para o lado de São Bento é visto como um “avanço”, mas no BE “como não há nada fechado, não houve avanços”. Ainda assim, ficaram mais tempo dedicados a questões relativas ao SNS e ao modelo da nova prestação social temporária. Neste último ponto, o Governo está a colocar especial pressão sobre o partido de Catarina Martins.

PCP e BE chamados a São Bento. Bloco avisou que quer mais reuniões com Costa presente

O mesmo membro do Governo revela ao Observador que se trata de uma medida que implica “milhões e milhões de euros” e é “muito significativa do ponto de vista do impacto financeiro para os abrangidos“, acrescenta recusando revelar o valor em causa. E remata, em tom de desafio para o lado de lá: “Com uma coisa deste calibre em cima da mesa seria muito estranho que o BE não concordasse”. Mas o parceiro de negociação discorda da proposta do Governo quanto ao universo a que se pode aplicar a nova prestação. Quer que seja tido em conta o rendimento individual e não do agregado familiar, como o Governo terá proposto. Mas há uma coisa que o Executivo dá já por garantida, é que “é claro que haverá prestação social para as franjas a descoberto das outras prestações sociais”. Por enquanto, o modelo ainda está em desenho. Em negociação mantêm-se “pequenos aspectos que têm algum impacto no desenho final da medida”, diz o Governo.

Pelo meio da negociação, vai acenando com a concretização de algumas conquistas passadas ao Bloco de Esquerda, para mostrar que “existe uma base de confiança” entre as partes. Uma delas foi a assinatura esta terça-feira de um despacho da ministra da Saúde e do ministro das Finanças para que sejam constituídas cinco equipas comunitárias de saúde mental cada uma numa das cinco áreas de administração regional. Uma das medidas que o BE tinha conseguido que fosse inscrita no Orçamento para este ano e que vê agora concretizada.

“É mais um exemplo, a somar ao IVA da energia e à questão do fator de sustentabilidade”, enumera-se no Executivo como quem mostra “empenho para concretizar compromissos”. A falta de execução de algumas medidas negociadas anteriormente com o Governo, nomeadamente na área da Saúde, tem sido criticada publicamente pelos dirigentes bloquistas, com Catarina Martins à cabeça a exigir que o Governo cumpra o que está no Orçamento deste ano que previa a  contratação de 8.400 profissionais em dois anos. “A pandemia só veio dar mais razão. É importante que o Governo execute o que estava no Orçamento para este ano e que garanta o reforço do SNS”, defendeu a líder do partido ainda este mês.

Quanto ao PCP, o Governo manteve-se às escuras até à Festa do Avante, em que Jerónimo de Sousa avançou com algumas das medidas que o PCP quer, e agora teve novamente um longuíssimo caderno de encargos, de 47 medidas, que lhe foi entregue. Aliás, o líder parlamentar João Oliveira havia de o apresentar depois da reunião com Costa em São Bento, numa conferência de imprensa na Assembleia da República. O Governo não se assustou com o tamanho do “caderno reivindicativo” comunista e fonte do Executivo garante que não se tratou de “uma reunião de coisas impossíveis com o PCP. Há coisas que nos distanciam mais do que outras, por isso foram marcadas novas reuniões de trabalho mais concertas para ver se há caminho para esse encontro”. Os comunistas não ficaram, no entanto, com nova reunião com o primeiro-ministro agendada. Logo se verá.

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No Parlamento, João Oliveira nunca usou a palavra “negociação” e deu apenas “conhecimento público de questões pelas quais nos estamos a bater no Orçamento do Estado, como sempre fizemos no passado. Mas o que vai ter seguimento ou não depende da consideração que o Governo vier a fazer”. Não revelou se já tinha alguma medida aceite pelo Executivo por “cautela”. “A experiência deve levar-nos a ter cautelas em anúncios sobre a inscrição de determinada medida no Orçamento, porque já tivemos momentos em que uma coisa era dada como adquirida e depois não ficou inscrita”, disse João Oliveira que ao fim da manhã tinha ido até ao gabinete de Costa acompanhado pelo secretário geral do partido, Jerónimo de Sousa. .

Recorde-se que no Orçamento Suplementar (que veio dar resposta à pandemia), os comunistas começaram por abster-se na primeira votação, acabando por votar contra na final global. Disse que isso não queria dizer que ia seguir essa mesma votação dali em diante, mas mantém reserva absoluta sobre o seu grau de otimismo quanto a este Orçamento.