É urgente cultivar maior aceitação e compreender a esquizofrenia. “Quem vê caras não vê doença mental”, é um projeto da Janssen, companhia farmacêutica do grupo Johnson & Johnson, em parceria com o Observador, e que quer combater estigmas e mitos da doença mental e relançar um novo olhar para esta área, lembrando a necessidade desta ser uma prioridade para o país.

Para isso, desafiámos várias personalidades a dar voz e cara à história de quatro figuras bem conhecidas de todos e que sofreram de doença mental: Chester Bennington, vocalista dos Linkin Park, Robin Williams, ator, John Nash, matemático e Nobel da Economia e Vincent Van Gogh, pintor.

Falemos de John Nash.

Uma mente (muito) brilhante

Considerado um dos maiores matemáticos do século XX, a história de John Nash é bem mais complexa da que nos é apresentada em “Uma Mente Brilhante”, o filme de Hollywood que retrata as descobertas de Nash e a batalha do matemático contra a esquizofrenia paranóide, doença que lhe foi diagnosticada em 1958, aos 29 anos.

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É através desse filme que muitos de nós podem conhecer o homem que deixou um legado inigualável e que revolucionou a economia moderna, em grande parte devido ao trabalho que desenvolveu na Teoria dos Jogos, descoberta que lhe valeu o Prémio Nobel da Economia, em 1994 –  foi o único matemático a alcançar esse feito.

O norte-americano morreu aos 86 anos num acidente de viação, a 23 de maio de 2015, quando regressava a casa da Noruega, após ter recebido o prémio Abel, um dos prémios mais importantes da área e considerado o equivalente ao Nobel da Matemática – uma categoria que a Academia Sueca não contempla. Nash foi um génio que alterou o curso da História e o seu legado serve, até hoje, de inspiração a todas as pessoas com um percurso clínico semelhante, tal como nos diz Jorge Buescu, professor do Departamento de Matemática da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e um dos convidados deste projeto: “A doença provoca uma degradação das capacidades cognitivas e, portanto, eu diria que, à partida, pensar que 30 anos depois dele adoecer, passar por tratamentos violentíssimos e de uma brutalidade enorme, que, obviamente, tudo aquilo implica uma degradação cognitiva. Voltar a produzir matemática real e matemática útil, não ao nível do melhor que ele fez na vida, entre os 20 e os 30 anos, mas resultados matemáticos, isso sim, é inacreditável. É uma história mesmo inspiradora”.

“Na década de 50, 80 e 90 houve uma revolução nos tratamentos e que vieram melhorar significativamente a vida das pessoas” refere Paula Pina, psiquiatra portuguesa e também especialista convidada a intervir no vídeo. Nash é conhecido por ter conseguido enfrentar a sintomatologia associada ao seu diagnóstico, e, após um longo de período de recuperação, ter conseguido voltar a trabalhar na área. Desde o momento em que foi diagnosticado até hoje, grandes evoluções se têm registado nos cuidados de saúde a prestar e nos tratamentos disponíveis. Paula Pina considera que “existe realmente um certo desconforto em falarmos sobre isto e a atribuição de um prémio Nobel a uma pessoa com esquizofrenia é uma coisa fantástica, porque é sinal que isso não é impeditivo de as pessoas serem úteis e serem capazes de fazerem coisas – neste caso, geniais”.

Não é “maluquice”, os sintomas são bem reais

“Ele dizia que, ‘na loucura, eu achava-me a pessoa mais importante do mundo’ e acho que isso, no fundo, é um dos paradigmas também da doença mental, da nossa realidade ser diferente da realidade dos outros e vivermos isso com a intensidade que qualquer pessoa vive situações reais. Portanto, quando ele diz que, na loucura, se sentia a pessoa mais importante do mundo, é verdade. Naqueles momentos em que estava com crises de descompensação psicótica, acredito que era isso realmente que sentia”, começa por dizer a psiquiatra Paula Pina quando falamos na sintomatologia associada a um diagnóstico destes.

Antes de avançarmos, é importante dizer-lhe que a esquizofrenia é uma perturbação mental complexa e grave que afeta cerca de 21 milhões de pessoas em todo o mundo, e tendo em conta que existem vários graus de gravidade, falar apenas de um tipo de esquizofrenia seria redutor para a diversidade de diagnósticos que existem. Apesar de não ser conhecida uma única causa para a doença, sabemos que se trata de uma patologia que tem um impacto profundo na vida dos doentes, afetando a capacidade de pensar, o seu comportamento e a sua vida social, que provoca vários sintomas conhecidos como “sintomas psicóticos” e défices cognitivos que dificultam a integração social.

Falamos dos chamados sintomas positivos como alucinações e delírios, mas também de défices cognitivos, sintomas negativos e sintomas afetivos. Várias histórias, do conhecimento público, mostram como o comportamento de John Nash se foi alterando no decurso da doença, como quando enviou cartas a várias embaixadas dando-se a conhecer como Imperador da Antártida.

Este tipo de sintomatologia, por não ser compreendida, dificulta bastante a integração na sociedade. O matemático Jorge Buescu partilha que entre pares “às vezes falava-se do Nash mas era assim sempre por meias palavras, nunca assumindo, é um bocadinho como acontece socialmente, não é? As pessoas não andam por aí a dizer que não sei quem é esquizofrénico e tem alucinações. Isto é uma coisa que a gente não diz no café, portanto na comunidade matemática, na common room onde a gente toma o chá e se fala sobre matemática e matemáticos também não andamos a dizer que ele vê coisas e ouve vozes e tem alucinações. As coisas que se contava é que ele tinha adoecido e que não tinha voltado à matemática, uma versão um bocadinho diluída da realidade”.

É preciso abrir a discussão sobre saúde mental

A importância de se falar abertamente sobre doença mental nunca foi tão pertinente, especialmente em Portugal que é o segundo país com a mais elevada prevalência de doenças psiquiátricas na Europa (22,9%).

“É preciso abrir a discussão sobre saúde mental em todas as áreas, claro que na área laboral é importantíssimo. Contudo, Paula Pina alerta que o meio laboral é só um exemplo, na medida em que “em todas as áreas a saúde mental é negligenciada, na própria saúde a saúde mental tem um impacto em termos de visibilidade muito inferior a qualquer outra patologia”.

Quando é que devemos procurar ajuda? Para a psiquiatra Paula Pina “se vamos falar de sintomas de uma natureza mais grave, sintomas que possam ser estranhos aos terceiros, causar alguma estranheza noutras pessoas aí sim, acho que o psiquiatra será o clínico indicado para avaliar, diagnosticar e tratar. Isto falando na estranheza e na diferença do que é uma doença como a esquizofrenia”.

Infelizmente, “Depende muito da cultura de cada pessoa”, explica Paula Pina, acrescentando que, “em alguns sítios, até pode achar-se que são bruxedos, mal de inveja, coisas místicas e às vezes antes de chegarem ao psiquiatra, já foram ao bruxo e ao padre”. Segundo a experiência de Paula Pina é muito raro que um doente com esquizofrenia procure um especialista nos primeiros surtos, “porque aquilo que vive é a realidade e a realidade é assustadora. A pessoa não está doente, o mundo à volta é que está diferente e pode estar contra mim”. Regra geral, é a família que encaminha o doente a procurar ajuda, mas a sociedade também deve fazer a sua parte: “pode contribuir no fundo para tornar estas doenças mais aceites de forma a que sejam mais rapidamente reconhecidas e tratadas”, remata.

Saiba mais sobre este projeto em https://observador.pt/seccao/observador-lab/saude-mental-janssen/