O almoço na Casa do Alentejo, em Lisboa, já tinha estado marcado para a semana passada mas a agenda ditou que se realizasse esta quarta-feira. Discretamente, e acompanhado apenas de membros da Casa Civil e do consultor para Assuntos Culturais, Pedro Mexia, o Presidente da República almoçou durante mais de uma hora e meia naquela casa regional que diz ser, “ela própria, uma joia em termos arquitetónicos” e que está em vias de falir devido à crise pandémica. A ideia era dar apoio à Casa do Alentejo, mas, ao Observador, Marcelo Rebelo de Sousa acabou por dizer mais: é preciso não relaxar em janeiro e fevereiro, mesmo que a vacina esteja para breve. Tão breve quanto o anúncio da sua recandidatura a Belém. Um mais breve do que o outro.
“Não tenhamos ilusões, este é um processo lento, de muitos meses”, disse o Presidente da República em declarações ao Observador à saída do almoço, defendendo que as regras sanitárias que estão em vigor e que prejudicam setores como a restauração e a hotelaria são neste momento “fundamentais” porque é preciso “estabilizar em termos de contágios durante este mês, final de novembro, e princípio de dezembro, para poder dar uma folga nos internados e nos doentes internados em cuidados intensivos”. E é preciso manter o ritmo. “É preciso continuar, com precaução, durante o mês de janeiro e fevereiro, quando ainda não haverá de facto muitos portugueses vacinados”, disse.
Numa altura em que a Pfizer e a Moderna estão prestes a ver as suas vacinas aprovadas pela Agência Europeia de Medicamento, e quando a Comissão Europeia aponta o início de janeiro como calendário para começar a distribuir a vacina pelos Estados-membros, o Governo prepara-se para revelar, esta quinta-feira, o plano nacional de vacinação, mas Marcelo não quer ilusões. Questionado sobre se está confiante com o plano que vai ser apresentado, o Presidente da República relativizou a questão, sublinhando que as “dificuldades são prévias ao plano de vacinação” de cada país. E não é de um dia para o outro que os portugueses vão ser vacinados.
“Das várias vacinas em estudo, só há duas que estão muito próximas da aprovação pelas autoridades reguladoras, dessas duas mesmo, que apareçam na União Europeia, não aparecerão antes de janeiro. E em janeiro o fornecimento é ainda limitado. No caso de uma das vacinas, vai prolongar-se durante meses até ao outono, e no caso da outra vai prolongar-se até ao fim do ano. Depois, eventualmente, outras vacinas chegarão. Mas isto significa que os milhões de portugueses que têm expectativa de serem vacinados não serão vacinados logo em janeiro ou fevereiro”, disse.
Ou seja, o esforço de contenção do vírus que está a ser feito tem de continuar, alerta o Presidente, que pede aos portugueses — ou ao Governo — que não embandeirem em arco com a boa notícia do aparecimento da vacina. Não dá para relaxar. “Isto implica que o esforço que estamos a fazer tenha de se manter no começo do ano que vem, e que as pessoas percebam que não é de repente, no dia 1 de janeiro ou durante o mês de janeiro, que se altera a situação por forma à prevenção diminuir, à contenção diminuir. Não é assim em nenhum país da Europa, porque ministrar milhões de vacinas com duas doses distanciadas de um mês não é de um dia para o outro”, disse ainda.
Recandidatura? “Muito brevemente”, mas só depois de estado de emergência ser renovado (e até janeiro)
Os avisos são feitos na qualidade de Presidente da República, e é nessa qualidade que se vai manter por mais uns dias. Pelo menos até ao final desta semana, em que vai redigir mais um decreto de renovação do estado de emergência, com ideias de ter efeitos até janeiro — apesar de ter de ser renovado a 15 dias. “Eu ainda não tomei a decisão, mas já tive ocasião de dizer que será tomada agora muito brevemente, logo que esteja resolvida esta fase que tem a ver com a decisão até janeiro quanto ao estado de emergência”, disse ao Observador.
Ou seja, só depois de redigir o decreto, que terá de ser apreciado pelo Governo e votado na Assembleia da República. Em entrevista ao Observador, António Costa já tinha dito que este sábado o Governo se prepara para anunciar um conjunto de medidas restritivas para um mês (até início de janeiro), para incluir já o Natal e a Passagem de Ano. Quer dizer que vai anunciar a recandidatura à Presidência da República já depois deste fim de semana? “Isto quer dizer que está muito próximo“, limita-se a dizer.
Quanto ao mais, Marcelo vai continuar com a sua agenda mais ou menos pública, a apoiar aqui e ali os que mais são esmagados com a crise. “Vim aqui para apoiar a Casa do Alentejo, que é uma instituição fundamental em termos culturais para Lisboa e para a representação do Alentejo a nível nacional”, disse, sublinhando que a história desta casa quase centenária tem muita ligação à “atividade cultural e associativa durante o regime autoritário”, tendo tido um “conjunto de iniciativas de resistência democrática”, e tendo depois funcionado como “ponto de encontro das comunidades alentejanas na grande Lisboa”. “Tinha uma vida académica muito forte, lembro-me, enquanto aluno universitário e depois professor, de serem frequentes os convívios aqui”, conta.
“Isso foi diminuindo, diminuindo e agora com a grande crise da pandemia praticamente entrou numa situação de dificuldade económica. Além do restaurante, tinha outras atividades que deixou de ter — ainda vim aqui a encontros da comunidade cabo-verdiana com o presidente de Cabo Verde, mas tudo isso deixou de se realizar durante praticamente um ano. Artisticamente, ela própria é uma joia no sentido de que tem aqui peças de arte, e arquitetonicamente é uma realidade que não pode morrer”, disse ainda ao Observador junto à Casa do Alentejo, em Lisboa.. “Vamos la ver se conseguimos”.
Marcelo visita Casa do Alentejo quando risco de falir é “muito real”
As restrições são necessárias para conter o vírus, por um lado, mas Marcelo sabe que isso “tem custos para uma série de atividades económicas, nomeadamente na restauração, hotelaria e uma parte do comércio”, que têm de ser compensadas com apoios e ajudas do Estado. “Estas áreas estão a sofrer porque são atingidas brutalmente ao fim de semana ou á noite, por causa do recolher obrigatório”, admite. Mas quando questionado sobre o protesto do setor da restauração que está em frente à Assembleia da República, remeteu para as declarações do primeiro-ministro ao Observador, quando disse que tem “noção exata de que esta solução prolongada de medidas restritivas tem custos”.