Alguns membros do grupo de especialistas que aconselhou o governo britânico desde o início da pandemia da Covid-19 queixaram-se numa reportagem da BBC da falta de acesso a dados essenciais para guiarem as suas conclusões, tendo chegado a admitir que por não haver outras fontes chegaram a utilizar a Wikipedia.

“O público pode ficar surpreendido por nós termos utilizado a Wikipedia no início da pandemia, mas esses eram mesmo os únicos dados que estavam publicamente disponíveis aos quais podíamos aceder”, disse à BBC Ian Black, investigador da Universidade Manchester e membro do Scientific Advisory Group for Emergencies (SAGE).

Dentro do SAGE, Ian Black é o vice-presidente do SPI-M, o grupo responsável por definir através de modelos probabilísticos quais podem as consequências de saúde pública — nomeadamente no número de casos, mortes e sobrecarga no sistema nacional de saúde — consoante os diferentes tipos de resposta governamentais à pandemia.

Outro especialista e membro do SPI-M, Nick Davies, da London School of Hygiene and Tropical Medicine, disse que já com a pandemia instalada no Reino Unido o grupo chegou a trabalhar com dados recolhidos até uma semana antes. “Foi nessa altura que comecei a sentir que as coisas não estavam nada controladas”, disse à BBC.

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A falta de dados, sustentam agora os especialista, levou-os a demorar mais do que a maioria dos seus pares europeus na recomendação de confinamento ao governo britânico. Ian Black admitiu a possibilidade de essa demora ter levado a mais casos e mais mortes, embora com reservas. “É demasiado forte dizer que teríamos definitivamente feito recomendações mais cedo se tivéssemos tido acesso aos dados. Mas não sabemos, porque não tivemos acesso aos dados”, disse.

Foi com esses dados, e também com a falta deles, que foi construído o modelo feito entre o SAGE e o Imperial College, onde era previsto um total de 500 mil mortes pela Covid-19 entre março e agosto caso não fosse adotada nenhuma medida de contenção.

Porque é que o Reino Unido mudou de estratégia? Resposta: os números do atual modelo assustaram

A reportagem da BBC determinou ainda que o grupo consultado pelo governo britânico, que é também da sua nomeação, não contava com nenhum especialista no estudo dos coronavírus em seres humanos quando este se reuniu na fase inicial da pandemia, em janeiro.

Em resposta a esta última questão, um porta-voz do Ministério da Saúde britânico disse que a “Covid-19 é um novo vírus” [nota: Covid-19 é, isso sim, a doença; Sars-CoV 2 é o vírus que a provoca] e que o governo se socorreu de especialistas “relevantes”. “Temo-nos guiado pelos conselhos dos especialistas do SAGE e dos seus sub-comités e a nossa resposta ajudou a garantir que o NHS [o serviço público de saúde britânico] não ficou sobrecarregado”, disse.

O Reino Unido conta com 1.430.341 casos de infeção ao longo da pandemia, dos quais 53.274 resultaram na morte desses pacientes. Esta contagem faz deste o 5º país com mais mortes em absoluto (8º em proporção da sua população) e o 7º com mais casos (43º em proporção da sua sua população).