O Presidente dos EUA afirmou na madrugada desta sexta-feira que o Twitter, a sua rede social favorita, está “descontrolado” — isto porque está a esconder publicações feitas por Donald Trump e, na opinião do candidato republicano a estas eleições, está a fazê-lo injustamente. Quando se contabilizam as publicações feitas por Trump nos últimos dias, constata-se que praticamente metade das dezenas de publicações de Trump foram tapadas pela rede social – e uma delas foi mantida visível mas com um alerta de que as “fontes oficiais” não tinham ainda indicado um vencedor nos vários estados. Essa foi uma publicação onde Trump escreveu que vinha, “por este meio”, declarar-se vitorioso em estados como o Michigan (onde Biden teve mais votos, segundo as fontes oficiais).
“Algum ou todo o conteúdo partilhado neste tweet é controverso e poderá ser enganador em relação a uma eleição ou outro processo cívico.” Em 11 dos 26 tweets de Donald Trump desde a noite eleitoral, esta é a mensagem que aparece a tapar as publicações feitas pelo Presidente dos EUA. Os utilizadores da rede social têm sempre a hipótese de ler o que está escrito mas precisam, para isso, de clicar no botão de “view/visualizar” que está ao lado da mensagem de alerta. Deixam, porém, de poder “gostar” e comentar o post.
Quais tweets estão visíveis e quais foram tapados?
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Entre as mensagens de Trump que foram suspensas estão os vídeos da conferência de imprensa da noite de quinta-feira, mas também várias referências a “votos ilegais” e “votos secretamente despejados, como foi amplamente noticiado pelos jornais”.
ANY VOTE THAT CAME IN AFTER ELECTION DAY WILL NOT BE COUNTED!
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) November 5, 2020
O Twitter autorizou, porém, tweets curtos como a anunciar declarações iminentes, mas também publicações como aquela onde Trump diz que “eles estão a achar votos por Biden em todo o lado – na Pensilvânia, no Wisconsin, no Michigan. Tão mau para o nosso País!”.
They are finding Biden votes all over the place — in Pennsylvania, Wisconsin, and Michigan. So bad for our Country!
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) November 4, 2020
O Twitter também deixou que Trump perguntasse – presumivelmente de forma retórica – porque é que “cada vez que se contam boletins enviados por correio eles são tão devastadores na sua percentagem e no seu poder de destruição?”
Já na publicação onde Trump declara vitória em vários estados decisivos, a mensagem não está escondida mas também é colocado um alerta, em ponto de exclamação, para que os leitores percebam que aquela não é uma declaração válida se olharmos para o estado atual da contagem de votos.
São, portanto, 12 os posts de Trump que foram marcados pela rede social como questionáveis ou que foram, mesmo, escondidos. Esta é uma contagem que não inclui as partilhas diretas de notícias – quase exclusivamente notícias escritas no portal conservador Breitbart – mas inclui os vídeos de trechos das duas conferências de imprensa que Trump deu neste intervalo de tempo, isto é, a conferência dada na noite eleitoral e a que deu ao final da noite desta quinta-feira, onde voltou a acusar o Partido Democrata de estar a “roubar” a eleição. Também essas foram tapadas.
A “prenda” que o governo “deu” às big tech
Além de afirmar que o Twitter estava “descontrolado”, Donald Trump argumentou que este é um critério – ou falta dele, na sua visão – que só se está a verificar porque foi dado ao Twitter uma “prenda”, pelo “governo”, que é a legislação conhecida como “Section 230“.
Esta é uma provisão legal criada em 1996 (incluída no Communications Decency Act) que tem vindo a ser criticada tanto por republicanos como democratas, mas por razões diferentes. Ficou claro numa audição recente no Senado aos líderes das principais tecnológicas – como os presidentes do Twitter, do Facebook e da Google – que ambos os partidos querem reformar esta provisão legal mas não há consenso sobre exatamente que forma a “Section 230” deve assumir.
Ao abrigo da “Section 230”, as grandes empresas tecnológicas, incluindo as que gerem redes sociais, estão isentas de responsabilidade legal em relação àquilo que os utilizadores das suas plataformas escrevem nessas mesmas plataformas. Originalmente, essa legislação – que muitos consideram absolutamente fundamental para a liberdade na Internet – foi criada para proteger os primeiros fornecedores de acesso à internet (os ISPs) daquilo que os internautas faziam online. Mas, com o crescimento da chamada Web 2.0, em que os utilizadores são cada vez mais produtores de conteúdo e não apenas consumidores de conteúdo, essa provisão legal tem sido usada para ilibar as big tech de responsabilidade civil ou, mesmo, criminal.
Twitter is out of control, made possible through the government gift of Section 230!
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) November 6, 2020
Joe Biden também criticou a Section 230 porque, na ótica do Partido Democrata, é uma legislação que permite que as tecnológicas tenham uma postura passiva perante a publicação de falsidades por parte dos seus utilizadores. Por outro lado, onde Trump e muitos republicanos veem um problema é, sobretudo, na parte da Section 230 que diz que as empresas que gerem as redes sociais têm liberdade para definir o seu próprio critério de moderação – isso é o que permite que haja uma “censura” que, na opinião veiculada por vários republicanos na audição senatorial, tende a prejudicar mais os republicanos e as visões conservadoras do que os democratas e as visões progressistas.
É essa a “prenda” que Trump considera que o “governo” deu ao Twitter e às outras empresas: a liberdade de tapar umas mensagens e não tapar outras, conforme um critério definido pelas próprias empresas. É um critério que já tinha feito com que outras mensagens de Trump tivessem sido bloqueadas, mesmo antes das eleições – a mais paradigmática aconteceu depois de um tribunal da Pensilvânia autorizar a contagem de votos que chegam até três dias depois da eleição, quando Trump sugeriu que essa era uma decisão que poderia “induzir violência nas ruas”.
Este foi um bloqueio de uma mensagem de Trump que surgiu no contexto das novas políticas anunciadas pelo Twitter em setembro, com o objetivo de combater a desinformação em torno dos resultados das eleições e antevendo que poderia haver “avisos e restrições adicionais sobre tweets com informação enganadora por parte de figuras políticas dos EUA (incluindo candidatos e contas de campanhas eleitorais).
Aliás, não foi apenas Trump que já viu os seus tweets marcados. A 15 de outubro, a rede social suspendeu temporariamente a conta da campanha de Trump (@TeamTrump) por partilhar um vídeo a falar sobre alegadas ligações de um filho de Joe Biden, Hunter, a uma empresa ucraniana de energia – isto embora esse vídeo fizesse alusão a matérias que foram noticiadas pelo jornal The New York Post. Mas o Twitter considerou que aquela era informação obtida através de “pirataria informática” e de “informação pessoal e privada”.