Quando Marta e Pedro pararam e olharam para dentro dos próprios roupeiros, o que retiraram de lá, além de muita roupa que não usavam, foi uma bela ideia de negócio. Moravam em Londres, na altura. Ela a trabalhar na área comercial do Grupo Inditex, apesar da formação em arquitetura. Ele do mundo da gestão e com experiência na banca. “Somos ambos consumidores de moda, atentos às tendências. Percebemos que acumulávamos cada vez mais roupa em muito bom estado, algumas peças ainda tinham etiqueta. Era um desperdício”, explica Marta Moutinho Rito ao Observador.

De um caso pessoal, começaram a confrontar amigos e a perceber que a necessidade era mais generalizada do que pensavam. As plataformas mundialmente conhecidas não eram uma hipótese — o processo moroso e a complexidade logística dissuadem qualquer um que mantenha uma agenda minimamente preenchida. Ao mesmo tempo, doar as peças sempre pareceu uma decisão desajustada, dado o valor que algumas tinham.

“Sell 1, Buy 1”, a campanha de lançamento da plataforma portuguesa White Stamp

Em 2017, regressaram a Portugal, determinados a investir na nova ideia. A partir de um estudo encomendado pela Oxfam, no Reino Unido, projetaram aquela que seria a realidade nacional — cada português terá, em média, 28 peças de vestuário paradas e praticamente novas, o que corresponderá a cerca de 700 euros empatados dentro do armário. Já no terreno, o casal tirou as suas próprias conclusões: mais de 90% dos inquiridos afirmaram estar “dispostos a vender este tipo de produtos com maior frequência se os processos fossem mais rápidos, simples e seguros”. Para responder a um problema transversal (e não exclusivo do britânicos) a White Stamp começou a ganhar forma em 2018. Na última terça-feira chegou ao mercado.

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“O nosso principal objetivo é massificar hábitos de consumo circulares e isso passa, em grande parte, por simplificar ao máximo a tarefa [de vender as peças usadas] para o utilizador. E a forma mais simples, rápida e segura de o fazermos era associando o momento da venda ao momento da compra e à rotina de consumo”, detalha Pedro Sobral Santos, o segundo mentor do projeto.

Na White Stamp, as peças são vendidas por um valor atribuído pela própria plataforma, o qual é convertido em crédito que fica imediatamente ao dispor do utilizador e que pode ser usado para fazer compras em marcas e plataformas parceiras. O esquema é possível com a ajuda de duas listas — a primeira descrimina quais as marcas aceites, uma lista de mais de 60 etiquetas e que inclui nomes como Bimba y Lola, Levi’s, Salsa e Tommy Hilfiger. Moda de gama intermédia que, além de vestuário, abrange também malas e calçado.

Os fundadores da White Stamp: Pedro Sobral Santos e Marta Moutinho Rito, na imagem da esquerda, e Rui Mendes, à direita © Divulgação

“Não fazia sentido estender o serviço a marcas de fast fashion, porque é muito mais difícil prolongar o ciclo de vida do produto”, explica Marta. A venda está sempre garantida. Após o preenchimento de um formulário online com as características do produto, a peça é enviada gratuitamente para a White Stamp. A cotação é confirmada e o valor fica ao dispor de quem vendeu. É nessa altura que o utilizador vai às compras, mas não sem antes consultar a segunda lista. Nesta, são sete as marcas e plataformas parceiras onde os utilizadores podem gastar o crédito resultante da venda das peças em segunda mão: Minty Square, HLC, Kin Beachwear, Maria Maleta, Näz, Overcube e Violet & Ginger. Cada uma, predefine o desconto aplicável, que segundo os mentores varia entre os 20% e os 25%. Marta e Pedro também garantem que a lista vai crescer até ao final do ano.

“Queremos criar o hábito de vender usado sempre que se compra novo”, sublinha a fundadora, enquanto Pedro salienta o papel da plataforma enquanto mediadora entre os dois mercados: o da primeira e o da segunda mão. As peças vendidas são encaminhadas para retalhistas da especialidade. Alguns deles estão em Portugal (em Lisboa e no Porto), outros estão noutros países europeus, onde o mercado é mais pujante.

Durante um ano, a White Stamp teve o apoio do StartUP Voucher, programa da StartUP Portugal que contribui para a dinamização de projetos empresariais na fase em que não passam de uma ideia. O impulso e o financiamento de 20 mil euros permitiu à dupla dedicar-se em exclusivo ao projeto, que conta hoje com um terceiro elemento — Rui Mendes, o engenheiro informático que faltava.

O esquema de funcionamento da White Stamp

Do futuro, espera-se uma expansão do programa “para um ecossistema de grandes marcas”, com a expectativa de chegar a parceiros internacionais em meados de 2021. O crescimento está dependente disso e, a longo prazo, de um investidor externo que esteja interessado em fazer a plataforma chegar mais longe. Para já, Marta e Pedro asseguram o arranque do negócio com capitais próprios e sublinham a permeabilidade das marcas e empresas portuguesas ao novo modelo de venda de roupa em segunda mão. A sustentabilidade é outra das palavras chave na White Stamp. Foi precisamente para combater o desperdício que, ao lado de um carrinho de compras, quiseram pôr um carrinho de vendas.