As autoridades angolanas desmentiram esta quarta-feira a informação que circulou durante todo o dia de que um manifestante teria morrido durante confrontos entre manifestantes e polícia em Luanda no dia em que se assinalam os 45 anos da independência de Angola. Vários relatos de meios de comunicação social angolanos e de fontes em Luanda contactadas pelo Observador falam na morte de um ativista e de vários feridos durante os protestos.
O dia está a ser marcado por manifestações organizadas por ativistas em alguns locais em Luanda. O conhecido ativista Luaty Beirão também participou nos protestos e recebeu ordem de detenção da polícia enquanto fazia um vídeo em direto para o Facebook. A polícia angolana está a impedir a concentração de manifestantes na zona do cemitério de Santa Ana, em Luanda, e em vários bairros grupos de jovens que tentam forçar a passagem são afastados com gás lacrimogéneo, constatou a Lusa no local.
Beirão foi libertado algumas horas depois e falou de um “comportamento reiterado de selvajaria” por parte da polícia angolana e do “ressuscitar de ordem superior”.
“Enquanto uns querem querem conversar e querem dialogar, outros vêm e começam a disparar”, disse Luaty Beirão em declarações registadas em vídeo pelo portal angolano Marimba. “Há notícias de pelo menos um rapaz que morreu, ele estava ajoelhado, ele estava com um cartaz que dizia ‘deixem-me viver’. Qual é a ironia que pode existir? Não pode haver. É uma tragédia.”
“O responsável moral principal por isto é o Presidente da República“, acrescentou Beirão, salientando que a morte do manifestante deve ser imputada a João Lourenço por “legitimar” a forma como a polícia agiu em repressão dos manifestantes. “Não podemos andar com rodeios nem com paninhos quentes”, disse. “No tempo do José Eduardo não se matava à queima-roupa assim. Matava de outra forma. Tiravam da manifestação, levavam aos jacarés e atiravam”, acrescentou. “Mas assim. Bala real, pessoas que estão com cartazes?”
Ativista Luaty Beirão recebe ordem de detenção durante direto online
As autoridades tinham imposto fortes restrições à circulação rodoviária e efetuado revistas em vários pontos da cidade, mas as medidas implementadas pela polícia não impediram a realização de protestos na capital angolana.
Segundo o Novo Jornal, um jovem que integrava estas manifestações foi baleado mortalmente quando a polícia tentava dispersar os manifestantes. O comando provincial de Luanda da Polícia Nacional, no entanto, não confirmou ao mesmo jornal esta informação, dizendo não ter conhecimento da ocorrência de qualquer morte entre os manifestantes. O portal Angola 24 Horas identificou a vítima como NLandu Lukombo. Duas fontes no local deram a mesma informação ao Observador — e um vídeo que circulou entre ativistas e que o Observador também viu mostra o jovem inconsciente a ser levado por outros manifestantes.
Entretanto, de acordo com a Televisão Pública de Angola (TPA), a polícia desmentiu a morte do jovem ativista e afirmou que o manifestante se encontra internado no Hospital Américo Boavida. A polícia também negou ter utilizado balas reais nos protestos e assegurou que todos os detidos já foram libertados, à exceção dos que têm cadastro e dos que tentaram incendiar uma bomba de gasolina.
Entre os feridos encontra-se o jovem ativista Nito Alves, um dos integrantes do grupo de jovens conhecido por 15+2, caso de 2015/2016, de acordo com imagens divulgadas nas redes sociais. Nito Alves já foi hospitalizado. O Novo Jornal avança que a utilização de gás lacrimogéneo afetou vários moradores e há ainda registo de desmaios, incluindo crianças. Outro ativista conhecido em Angola — Belo Moreth — foi agredido pelas autoridades, de acordo com uma denúncia divulgada pelos grupos opositores ao regime angolano.
Ao Observador, Filomeno Vieira Lopes, dirigente do Bloco Democrático e um dos rostos mais conhecidos da oposição em Angola, disse que pelo menos 50 pessoas foram detidas. Laurinda Gouveia, uma ativista angolana que no ano passado perdeu um bebé depois de ter sido agredida pela polícia enquanto estava grávida, desmaiou depois de ter sido exposta ao gás lacrimogéneo, acrescentou Vieira Lopes.
Na zona, vários grupos de jovens tentaram forçar a passagem, desafiando a polícia com cânticos e pedidos de não violência. E, na estrada de Catete, começaram a concentrar-se outros manifestantes que foram dispersados para o interior dos bairros. Relatos de ativistas indicam a detenção de vários manifestantes.
Em declarações à Lusa, o porta-voz do comando provincial de Luanda da Polícia Nacional, Nestor Goubel, não confirmou a existência de detidos, remetendo para mais tarde um pronunciamento das autoridades, ressaltando que estão em curso atos de intimidação, vandalismo, desordem e queima de pneus que “a polícia está a tentar conter”.
Há um desrespeito total até da própria data da independência e do decreto presidencial, mas vai haver um pronunciamento oficial mais lá para frente”, acrescentou Nestor Goubel.
Entretanto, uma fonte confirmou ao Observador a existência de pelo menos quatro detidos: Garrido Mendes, Xito Milonga , Luís Campos e Suria Cambida. O nome de Luaty Beirão não constava na lista de detidos consultada pelo Observador.
Nestor Goubel frisou que o uso de gás lacrimogéneo é um meio de dispersão da polícia, reiterando que os manifestantes estão a fazer apedrejamentos, provocando confrontos com a as autoridades e gritando insultos, “que a polícia tem sabido de forma pedagógica conter”.
O ativista angolano Benedito (Dito) Dalí, um dos organizadores da manifestação, classificou como “um terror” a ação das autoridades a impedir a ação de protesto.
“Uma situação de terror que estamos a viver aqui, um verdadeiro estado político, que este regime institucionalizou neste país, que não permite que as pessoas se manifestem livremente face ao descontentamento”, disse à Agência Lusa Dito Dali.
Angola assinala esta quarta-feira 45 anos da independência do país, um feriado em já que estava prevista a realização desta manifestação, organizada por um grupo de jovens ativistas, com o objetivo de exigir melhores condições de vida e que seja apontada uma data para as primeiras eleições autárquicas.
O Governo da Província de Luanda proibiu a realização da manifestação, invocando diversos motivos, um dos quais o não cumprimento do Decreto Presidencial sobre o estado de calamidade pública, que impede ajuntamentos de mais de cinco pessoas nas ruas, como medida de prevenção e combate à propagação da Covid-19.