Rudy Kurniawan, nome difícil de soletrar, é considerado o protagonista do maior caso de falsificação na história do vinho. Em 2013 foi condenado a 10 anos de prisão por vender milhões de dólares em vinhos falsificados, fazendo-os passar por colecionáveis e raros. A 6 de novembro de 2020, o cidadão indonésio saiu da prisão federal perto de El Paso onde passou os últimos anos e, de acordo com a Wine Spectator, está agora entregue ao Departamento de Imigração e Alfândega dos EUA e enfrenta a deportação. Continuam a ser muitos os mistérios em torno da sua identidade, mas uma coisa é certa: é a primeira pessoa a ser julgada e condenada por vender vinho falsificado nos EUA.
Rudy começou por emergir em círculos restritos de vinho em Los Angeles em 2003 e, se ao início era um desconhecido, depressa assegurou presença assídua em provas de vinhos e em leilões — nesta fase, era estimado que gastasse cerca de 1 milhão de dólares por mês em rótulos raros e valiosos. Figura misteriosa, de um olfato e palato invejáveis e de gostos extravagantes, outros colecionadores deram-lhe a alcunha de Dr. Conti dadas as muitas garrafas que comprou de Romanée-Conti, um dos rótulos franceses mais cobiçados no mercado (a título de exemplo, Domaine de la Romanée Conti tinto 1993 está à venda na Garrafeira Nacional por quase 24 mil euros).
O homem sobre o qual o documentário “Sour Grapes” se centra (disponível na Netflix) também fazia furor ao vender centenas de garrafas em leilões e em vendas privadas. Em 2006, num leilão da Acker, Merrall & Condit, os seus vinhos acumularam um valor total de 24,7 milhões de dólares, um número à data recorde para um único consignador. A 18 de dezembro de 2013, Kurniawan foi considerado culpado de fraude por vender vinhos falsificados. Para o caso que o deixou atrás das grades contribuíram três dos maiores nomes da Borgonha — Aubert de Villaine (Romanée-Conti), Christophe Roumier (Domaine Roumier) e Laurent Ponsot (Domaine Ponsot) — que testemunharam contra ele em tribunal. Foi aliás Ponsot quem assumiu um papel determinante no desenrolar dos acontecimentos, mas para isso é preciso recuar à noite de 25 de abril de 2008, quando um leilão realizado num restaurante nova-iorquino começou a expor as fendas no esquema fraudulento de Kurniawan.
Nessa noite em particular seria leiloada uma coleção de vinhos raros pertencentes ao indonésio de apenas 31 anos. Em causa estavam 268 garrafas de três produtores da Borgonha — talvez o plano tivesse corrido bem se na audiência não se encontrasse Laurent Ponsot que, desconfiado de que algumas garrafas fossem falsas, cruzou o oceano Atlântico para sentar-se à mesa daquele restaurante (entre o lote a ser vendido estavam vinhos de colheitas inexistentes, como o Ponsot Clos de la Roche de 1929, sendo que este só começou a ser produzido em 1934), como já antes contou o Observador.
Antes do momento da venda, o presidente da leiloeira, com quem Ponsot já tinha discutido as suas suspeitas, anunciou que os respetivos vinhos tinham sido retirados. Ponsot, que ficaria mais tarde conhecido como o “Sherlock Holmes da Borgonha”, passou os quatro anos seguintes a tentar descobrir a origem daqueles vinhos e foi mais do que uma vez desviado da investigação pelo próprio criminoso que se mostrou sempre evasivo sobre família e finanças. Bill Koch, um norte-americano bilionário que encontrou vinhos falsos na sua coleção, contratou detetives privados para investigar a situação e chegou mesmo a processar Rudy em 2009.
A 8 de março de 2012, Kurniawan foi detido na sua casa em Los Angeles. Lá dentro, os agentes do FBI encontraram tudo aquilo que precisavam para pôr o indonésio atrás das grades, desde rótulos impressos a garrafas e centenas de rolhas (na falsificação eram usados vinhos de alguma qualidade de maneira a passarem por rótulos colecionáveis). A investigação culminou numa verdade imprópria para consumo: era o próprio Rudy que engarrafava as garrafas pelas quais alguns colecionadores davam milhares de dólares, embora existam sinais de que não atuou sozinho. No documentário “Sour Grapes”, os investigadores alegam que o nome real de Kurniawan é Zhen Wang Huang (sendo que “Rudy Kurniawan” é a junção de dois jogadores de badmínton na Indonésia). Os autores do documentário rastreiam ainda o protagonista a uma família alegadamente ligada a uma fraude bancária de enormes proporções que ocorreu também na Indonésia.
Kurniawan terá vendido vinhos falsificados no valor de milhões de dólares, enganando assim alguns dos maiores colecionadores de vinhos do mundo. E é provável que ainda muitos dos seus rótulos continuem a circular no mercado.