Instituição centenária, a Liga Africana acolheu figuras de proa do nacionalismo angolano que foram pedras basilares na construção de Angola como nação independente, servindo as autoridades coloniais como referência da promoção social dos “nativos”.
O emblemático edifício cor-de-rosa, um ex-líbris da cidade de Luanda à época colonial, cuja construção foi iniciada quando Marcelo Caetano era ministro das Colónias e foi inaugurado em 1953, domina um quarteirão da rua com o mesmo nome.
É lá que o Presidente da Liga Africana, Carlos Mariano Manuel, explica como a organização foi a sede principal do nacionalismo angolano e inspirou nacionalistas de outros países africanos que integravam o império colonial português em África e “eram recebidos nesta casa muito antes do 25 de abril”
Entre estes, o fundador da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) Eduardo Mondlane que, na sua passagem por Angola, em direção aos Estados Unidos, onde iria prosseguir os estudos.
Também proeminentes figuras do Estado Novo português integravam uma visita à sede da Liga quando se deslocavam a Luanda.
A instituição era usada pelas autoridades portuguesas como demonstração da sua “atividade virtuosa de promoção social dos nativos de Angola”, explica o médico Carlos Mariano, professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade Agostinho Neto.
Por lá passaram Óscar Carmona, em 1938, Craveiro Lopes, em 1954 e o último Presidente do Estado Novo português, Américo Tomas.
E enquanto os membros da agremiação clamavam por maior justiça social e por liberdade, as autoridades coloniais tentavam atrair os dirigentes da Liga “para as teorias reformistas de integração de Angola no império português”.
Inevitavelmente, aconteciam momentos de tensão. Em dezembro de 1956, os novos órgãos sociais eleitos provocaram o desagrado das autoridades portuguesas e acabaram por só se manter em funções durante cinco meses.
Os seus integrantes perfilhavam uma linha de atuação que não era integrativa de Angola e, por essa razão, em maio de 1957, as autoridades coloniais impuseram uma comissão administrativa na Liga que esteve vigente até a proclamação da Independência, em 1975″, relembra Carlos Mariano
A Liga chegou inclusivamente a estar suspensa. Acusada de ter estado na base de sublevações e manifestações de protesto, levadas a cabo nos anos 20 do século passado, contra “a política segregacionista discriminatória de dominação que era levada a cabo pelas autoridades coloniais”, a organização criada em 1912 como Liga Angolana, começa a despertar nas autoridades coloniais sentimentos de “mal querença” em relação à sua existência.
E é assim que Norton de Matos, o governador que tinha permitido a sua fundação e “um convicto defensor dos interesses do colonialismo”, acaba por decidir em 1923 suspendeu a licença de funcionamento da Liga Angolana.
“Naturalmente que os líderes da comunidade nativa, os mais instruídos na altura, pensaram como poderiam contornar esta malquerença que existia das autoridades coloniais”, destaca o académico.
Sete anos mais tarde, “um grupo de quatro ou cinco ilustres membros da sociedade civil angolana” diligenciam junto dos representantes coloniais para que a organização seja recriada, ressurgindo como Liga Nacional Africana.
Carlos Mariano conta que o relacionamento dos líderes da Liga se fazia em primeira instância com as autoridades que representavam o poder português em Angola, mas quando “questões relevantes para a promoção social dos nativos de Angola, não tinham encaminhamento adequado nas autoridades coloniais destacadas”, os responsáveis recorriam à capital do império.
As autoridades portuguesas pretendiam a todo o custo que “houvesse alguma espécie de valorização social da população nativa que se converteria num capital humano mais qualificado até para os próprios propósitos da colonização”, com a instrução considerada a quintessência das atividades da Liga.
Já os dirigentes da Liga advogavam muitas vezes “as causas justas das populações de Angola”, como, por exemplo, alargar a todos o bilhete de identidade que, até 1962, era concedido apenas aos nativos com estatuto de assimilados.
A Liga tornar-se-ia gradualmente num veículo de oposição ao regime do Estado novo e ao colonialismo português, reforçando a sua presença como organização “nativista” da sociedade civil, que pretendia afirmar uma espécie de nacionalidade africana angolana “contra a vontade das autoridades coloniais”, que reiteravam não existir angolanos, mas sim portugueses naturais de Angola.
Uma significativa parte dos líderes dos movimentos políticos que se formaram na segunda metade da década de 50 do século XX foram, se não todos, membros da Liga Nacional Africana, incluindo alguns dirigentes, realçou.
Do liceu Salvador Correia, que o próprio Carlos Mariano frequentou, saíram os primeiros estudantes “provenientes da população nativa” que identificaram na Liga Nacional Africana, “um veículo sob cujos auspícios poderiam organizar-se para estudar formas mais apuradas, mais organizadas, de se oporem ao regime colonial e o regime do Estado Novo que existia em Portugal, que dominava naturalmente o povo português e os povos das colónias portuguesas”.
Para Carlos Mariano, “a Liga Nacional Africana foi um alfobre onde se fez o tirocinado cujo epílogo foi a consolidação das convicções, que permitiram a fundação de organizações políticas, como, por exemplo, o MPLA que é a força política que ainda governa o país”.
45 anos depois da independência, esta organização centenária continua a exercer múltiplas atividades, continuando dedicada à solidariedade social e às atividades culturais e é parceira do governo angolano no processo de reconciliação nacional em curso
Mantém também uma relação “dinâmica” com outras instituições da comunidade lusófona, incluindo a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e outras instituições da sociedade civil do espaço lusófono, designadamente o Movimento Internacional Lusófono
“Este é apenas o início de uma caminhada que se iniciou em 1912 e que nós pretendemos que nunca se extinga”, conclui Carlos Mariano.