Na véspera da discussão do Orçamento do Estado para 2021 no Parlamento, a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, atualizou em alta o número de pessoas abrangidas pelo novo apoio social que será pago a alguns trabalhadores com perdas de rendimento — e cujo desenho é objeto de discórdia entre Executivo e Bloco de Esquerda. Afinal, o apoio vai abranger 250 mil pessoas (e não 175 mil) e terá um custo de 633 milhões de euros. O Bloco, que anunciou o voto contra o Orçamento, tinha criticado o apoio anunciado pelo Governo por deixar de fora “uma parte importante” de trabalhadores.

A ministra esteve esta segunda-feira a ser ouvida nas comissões de Orçamento e Finanças e de Trabalho e Segurança Social​. Ana Mendes Godinho frisou que o Orçamento do Estado para 2021 prevê um “aumento da despesa da Segurança Social em mais 1.960 milhões de euros” para “fazer face ao momento que vivemos”.

Segundo a ministra, a Segurança Social pagou, até ao momento, 34 mil baixas por Covid-19 e 110 mil por isolamento profilático. Já o prolongamento das prestações sociais mínimas para “garantir que ninguém ficava a descoberto, nomeadamente quando terminou o subsídio social de desemprego ou RSI (rendimento social de inserção)” chegou a  60 mil pessoas.

Ana Mendes Godinho disse ainda que o layoff simplificado, que acabou em julho, mantendo-se apenas para as empresas obrigadas por lei a encerrar, abrangeu 895 mil trabalhadores, enquanto que os apoios pós layoff, como o apoio à retoma progressiva ou o incentivo à normalização da atividade, chegaram a 460 mil trabalhadores.

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Todos juntos, os apoios extraordinário no âmbito da pandemia “abrangeram 2 milhões e 200 mil pessoas, 150 mil empresas, e 2 mil milhões de euros de custos entre custos associados diretos, a cerca de 500 milhões de euros associados a isenções e reduções de contribuições”.

Aumento do valor mínimo do subsídio de desemprego vai chegar a 130 mil

O aumento do valor mínimo do subsídio de desemprego, proposto no Orçamento do Estado (OE) para 2021, vai abranger 130 mil pessoas, disse ainda Ana Mendes Godinho. Na proposta de OE, o Governo propõe a subida deste valor em cerca de 66 euros, para cerca de 504 euros (1,15 IAS).

Sobre o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), a chamada “almofada” do sistema para pagar os encargos com pensões, Ana Mendes Godinho diz que, em 2021, vai atingir “22,2 mil milhões de euros de ativos, o que significa, em comparação com 2015, mais 8 mil milhões de euros de ativos”. O fundo teria capacidade, num cenário teórico de completa ausência de receita contributiva, para pagar as pensões do sistema previdencial durante 20 meses. Os primeiros saldos negativos chegam, nas previsões do Governo, no final de década de 2020, “um cenário semelhante ao que se esperava em 2018 e 2019”, mas um recuo de dez anos face a 2020 devido à “evolução que vivemos”.

Direita critica OE de “propaganda política ilusória”, PS fala em “desilusão” com voto contra do Bloco

Depois de o Bloco de Esquerda ter dito que vai votar contra o Orçamento do Estado, o deputado Tiago Barbosa Ribeiro, do PS, elogiou as medidas do Governo. “Infelizmente, soubemos ontem que isto não foi suficiente para garantirmos a viabilização por parte do Bloco de Esquerda, depois de meses de diálogo. Compreendemos politicamente o voto do PSD e da direita porque este Orçamento do Estado se posiciona contra os seus valores e princípios. Mas apenas podemos registar com desilusão a posição assumida pelo BE”, disse.

Na resposta ao deputado, Ana Mendes Godinho disse que este momento é de “alguma perplexidade”. É que, considera, “já era expectável que do lado da direita houvesse oposição”. Mas da esquerda, o Governo esperava outra resposta “depois de um trabalho intenso de muitas negociações e muita evolução naquele que é um caminho de resposta ao país, no momento em que o país precisa de uma resposta coletiva e uma mobilização em conjunto da esquerda”. “Não se compreende que não estejamos todos juntos a construir este Orçamento que responde ao país nesta fase que vivemos.”

