As autoridades de saúde não têm poder legal nem base constitucional para decretar o isolamento profilático — vulgo, quarentena obrigatória — de pessoas sem que Portugal esteja em estado de sítio ou de emergência e sem que o poder judicial ou o Parlamento sustentem a decisão.

A confirmação foi dada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que, segundo avança o Jornal de Notícias, posicionou-se deste modo na avaliação de um recurso judicial interposto pela Autoridade Regional de Saúde (ARS) dos Açores.

Na avaliação do recurso, as magistradas Margarida Ramos de Almeida e Ana Paramés escrevem que “face à Constituição e à lei, não têm as autoridades de saúde poder ou legitimidade para privarem qualquer pessoa da sua liberdade — ainda que sob o rótulo de confinamento“, refere o JN.

A colocação de pessoas em isolamento profilático “só pode ser determinada ou validada por autoridade judicial“. Para poderem decretar a quarentena e a privação de liberdade de circulação de cidadãos, as Autoridades de Saúde têm de ter respaldo “por força da lei — proveniente da Assembleia da República —, no âmbito estrito da declaração de estado de emergência ou de sítio“. Sem isto, estar-se-á “a proceder a uma detenção ilegal“.

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O posicionamento do Tribunal da Relação foi expresso na sequência de um diferendo judicial nos Açores, nomeadamente na sequência de um recurso interposto pela ARS dos Açores. O recurso questionava a aceitação de um pedido de libertação imediata (habeas corpus) de turistas alemães que se encontravam em quarentena forçada por decisão das autoridades de saúde — sem que tivessem tido um teste de diagnóstico positivo à infeção pelo novo coronavírus. O pedido foi aceite na altura e os cidadãos em quarentena forçada puderam deixar o isolamento profilático. A autoridade de saúde local decidiu recorrer mas sem sucesso.

O caso tinha sido avançado em outubro pelo Observador, que noticiou que “quarentenas obrigatórias” decertadas nos Açores pelas autoridades de saúde estavam sob investigação do Ministério Público.

Ministério Público investiga quarentenas obrigatórias nos Açores: pessoas fechadas em hotéis e com polícia à porta

Este caso específico envolveu quatro turistas alemães que aterraram nos Açores munidos de um teste de diagnóstico negativo à infeção com SARS-CoV-2 (feito nas 72 horas anteriores). Os turistas em causa tinham férias planeadas em São Miguel. Um deles acabou por testar positivo, mas foi dada uma ordem de quarentena (de 14 dias, de 8 a 22 de agosto) aos restantes três elementos do grupo pela ARS dos Açores. O pedido de libertação imediata dos turistas acabou por dar entrada na Justiça e foi aceite.