Dezoito grandes comícios do presidente norte-americano Donald Trump podem ter contribuído para que os Estados Unidos da América tenham tido mais 300 mil infeções com SARS-CoV-2, a nova estirpe de coronavírus que pode causar a doença Covid-19, e possivelmente 700 mortes adicionais. A hipótese é levantada num novo estudo de investigadores da universidade de Stanford, do estado da Califórnia (ler aqui).

No estudo intitulado “Os Efeitos dos Encontros de Grandes Grupos na Propagação da Covid-19: o Exemplo dos Comícios de Trump”, os investigadores de Stanford, B. Douglas Bernheim, Nina Buchmann, Zach Freitas-Groff e Sebastián Otero, escrevem que concluíram, a partir de extrapolações de amostragem de vários comícios de Trump, que “estes dezoito comícios resultaram em última análise em mais de 30 mil casos confirmados de Covid-19 adicionais”.

Aplicando taxas de mortalidade posteriores ao evento especificas para cada município, concluímos que é provável que os comícios tenham provocado mais de 700 mortes (não necessariamente de presentes)”, lê-se ainda no estudo.

Logo na introdução do estudo, os investigadores referem que “para captar os efeitos de contágios subsequentes nas comunidades em causa”, analisaram dados de um período de até dez semanas posteriores a cada evento.

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O método aplicado foi “baseado num conjunto de modelos de regressão, um para cada evento, que captam a relação entre os efeitos pós-eventos e as características pré-evento, incluindo demografia e a trajetória de casos Covid-19, em municípios semelhantes” àqueles que os comícios ocorreram. E as estimativas são de que os 18 eventos “aumentaram subsequentemente os casos confirmados de Covid-19 em mais de 250 por cada 100 mil residentes”.

Donald Trump Holds Campaign Rally In Hickory, North Carolina

Imagens de apoiantes de Trump num comício este domingo, no estado da Carolina do Norte (@ Michael Ciaglo/Getty Images)

Os investigadores apontam ainda, neste estudo, que estão “a par de um pequeno conjunto de análises semelhantes” feitas pelos seus pares. Citam, desde logo, um estudo intitulado “Risk aversion, offsetting community effects, and covid-19: Evidence from an indoor political rally”, que se concentra num comício de Trump em Tulsa, e comentam-no: “Não encontram nenhum acréscimo de novos casos ou mortes. O problema em concentrarmo-nos num só evento é que os efeitos na Covid-19 são altamente variáveis, como indicado pela magnitude dos erros padrão de previsões na nossa análise”.

Em cenários deste tipo, em que a análise se prende com infeções e posterior propagação da Covid-19 como resultado de grandes ajuntamentos, usar fórmulas de cálculo e comparação de “eventos múltiplos”, como aqui é feito, “produz resultados mais fiáveis”, escrevem os autores.

Os investigadores da universidade de Stanford referem ainda um outro trabalho, publicado com o título “The White House coronavirus cluster is a result of the trump administration’s policies” por Thomas Waldrop e Emily Gee. “Tal como nós, seguem a estratégia de se focar num conjunto de comícios, mas a análise deles questiona apenas se o número de casos nas três semanas posteriores ao comício foi superior ou inferior às tendências pré-existentes. A nossa análise envolve previsões mais elaboradas e abrange dados de até dez semanas posteriores ao evento”.

O último ponto, essa última diferença, tem elevada probabilidade de ser especialmente importante, na medida em que as consequência de um evento de super-propagação podem ter um efeito bola de neve com a passagem do tempo. Ainda assim, as conclusões desse estudo corroboram as nossas: [citação:] ‘os comícios Trump são muitas vezes seguidos de uma propagação maior do coronavírus pela comunidade’.”

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Escrevem ainda os autores que além do estudo de Thomas Waldrop e Emily Gee, também “as análises em Nayer” apontam para uma conclusão semelhante, de crescimento das infeções nas comunidades após grandes eventos como o foram os comícios de Donald Trump. Aqui, os autores referem-se a uma análise cujo título é “Surtos Comunitários de Covid-19 emergem muitas vezes depois de comícios de campanha de Trump”, escrita por Zach Nayer (ler aqui).

Escrevem ainda os investigadores que a análise agora revelada “suporta fortemente os avisos e recomendações de oficiais de saúde pública relativamente ao risco de transmissão da Covid-19 em encontros de grandes grupos, particularmente quando o grau de cumprimento de diretrizes relativas a uso de máscara e distanciamento social é baixo. As comunidades nas quais os comícios de Trump aconteceram pagaram um preço alto relativamente a doenças e mortes”.

Donald Trump Holds Campaign Rally In Hickory, North Carolina

@ Michael Ciaglo/Getty Images

A justificar a escolha de comícios de Donald Trump como exemplo para perceber os efeitos de encontros em grande escala, os investigadores escreveram que estes eventos “tiveram vários ingredientes distintivos”. Primeiro, “envolveram um grande número de participantes” — “embora os dados sobre os participantes sejam pobres, calcula-se que o número de participantes tenha rondado geralmente os milhares e em alguns casos as dezenas de milhar”. Segundo, “o conjunto de grandes eventos de campanha de Trump é facilmente identificável”, ao contrário de outros conjuntos de grandes eventos mais difíceis de situar, localizar ou confirmar. “Sabemos ‘se’ e ‘quando’ a campanha de Trump teve um comício em cada município”, referem. Terceiro, “os eventos aconteceram em dias identificáveis”, não se tendo espalhado ao longo de vários dias, o que tornaria a relação entre número de casos posteriores e o evento mais complexas.

Outro dado de relevo é que “pelo menos ao longo do mês de setembro de 2020”, o “grau de cumprimentos e diretrizes relativas ao uso de máscara e distanciamento social foi baixo”, em parte porque “a campanha de Trump desvalorizou o risco de infeção”. Este pormenor “aumenta o risco de que um comício posa tornar-se um ‘evento de super-propagação”.

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