À direita, Ofélia Ramos, do PSD, acusou o OE de ser “propaganda política ilusória”, criticando o documento por ter “menos apoios para empresas e famílias”. E critica que em contribuições e quotizações se preveja um aumento de 5,2%, uma subida face a 2019 quando a economia se encontrava em crescimento, argumenta.

O apoio da discórdia: Bloco diz que condição de recursos deixa “uma parte importante” de trabalhadores de fora, ministra atualiza números

O deputado bloquista José Soeiro questionou Ana Mendes Godinho sobre o número de pessoas que acederam ao apoio extraordinário para trabalhadores independentes e sócios-gerentes, mas que vão ficar de fora em 2021 se o Governo mantiver a proposta de incluir a condição de recursos no novo apoio social. Na resposta, a ministra do Trabalho disse que “hoje vivemos um momento completamente diferente” de quando os apoios foram criados. Segundo os dados do Governo, em julho, havia 60 mil trabalhadores independentes a beneficiarem do apoio extraordinário à redução da atividade económica e 30 mil sócios-gerentes. Em setembro, esses valores baixaram para 15 mil em ambos os casos.

Ana Mendes Godinho frisou que o novo apoio foi construído em “dialogo permanente”. “Desde o início que o Bloco de Esquerda identificou que este devia ser um apoio com condição de recursos”, apontou.

José Soeiro respondeu que “o que temos hoje no Orçamento do Estado, ao contrário do que era a proposta inicial do Bloco, não é uma nova prestação social” mas “um novo apoio extraordinário que tem uma condição de recursos tão apertada que há uma parte importante de trabalhadores independentes que ficam de fora”. E que “em 2020 tiveram acesso ao apoio e agora não cabem na condição de recursos que o governo definiu”.

No início da audição, a ministra tinha dito que a previsão de abrangência é de 175 mil pessoas, com uma dotação de 465 milhões de euros, um valor que “entretanto foi sendo adaptado” durante as negociações à esquerda. Na declaração final, atualizou esses números, revistos em alta devido a essas mesmas negociações. Afinal, “com os cálculos” atuais e “com o alargamento” feito pelo Executivo, o apoio “consegue abranger neste momento muito mais pessoas do que aquela que foi a construção inicial”: o Governo estima que o novo apoio chegue a 250 mil pessoas com um custo de 633 milhões de euros.

Segurança Social fez 396 fiscalizações a lares este ano

Ana Mendes Godinho adiantou ainda que “só este ano, a Segurança Social fez 396 fiscalizações a lares em Portugal”. Nos últimos quatro anos, “encerrou 606 lares ilegais no país”. Sempre que é detetada uma situação ilegal, explicou a ministra, procede-se à fiscalização do lar e à ordem de encerramento.

Só que em “muitas das situações” essa ordem é alvo de recurso “e há situações em que os processos ficam pendentes à espera de uma resposta por parte dos tribunais.

Segundo a ministra, os utentes dos lares ilegais “têm a mesma proteção por parte da Segurança Social” do que os restantes. “Sempre que são detetadas situações ilegais, são desencadeados os processos e há uma fiscalização.”

Além disso, vai ser lançado um segundo aviso para a contratação de técnicos qualificados (com uma remuneração mensal de 1.200 euros) para o setor social, como lares, que pressupõe um apoio financeiro pago às instituições durante três anos, tendo como contrapartida a contratação de trabalhadores sem termo. “Foi lançado o primeiro aviso mas atendendo à importância e relevância de mobilizar recursos humanos qualificados para setor social decidimos abrir um segundo aviso especial só dedicado ao setor social no valor de 20 milhões de euros, que será aberto nos próximos dias”.

Este apoio “é conciliável com o programa Regressar, permitindo que muitos jovens que tenham tido a necessidade de emigrar em anos anteriores possam, ao abrigo deste programa, acumular o apoio ao regresso e reinstalação, com apoio às instituições para a contratação sem termo”.

Notícia atualizada às 20h30 com novas declarações da ministra Ana Mendes Godinho