É normalmente à mesa que culturas e heranças se congregam para, através de ingredientes e temperos, afirmarem as suas especificidades e, ao mesmo, fornecerem pistas sobre eventuais cruzamentos e matrizes comuns. Falamos do Médio Oriente, onde Natal não será, seguramente, a quadra mais assinalável do ano. Festividades religiosas à parte, em Lisboa, a ementa celebrativa é puxada para dezembro. A partir da próxima semana, o Mezze serve uma nada tradicional ceia natalícia, onde a estrela está longe de ser o peru, tão pouco o bacalhau.

O prato principal chama-se dijaj mahshi, um frango recheado (na tradução mais direta) que, apesar da origem longínqua, apresenta-se de forma curiosamente familiar. Com a pele bem tostada, o aparato na travessa deixa antever parte do recheio — uma mistura de arroz fumado e frutos secos, com destaque para o caju, carne de borrego e claro, especiarias.

Duas das cozinheiras do Mezze. O restaurante conta, atualmente, com 14 funcionários © Manuel Manso

“Existe uma comunidade cristã nas regiões da Síria, do Líbano e do Iraque, embora não represente a maioria da população, e este prato é muito confecionado no Natal. Os próprios muçulmanos comem-no bastante no final do Ramadão. É um prato de celebração, em festas e aniversários, além de uma ponte entre as duas culturas”, refere Francisca Gorjão Henriques, presidente da Pão a Pão, associação que, em setembro de 2017, reforçou a estratégia de integração de refugiados do Médio Oriente em Portugal com a abertura de um restaurante, o Mezze.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Partilhar, seja pela génese de intervenção social do projeto, seja pela própria dinâmica das refeições, é imperativo. É aquilo a que Francisca chama de “lógica de partilha” e que dita que, à exceção do imponente frango de forno, apresentado numa travessa, as iguarias sejam servidas em pequenas doses para dividir, distribuídas por vários pratos. Mesmo com um limite máximo de convivas fixado em cinco pessoas, não faltam mãos para fazê-los cirandar sobre a mesa.

Este é o quarto Natal do Mezze e, pela primeira vez, o restaurante, ele próprio local de trabalho de cidadãos que deixaram o seu país para procurar refúgio em Portugal, elaborou uma ementa especial a que chamou Ceia de Natal. O título é simbólico. Afinal, desde o primeiro dia de dezembro que se aceitam encomendas para levar Dijaj Mahshi e companhia para casa. A 70 euros para quatro pessoas (e a 95 euros para seis), este é um menu preparado exclusivamente para entregas e takeaway. As encomendas devem ser feitas com dois dias de antecedência.

A ceia de Natal do Mezze © Manuel Manso

“É um menu de resistência, uma forma de tentar contornar as restrições que temos tido. E, mesmo no Natal, as pessoas podem experimentar sabores novos, neste caso estarão sempre a contribuir também um projeto social. É uma solução feliz para as duas partes, até porque não são só os restaurantes que precisam dos clientes, as pessoas também precisam de continuar a ter contacto com os restaurantes”, afirma. Da resistência que o Mezze oferece à atual crise fazem ainda parte os vouchers de Natal, com valores de 20, 30 e 40 euros.

Entre segunda-feira e domingo, num horário adaptado aos novos tempos, os clientes continuam a entrar e a sentar-se a mesa (ao almoço, até podem ter lugar no interior do mercado). A par da novidade natalícia, há mais umas quantas na carta, caso do sheikh el-mehshi, beringela recheada de carne picada, tomate e pinhões, e do mnazalet zahra, couve-flor frita com coentros, limão, especiarias e pinhões, acompanhada de arroz fumado.

O dijaj mahshi a ser preparado na cozinha © Manuel Manso

O exotismo culinário fideliza e na mesa do Mezze há arroz fumado e babaganoush na lista de pratos favoritos. Em nome de “uma certa familiaridade”, como justifica Francisca, a Ceia de Natal inclui esta segunda iguaria, mas também o clássico húmus, labneh, pequenas bolas de iogurte seco envolvido em especiarias, yalanji, folhas de videira recheadas com arroz, tomate e salsa e kibbeh nayyeh, bolo de bulgur com tomate, pasta de pimento vermelho e xarope de romã. A sobremesa é à escolha a partir de três opções: mousse de chocolate e café árabe, baklava, um folhado de pistacho, e halawt el-jibn, doce de queijo com água de flor de laranjeira e calda de açúcar.

Rua Ângela Pinto, 40D, Lisboa. 93 980 6699. Segunda-feira, das 12h às 15h; de quarta a sexta-feira, das 12h as 22h30; sábado e domingo, das 10h às 13h (para brunch e com entregas até às 21h30 no sábado e até às 15h no domingo).